Ano novo, vida nova
Sabemos perfeitamente que esta é uma das maiores mentiras vivas – e instituídas – na nossa sociedade de consumo: a passagem do ano, que para nós cristãos é agora, mas para milhões de pessoas é noutra data qualquer, tudo dependendo do calendário adoptado. Mesmo assim, era muito bom que ano novo representasse vida nova, pelo menos para quem não tem a vida que gosta. Como eu.
Digamos que tenho muitas coisas boas na minha mãe, muitas das quais nem sonhava ter, e outras que nem achava serem possíveis no meu universo. 2006 foi cheio de novidades para mim: ter um sobrinho em Janeiro foi logo uma alegria, depois veio o emprego, pude sair de casa, casar. Foram mudanças exteriores que me afectaram o interior de modo positivo. Foram progressos. Se é certo que nos devemos concentrar nas coisas boas, também temos de reflectir o que mudou no nosso interior naquilo que somos, na nossa natureza.
A minha natureza é muito desconfiada, vivo tudo com imensa suspeita, penso sempre na perda como uma dado adquirido, por isso tudo o que vier de bem é bem vindo. Mas é uma natureza pacífica, muito mais pacífica do que a minha ansiedade e nervosismo deixa pressupor a mim mesma. Ser pacífico não é baixar os braços nem deixar de lutar: é querer, acima de tudo, paz para nós e paz para os outros. Feliz ou infelizmente, e porque toda esta vida é um teste de esmero e dedicação, o meu percurso é o de uma guerreira insatisfeita com a vida. Porque realmente, como diria a minha amiga Diana, não lido satisfatoriamente com a falta de valores dos outros. Mas lido menos bem ainda comigo própria, com a minha intuição e com a minha inteligência. Deveriam talvez ser motivo de orgulho – ou quiçá, se fosse muito orgulhosa, nada aprendesse. Mas a verdade é que, na escrita, o meu olhar é omnisciente. E a vida reflecte a minha escrita – e não o contrário, cada vez mais sei isso. Por isso o meu olhar sobre a vida é muito ansioso: porque é omnisciente. Hoje posso achar que aquilo que pensei, em fracções de segundos, foi uma imbecilidade, mas uma coisa é certa: se eu intui alguma coisa, então faz sentido, encaixa algures numa parte qualquer do que me vai acontecer. Dou um exemplo estúpido: toda a vida pensei em África e acabei por fazer um mestrado nessa área. Toda a vida pensei em ler escritores russos, e estou agora a estudá-los. Toda a vida li coisas que mais tarde me vieram a servir. E quando eu digo «pensei», digo «intui», porque o desprezo pela intuição é um bocado a morte da alma, e as palavras também reflectem isso. Há muitas coisas que eu sabia que iam acontecer. Como é que eu sabia? Eu sabia, simplesmente. Aceitar isso será um passo para chegar à paz com o meu espírito. O segundo passo é desinteressar-me da vida das pessoas que não me interessam. É não permitir sequer que haja cruzamentos de informações com essas pessoas. Porque se eu intuo que são perigosas é porque são. Por isso afastar-me é a melhor hipótese, mesmo que lute contra o impossível, mesmo provocando cisões. Penso que nada beneficiamos em deixar que a vida dos outros seja a nossa.
Na vida, só há uma hipótese: acreditarmos em nós próprios. Todas as outras batalhas serão inúteis se essa não estiver vencida. Sem gostarmos de nós, assumirmos erros, aprendermos com eles, percebermos quem somos, não vale a pena lutarmos com armas honestas, porque tudo o que sai deste jogo é um outro jogo, muito mais cruel: o da falsidade, da mentira, da superficialidade. E a maior parte de nós joga este jogo com a habilidade com que o aprendeu, falsificando a nossa imagem vezes sem conta e falsificando a imagem dos outros. Uns habituam-se, outros não, e voltam vezes sem conta a si mesmos, perguntando-se «o que me está a acontecer?». É a eterna contradição entre aquilo que os outros vêem e o que somos, e se tivermos muito medo do que somos, disfarçamos com qualidades que de facto não são as nossas, que não temos e com gostos e valores que não cultivamos. Viver na mentira traz muitas vezes sucesso e as pessoas confundem isso com felicidade, porque lhes preenche o vazio interior com o qual não sabem lidar.
Na minha vida tenho observado, e já aqui o disse por diversas vezes, que os meus amigos espelham as minhas qualidades e defeitos, e eu os deles. Essa é a minha maneira de me ver ao espelho. Se nos rodearmos de pessoas semelhantes a nós, na sua essência, nunca nos enganamos. Elas dizem-nos sempre o que somos com sinceridade. Se pelo contrário nos rodearmos das nossas antíteses, elas vão-nos indicar um caminho bem diferente de nós próprios.
Tudo o que mais desejamos da vida advém daquilo que podemos discernir, a preto e branco, e nunca do cinzento onde algures nos convenceram a sentar o rabo, por ser mais fácil, mais rápido, ou mais simples.
Por isso, para 2007, desejo a todos os leitores do meu blogue, a maior parte grandes amigos e amigas (mais amigas, que são menos preguiçosas do que os meninos) que se rodeiem das pessoas que os façam sentir leves e transparentes, e nunca das pessoas cujo peso nos carrega os ombros só de olharmos para elas, pela mentira que são. Não direi a nenhum de vocês que este é o caminho mais fácil, mas é com toda a certeza o mais certo. É o que me diz a minha intuição.