Tuesday, January 08, 2008


Os solteiros

Já lá vai um ano – e uns meses – que entrei no grupo das mulheres casadas, e como a memória é curta, vou-me esquecendo como era ser solteira. Do que me lembro bem é que as conversas das mulheres casadas pouca ou nada me diziam. Sobretudo aquelas que contavam histórias perversas de sogros, porque sempre achei que aturar os nossos pais era dose forte, quanto mais os pais dos outros. Mas costuma-se dizer que pela boca morre o peixe. E eis-me defrontada com situações muito semelhantes, de impasse. O impasse ajuda-nos a estruturar a cabeça, as emoções, obriga-nos a repensar a vida. Mas custa.
De qualquer forma, quando passamos esta barreira, esta espécie de ritual iniciático para o qual todos achamos estar designados e preparados, o casamento, sentimos por vezes uma grande frustração. Diz-se que a frustração de expectativas é natural, normal e até preferencial, uma vez que estamos ancorados é na realidade. Mas às vezes é mesmo tudo tão diferente do que esperávamos, que sentimos estar a entrar noutro mundo, muito paralelo aos dos solteiros. Provavelmente as pessoas que são pais sentem o mesmo quando são pais. Estão noutra dimensão, a das fraldas, biberãos, choros, sonos trocados. Com todas estas duras tarefas que escolhemos, ou para que fomos desafiados pela vida, esquecemo-nos dos solteiros, esses nossos amigos sossegados, esses ombros amigos que por ocasião da vida ficaram sem par, e aqui incluo os meus amigos divorciados, viúvos ou solteiros sem ser por escolha própria. E friso «sem ser por escolha própria» porque há muitos solteiros que adoram a sua vida de solteiros – só que eu não os conheço, dizem que há, pronto.
Como era a minha vida se ainda fosse solteira, ou pior ainda, solteira outra vez, que não é bem assim que se chama, chama-se mesmo divorciada, porque depois de casados não voltamos mais a ser solteiros. Não sei. Vivia com o meu pai e avó? Namorava? Vivia sozinha? Ia mais ou menos vezes sair com amigos? Não sei. A vida é uma incógnita indecifrável e se me dissessem, há uns atrás, que eu iria casar, eu ria-me a bom rir. Há coisas inesperadas. E eu sou daquelas pessoas que sempre disseram «não me vou casar». Mentira…casei.
Não tenho pena dos meus amigos solteiros. Acho que há vantagens em ser-se solteiro. Mas tenho respeito pelos amigos que sendo solteiros preferiam não estar solteiros ou pelo menos ter com quem estar, ter com quem dormir, ter a quem se encostar. E não é que perdi esta noite a pensar nisto? Parece ser uma burrice, mas não conheço outro modo de estar na vida sem ser a preocupação. A Paula também é como eu, mas ela é por compaixão. No meu caso acho que é mais que isso. Gostava de ser como a Amélie Poulin, que arranja a vida dos outros e não toma conta da dela. Mas tomo conta da minha – bem ou mal – e não consigo ajudar os outros. Acho eu. Peço sempre milhares de ajudas. Tenho a mania das fadas, dos anjos, dos duendes, e portanto falo, peço opinião, não me calo mais enquanto não supero um problema. E quando as coisas se resolvem ou vão resolvendo aos poucos, eu deixo de falar nisso e falar nisso enerva-me porque deixa de ser um assunto. Por todos estes motivos, acho mesmo – mas mesmo – que tenho amigos muito bons, pacientes, respeitosos, alguns mais instigadores à pancada do que outros, mas todos com a sua função e missão. Às vezes – muitas vezes – irrito-me com as suas opiniões, outras vezes irrito-me que não me as dêem. Mas essa é a função deles: estarem ali, mostrarem-me caminhos. Os meus amigos são como o tarot divinatório (nada de ideias, Patrícia França, não te pago nada pelas tuas opiniões).
Mas voltando aos meus amigos solteiros e deixando o meu egocentismo de lado, estou muito preocupada com todos eles. Por diversas razões. Uma, o estereótipo social do «temos todos de casar». Não vão nisso…não sou contra o casamento, acho que cada um deve fazer o que mais lhe apraz e sobretudo, acima de tudo, como entende. Dois. A projecção fantasmagórica do «corre bem e mesmo que não corra suporta-se». Não corre sempre tudo bem e não se suporta tudo. Três. Mais do que a imagem social, o sentimento de falta de auto-estima, de que os amigos continuaram o caminho e eles ficaram para trás. Quatro. O egocentrismo dos casados, que acham que a partir daquele ponto, só há maridos, sogros e cunhados para falar (confesso a minha culpa), bem como pormenores da vida de casamento. Cinco. A falta de perspectiva, como dizerem «nunca mais me vou casar». Todos sabemos que isso constitui uma mentira flagrante. Dá vontade de dizer «ai casas, nem que seja para saberes como é, anda lá». Seis. A falta de apoio. Não é um mito, é complicado que uma só carreira suporte uma casa e despesas, mas conheço casos de sucesso. Para além do lado material, há o lado espiritual, que é muito mais importante, o «vou enfrentar a vida sozinho». Precisar de alguém é humano. Amar ainda mais. Sete. O relógio biológico. Argumento mais válido para mulheres, pois infelizmente temos um «prazo» biológico para termos filhos e com os estereótipos actuais, um prazo curto de juventude, beleza, interesse.
Todos estes argumentos deixam os amigos solteiros tristes e desanimados – pelo menos alguns. Não vale a pena dizer que podem ir ao cinema, à ópera, à discoteca, certamente eles responderão que não têm com quem ir, uma vez que a grande maioria dos amigos é casada e tem filhos. Não vale a pena palavras soltas ao vento, dizendo que vão encontrar o amor da sua vida ali na esquina. Eles já não acreditam em nós. Não vale a pena dizer-lhes que o casamento tem vicissitudes – eles sabem mas não querem saber, porque temos companheiros para partilhar a vida e eles não.
Queridos amigos solteiros (inclui todos os estatutos jurídicos): tenho muita dificuldade em vos dizer o que quer que seja, por isso estar calada talvez seja a melhor política em algumas situações – e eu não tenho seguido essa política. Agora, posso dizer que me solidarizo com todo e qualquer estatuto jurídico ou não jurídico, e que os meus amigos me preocupam independentemente do que consta no BI. Opá, eu sei que não resolve tudo. Mas é a única maneira de compensar quem sempre esteve do meu lado.

