Thursday, November 23, 2006


Dos recontros aos reencontros


Já pensaram que só um «e» muda o sentido das palavras e a relação que temos com os outros? Muitas vezes somos nós que decidimos quem os outros são para nós, como os outros nos tratam, e o que querem os outros de nós. Se nunca alimentarmos falsas expectativas, talvez não tenhamos desgostos. Mas se alimentamos a sede e a fome que as pessoas têm, não nos vai sobrar se não mais fome e mais sede. É natural que as crianças não saibam dosear o que podem ou não querer dos outros, mas com a vida vão aprendendo. Uma criança pedinchona que vê todos os pedidos satisfeitos num ápice vai-se tornar num adulto igual. Como diz a Júlia Pinheiro, e me recordou a Lisa no outro dia, a função de uma mãe é que o filho não precise dela para nada. Devemos estar dispostos a ajudar, mas nunca a sufocar. Se pensarmos bem, resulta para todo o tipo de relações: de amor, de amizade e até no trabalho. Não devemos nunca fazer as nossas tarefas dependerem dos outros, os nossos gostos, as nossas viagens, as nossas escolhas. Se for assim, pouco sobra do nosso ego.
Com as pessoas temos recontros e reencontros. E uma coisa devemos ficar a saber: não é possível ter um só. Não podemos ter só reencontros com as pessoas nem só recontros. Não podemos estar sempre à espera de pessoas. Não podemos estar sempre a embater nelas. Das duas uma: ou fingimos que não é nada connosco, quando nos dão um encontrão ou reagimos. E por vezes nem uma nem outra são o ideal. Por vezes temos de ser gentis com a vida, estrategas inteligentes, perceber no que e em quem é que devemos tocar e como. Porque por vezes não tocamos só em pessoas, tocamos numa fileira delas, e quando damos um encontrão numa caem as outras todas, peça por peça, como no dominó. Mas às vezes, na vida, é esse o preço a pagar para sermos pessoas de bem, justas e compreensivas. Se formos, temos de ter recontros em cadeia. Também temos de nos lembrar que, no final, compensam os reencontros, sobretudo com as pessoas que estão de braços estendidos à nossa espera.
Nestes últimos dias. Roma tem estado chuvosa e eu tenho estado triste e desanimada. Não com Roma, que é sempre fantástica, mas com a angústia desgraçada deste espírito desassossegado e das decisões que tomei dentro dele, para ser mais feliz. Além disso, essas decisões são tomadas a dois, são tomadas em parceria com o meu marido. Porque é que é tão difícil sermos justos, sermos humanos, sermos pessoas? Porque há decisões que custam muito e são penosas. Normalmente não me custa passar tempo aqui em Roma. Mas agora às vezes custa, porque carrego um peso comigo, não vim liberta dele, e o inferno é esse peso, do não-ter-dito. Vamos adiando palavras e decisões porque isto e aquilo, vamos adiando recontros e reencontros. Neste momento a Patrícia já está farta e só me diz «Fernanda, move on», e tem toda a razão, como sempre, a coitada já não me deve ouvir. Todavia, faço o que acho bem, pois claro, não posso estar à espera que ninguém decida por mim. Roma tem esta força, de me fazer embater nos problemas. Dói-me acordar com este frio todo e pensar «não resolvi aquilo, pá». Esta noite sonhei com a minha mãe doente, tinha bulimia (coisa que nunca teve) e vomitava sucessivamente, e dizia que não tinha nada, que era um dieta que estava a fazer. E eu tentava perceber se ela tinha cancro ou bulimia. Quando eu sonho com a minha mãe assim sei uma coisa: é insustentável continuar com os problemas que estou, com a minha angústia medonha. Tenho de os resolver, doa a quem doer, mesmo que tenha de cortar relações com pessoas, se o preço for o recontro, venha ele, se o preço for o (mau) reencontro, venha também. A vida é mesmo assim.

2 Comments:

At 12:55 AM, Blogger XaninhA said...

"Se a vida fosse fácil não nascíamos a chorar" - Tenho de me deixar das frases feitas que isto faz-me mal! :p
Às vezes a coragem necessária para resolver os problemas está dentro do nosso peito (e não na nossa cabeça, como julga muito boa gente). E é com ele aberto e desamparado que temos de "enfrentar o touro pelos cornos" (é assim que se diz? Não estou familiarizada com estas expressões que minimizam esse animalzinho tãaaaaoo querido que eu represento astrologicamente) :p
Há coisas que temos de ser nós a fazê-las. E temos de as fazer bem. :)*

 
At 6:00 AM, Blogger fercris77 said...

Tens tão bom feitio que até me esqueço que és do signo touro (esse sacaninha!). É um animal um tanto ou quanto irracional, mas tem uma coisa muito boa: bate de frente, com força e faz isso até ficar derreado.
Quem quer que sejamos na vida, temos de embater nas outras pessoas: com força, ao de leve, mais ou menos bem, mais ou menos mal. Não é possível haver sempre consensos, ou sair de tudo com um sorriso (só a minha avó o faz, com muita mestria, mas mesmo assim descai-se), mas é possível sermos coerentes e verdadeiros, mesmo que custe muito, a nós e aos outros.
Sim, concordo ctg, a coragem está no peito, nem sempre a cabeça manda em nós. Quanto a fazermos as coisas bem, já esqueci esse preciosismo, porque é preciso é avançar, se fizemos bem ou mal só o tempo nos dirá...«dacta iacta sunt» (os dados estão lançados).

 

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