Monday, December 03, 2007

As férias

Eu queria faezr uma declaração estonteante, de levar ao desmaio 99% das pessoas: não gosto de férias. Nada mesmo. Está bem, sou workoolic, isso confesso, mas o que gosto mesmo é de ter tempo entre as frestas do trabalho, em vez de andar a correr. Melhor isso do que férias, do que dias e dias sem fazer nada e com pressa para ver tudo, andar em todo o lado, tirar fotografias. Aqui em Roma deve ser uma infelicidade fazer férias, porque eu já vim cá várias vezes (em trabalho) e nunca vi tudo nem tenho essa pretensão, porque há tanto tanto para ver que nem dá para acreditar. E é aqui como no resto do mundo. Está sempre tudo em falta e pensa-se logo «vim aqui, gastei uma batelada de dinheiro e não vi nada do que queria».
Depois férias para mim, durante muitos anos, significaram discussões valentes entre os meus pais, os meus pais e irmão, eu e o meu irmão, os meus pais e eu. Houvesse um cão e também odiava férias. A praia fartava-me. O campo fartava-me. A cidade fartava-me. Gostava era de ler. Desculpem a cromice. Dois dias sem telefonar e a minha avó achava que tínhamos morrido na estrada. Com o Pedro férias passaram a ser sinónimo de passeios mais calmos (aqui em Roma cansativos, mas aqui é tudo cansativo), mas telemóvel sempre a tocar. Portanto não gosto de férias, muito menos as de Natal. O Natal eu odeio mesmo, mas mesmo. Só gosto dos doces gordurosos (alguns), dos chocolates, nem às prendas acho piada. O que eu gostava de ter um corrector e passar por cima do Natal…e do Ano Novo nem se fala.
Quando me falam em férias eu lembro-me sempre da casa da avó Nazaré (até em Roma e com o frio que está me lembro disso), quente, húmida, suja, podre e a cair aos bocados, tétrica. Lembro-me do cheiro da pasta peganhenta contra as melgas (que só não picavam a minha mãe), da cama de molas onde eu dormia, que caía três vezes por noite, dos ataques de falta de ar do Ricardo, dos meus avós não acharem piada a nada e acharem sempre que os roubávamos, de comer peixe frito e de eu e o meu irmão roubarmos as uvas antes do jantar porque a minha avó via mal e lavava as unhas sujas na água. Lembro-me de a avó Nazaré tossir/escarrar toda a noite e dizer que queria ir para o hospital, mesmo sabendo pelas vizinhas que estava sempre bem até chegarmos. E lembro-me de horríveis prisões de ventre (que nunca mais tive) que faziam a minha mãe cozinhar sopa de feijão e nada…e que obrigavam a medidas de força como clisteres que me deixavam agoniada e horas na casa-de-banho – com o meu irmão a tentar impedir a passagem para a sanita ou a minha avó a ter vontade à mesma hora que eu. Lembro-me de o meu irmão criar armadilhas naquela casa assustadoras, com fios invisíveis, formigas dentro de frascos e pastilhas elásticas nas janelas, ou simplesmente mudar cadeiras de sítio, que ali gerava o caos e quedas tenebrosas, bem como gritarias. Era uma casa anti-crianças, anti-felicidade e pró-angústia (na linha da de outras casas que já conheci, mas menos cheia e mais podre). Tal como as férias, nas quais a minha mãe acabava sempre por tomar calmantes ou comprimidos para dormir por não aguentar a pressão. Eu devo ter herdado essa propensão: saio das férias sempre mais esgotada do que entrei. Prefiro ir tendo folgas. Férias não.


1 Comments:

At 3:24 AM, Blogger Brisa said...

Aquilo que vivemos na infância tem este estranho condão de se nos colar para a vida toda. Em adultos, temos de contrariar essa cicatriz e dizer a nós próprios que a vida é muito mais do que esses episódios infelizes do passado.

 

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