Friday, December 29, 2006

Ano novo, vida nova

Sabemos perfeitamente que esta é uma das maiores mentiras vivas – e instituídas – na nossa sociedade de consumo: a passagem do ano, que para nós cristãos é agora, mas para milhões de pessoas é noutra data qualquer, tudo dependendo do calendário adoptado. Mesmo assim, era muito bom que ano novo representasse vida nova, pelo menos para quem não tem a vida que gosta. Como eu.
Digamos que tenho muitas coisas boas na minha mãe, muitas das quais nem sonhava ter, e outras que nem achava serem possíveis no meu universo. 2006 foi cheio de novidades para mim: ter um sobrinho em Janeiro foi logo uma alegria, depois veio o emprego, pude sair de casa, casar. Foram mudanças exteriores que me afectaram o interior de modo positivo. Foram progressos. Se é certo que nos devemos concentrar nas coisas boas, também temos de reflectir o que mudou no nosso interior naquilo que somos, na nossa natureza.
A minha natureza é muito desconfiada, vivo tudo com imensa suspeita, penso sempre na perda como uma dado adquirido, por isso tudo o que vier de bem é bem vindo. Mas é uma natureza pacífica, muito mais pacífica do que a minha ansiedade e nervosismo deixa pressupor a mim mesma. Ser pacífico não é baixar os braços nem deixar de lutar: é querer, acima de tudo, paz para nós e paz para os outros. Feliz ou infelizmente, e porque toda esta vida é um teste de esmero e dedicação, o meu percurso é o de uma guerreira insatisfeita com a vida. Porque realmente, como diria a minha amiga Diana, não lido satisfatoriamente com a falta de valores dos outros. Mas lido menos bem ainda comigo própria, com a minha intuição e com a minha inteligência. Deveriam talvez ser motivo de orgulho – ou quiçá, se fosse muito orgulhosa, nada aprendesse. Mas a verdade é que, na escrita, o meu olhar é omnisciente. E a vida reflecte a minha escrita – e não o contrário, cada vez mais sei isso. Por isso o meu olhar sobre a vida é muito ansioso: porque é omnisciente. Hoje posso achar que aquilo que pensei, em fracções de segundos, foi uma imbecilidade, mas uma coisa é certa: se eu intui alguma coisa, então faz sentido, encaixa algures numa parte qualquer do que me vai acontecer. Dou um exemplo estúpido: toda a vida pensei em África e acabei por fazer um mestrado nessa área. Toda a vida pensei em ler escritores russos, e estou agora a estudá-los. Toda a vida li coisas que mais tarde me vieram a servir. E quando eu digo «pensei», digo «intui», porque o desprezo pela intuição é um bocado a morte da alma, e as palavras também reflectem isso. Há muitas coisas que eu sabia que iam acontecer. Como é que eu sabia? Eu sabia, simplesmente. Aceitar isso será um passo para chegar à paz com o meu espírito. O segundo passo é desinteressar-me da vida das pessoas que não me interessam. É não permitir sequer que haja cruzamentos de informações com essas pessoas. Porque se eu intuo que são perigosas é porque são. Por isso afastar-me é a melhor hipótese, mesmo que lute contra o impossível, mesmo provocando cisões. Penso que nada beneficiamos em deixar que a vida dos outros seja a nossa.
Na vida, só há uma hipótese: acreditarmos em nós próprios. Todas as outras batalhas serão inúteis se essa não estiver vencida. Sem gostarmos de nós, assumirmos erros, aprendermos com eles, percebermos quem somos, não vale a pena lutarmos com armas honestas, porque tudo o que sai deste jogo é um outro jogo, muito mais cruel: o da falsidade, da mentira, da superficialidade. E a maior parte de nós joga este jogo com a habilidade com que o aprendeu, falsificando a nossa imagem vezes sem conta e falsificando a imagem dos outros. Uns habituam-se, outros não, e voltam vezes sem conta a si mesmos, perguntando-se «o que me está a acontecer?». É a eterna contradição entre aquilo que os outros vêem e o que somos, e se tivermos muito medo do que somos, disfarçamos com qualidades que de facto não são as nossas, que não temos e com gostos e valores que não cultivamos. Viver na mentira traz muitas vezes sucesso e as pessoas confundem isso com felicidade, porque lhes preenche o vazio interior com o qual não sabem lidar.
Na minha vida tenho observado, e já aqui o disse por diversas vezes, que os meus amigos espelham as minhas qualidades e defeitos, e eu os deles. Essa é a minha maneira de me ver ao espelho. Se nos rodearmos de pessoas semelhantes a nós, na sua essência, nunca nos enganamos. Elas dizem-nos sempre o que somos com sinceridade. Se pelo contrário nos rodearmos das nossas antíteses, elas vão-nos indicar um caminho bem diferente de nós próprios.
Tudo o que mais desejamos da vida advém daquilo que podemos discernir, a preto e branco, e nunca do cinzento onde algures nos convenceram a sentar o rabo, por ser mais fácil, mais rápido, ou mais simples.
Por isso, para 2007, desejo a todos os leitores do meu blogue, a maior parte grandes amigos e amigas (mais amigas, que são menos preguiçosas do que os meninos) que se rodeiem das pessoas que os façam sentir leves e transparentes, e nunca das pessoas cujo peso nos carrega os ombros só de olharmos para elas, pela mentira que são. Não direi a nenhum de vocês que este é o caminho mais fácil, mas é com toda a certeza o mais certo. É o que me diz a minha intuição.

2 Comments:

At 11:22 AM, Blogger XaninhA said...

Se o Ano Novo irá trazer uma Vida Nova não sei, mas espero muito sinceramente que a tua vida em 2007 seja o melhor que se pode desejar! (sim, agora que és Mestre tens de ter nível!)
Não se pode dizer que precises de uma vida nova, mas umas remodelações já davam jeito, não é? Pena que há pessoas que nunca mudam!!
A mudança está presente em tudo na vida, no entanto, é a mudança interior que realmente conta e faz a diferença.
Por isso Fernanda, muda o que quiseres no Ano Novo, menos a ti :)*

 
At 12:09 PM, Blogger fercris77 said...

Querida amiga, acho que neste novo ano terei de me mudar a mim mesma, sim, ter muito mais calma nas situações todas pelas quais passo, mas sabendo dar-lhes resposta. A palavra «responsabilidade» significa saber dar resposta. E eu preciso aprender a fazer isso. Os outros não mudam, nós é que temos de tentar mudar, sem no entanto forjarmos o nosso carácter.

 

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