Friday, December 01, 2006

A Célia

O texto não pode ter outro nome, porque Célia, Célia só há uma. A minha amiga Célia, que conheci por intermédio do meu irmão há uns anos, talvez em 2001 ou 2002, não me lembro bem, e que nasceu num sítio chamado Escarigo (concelho do Fundão). A mãe dela, a Maria, diz que é filha dela de certeza, porque nesse dia a Célia foi a única menina a nascer no Escarigo. Tal como o Botulho da minha amiga Ângela, o Escarigo não é local de muito movimento e os turistas vão lá parar por acaso, ou porque são amigos da Célia, ou porque foram a caminhadas do Júlio (para o Júlio o mundo é muito pequeno, todos os sítios são definidos como «perto» e «já ali»). O que dá qualidade e sentido ao Botulho é a Célia, a família dela (que deve ser quase todo o Botulho), sobretudo o tio Carretas, conhecido pelo célebre «Ó Célia, quando é que te casas?». Felizmente para o tio Carretas, a Célia já casou.
A Célia é, quanto a mim, a pessoa mais original que conheço. Mas ela não sabe disso. E tem uma coisa fabulosa: é a preto e branco, mas colorida. Eu explico: é uma pessoa divertida e sã de espírito, percebe a ironia, percebe uma piada, uma joke, uma palermice, mas não perdoa se uma pessoa a chateia ou tem características desprezíveis, como a hipocrisia. E eu sou oldfashion. Continuo a adorar pessoas radicais, que não vivem sentadas naquela zona confortável do «gostar mais ou menos» do «dar um jeitinho», na zona cinzenta do sorriso a quem nos dá prémios. É que quando a Célia não gosta, não gosta mesmo. E ponto final. Tenho a impressão que também sou assim.
Conheço poucas pessoas que demorassem um dia a escolher um bolo de anos para o irmão, que andassem quase 60 Km nos EUA para comprar um cheesecake (de que não gostou) ou que levassem um dia inteiro nas compras para comprar…zero. Estas indecisões da Célia contrastam com o resto do seu carácter, que é muito firme e decidido. Ela é também a única pessoa católica que conheço cujo presépio de Natal foi roubado por outra católica…Do que conheço da Célia, acho que o pior que podem fazer-lhe é roubar-lhe qualquer coisa, ou enganá-la, sobretudo na comida.
Quando estivemos em S. Tomé a Célia angariou uma legião de fãs pretos que se queriam casar com ela (eu também tive direito, mas houve pessoas que não, graças a comportamentos anti-sociais e burgueses, «ai não laves os pés com o sabonete das mãos!»). Ninguém apanhou malária, e a Célia ganhou cocos e carambolas a dar com um pau. A propósito de pau, a Célia ganhou paus para o tambor que tinha comprado. Nem precisou regatear, bastou dizer «sou pobre» que os pretos deram-lhe logo os paus, ao contrário de mim, que paguei tudo o que tinha comprado. De qualquer forma, foi uma viagem excepcional, marcada na nossa memória por filmagens e fotografias inesquecíveis, que ainda hoje vemos como se estivéssemos a recordar tempos muito antigos. Gostamos sobretudo de nos lembrar de alguém que se levantava com as galinhas e punha factor 45 para não se queimar do sol e ficava a dormir o dia inteiro. Na vida, há cromos inesquecíveis que valem a pensa recordar com os amigos.
No outro dia a Célia conseguiu-me espantar com uma afirmação estonteante. Disse-me no messenger que eu era a amiga dela mais bem disposta. Logo eu, que de vez em quando acordo com vontade de esganar alguém (o Pedro é o primeiro a apanhar com o meu mau humor). Disse-me mais: que ao pé de mim se sentia bem. Acho que ela é a prova de que vale a pena sermos positivos e rirmos ironicamente da vida, porque muitas vezes não há outra saída para encararmos as coisas menos boas e as pessoas menos boas que se nos atravessam no caminho. Pessoas como a Célia são a compensação desse outro lado menos bom da vida, porque riem e choram connosco. Sem hipocrisias e sem máscaras. Há que aproveitar.

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