2 Comments:

At 7:42 AM, Blogger Brisa said...

Ouvir e compreender é, como já te disse, um consolo muito grande. Porque este é um daqueles problemas que não pode ser resolvido por nada que nos seja exterior. Há uma solidão para ser vivida e cada um é que tem de se esmifrar para não lhe sentir o peso. Infelizmente o amor da nossa vida não se encontra na prateleira de um qualquer supermercado (ui, ia já a correr buscar um Brad Pitt para colocar no móvel da sala!). Por isso, temos de ser capazes de viver - bem! - mesmo sem esse conforto. Ser-se solteiro tem vantagens muito preciosas: não precisamos de arrumar logo ou lavar a loiça, se não apetecer não se cozinha, se à ultima da hora surgir um cinema podemos dizer que sim sem prestar contas a ninguém. Só que quando estamos nesta fase raramente lhe sabemos dar o devido valor e dedicamo-nos mais a sentir pena de nós próprios do que a procurar um sentido para a vida que não implique necessariamente um parceiro.

 
At 8:03 AM, Blogger fercris77 said...

É verdade, amiga. Também quis mostrar a minha solidariedade para com aqueles que estando solteiros não estão felizes. Mas vemos casos paradigmáticos como o das meninas do «Sexo e a Cidade» e acho-as maravilhosas, mais não seja pela amizade que as une e o tempo que têm umas para as outras.

 

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