Sunday, January 06, 2008


Falsos amigos & filhos Lda.

Hoje falava com uma amiga acerca da grosseria de certas pessoas nossas conhecidas (algumas até amigas) cujo único objectivo de vida é dizerem, seja de que forma for «Estou aqui». Depois, com algum desprimor e até desencanto, enviam mensagens de «Ah, também estás aí! Não tinha reparado…». Como dizia Shopenhaeur, precisamos dos outros até para chorar, o choro existe muito para os outros e há estudos acerca do efeito da lágrima feminina no cérebro masculino e vice-versa. Quando alguém morre, S. diz que mais do que lamentar a morte, lamentamos a falta que aquela pessoa nos vai fazer e sobretudo, perdemos a opinião que aquela pessoa tinha de nós (se for boa é uma pena, se não for, oscilamos mais em lamentar «aquela» morte). A morte do outro é também a nossa própria morte.
Na Visão desta semana vem um artigo excepcional que revela que tão depressa o ser humano é capaz de feitos sobrehumanos para proteger o próximo, como de maldades atrozes - o caso de Pol Pot, que tendo chacinado mais de metade da população, dizia «dormir de consciência limpa». Com uma afirmação destas, uma pessoa não sabe bem onde fica a consciência e a opinião acerca da pena de morte. Matar alguém que pensa isto parece pouco.
Voltamos a mim e à minha amiga e às nossas amigas e conhecidas. Digo isto porque o mundo das mulheres é mais profíquo nesta coisa de «sabes, aconteceu-me isto? Não é fixe? Ai estás na merda? Ai que pena…olha, quanto a mim…». Os homens também são assim, mas cortam pela raiz as coisas, não dão conversa, na prática dá na mesma, mas não falam tanto sobre isso. Entram e dizem «o meu carro é bom (variante: o meu carro é o melhor), os meus filhos andam nas melhores escolas», sem o intróito parvo de «sabes lá tu o que me aconteceu ontem».
O que tanto nos choca? Será a futilidade, o egoísmo, o desvio mental, que a minha cabeleireira explicava como «excesso de uso do telemóvel», e uma colega minha professora dizia ser «da alimentação, de comer carne», ou simplesmente há uma falência de valores morais que nos faz morar (e estagnar à deriva) num universo paralelo, que atravessamos sem questionar muito e transmitimos aos nossos filhos, ensinando-lhes «o telemóvel pode tocar na sala de aula, qual é o problema?».
Durante anos não ouvimos falar de amigas a cujos casamentos fomos (e oferecemos coisas caras que nos custaram a comprar porque elas – ou os pais delas – nos pagaram os lugares, refeições e bebedeiras de um Sábado ou Domingo de casamento), mas repentinamente, qual teste de fertilidade e mensagem tipo amiga Olga «Uau, estou aqui e sou fértil!» enviam-nos mensagens do tipo «Nasceu o Diogo, tem 3,450 Kg e é o bebé mais lindo do mundo! Os pais estão muito felizes e babados». Óbvio que ninguém iria enviar mensagem a dizer «Nasceu o Diogo, parece um rato, pesa o mesmo que um pacote de açúcar. Não gostámos nada da experiência, sobretudo a mãe, que está toda rota e cheia de hemorróidas, tornando a vida sexual impraticável num período de seis a dez meses, consoante haja ou não depressão pós-parto». Até nos poderia interessar ter nascido o dito Diogo, Manuel, André, Filipa, Andreia ou outro qualquer ser que não fosse hermafrodita e pudesse ter nome de um só sexo, se a mãe ou pai fossem nossos amigos de casa como eram antigamente, antes de avançarem para casamentos dispendiosos e fúteis que nos obrigaram a gastar gasolina, paciência e muito dinheiro.
No «Sexo e a Cidade» há um episódio magnânime em que Carrie, farta de enviar dinheiro e presentes aos filhos de uma amiga, lhe escreve uma carta, pedindo que aquela lhe pague os sapatos que lhe tinham roubado numa das festas lá por casa. Na carta especifica bem que sempre fora simpática e altruísta, comprando presentes para «sobrinhos» fictícios com quem nunca convivera.
A vida tem destas coisas. É certo que nem todos fazem «isto» por mal, mas como é que as pessoas não se sentem estúpidas enviando mensagens a quase-amigos ou quase-conhecidos sobre as coisas fantásticas que lhes acontecem sem perguntar «está tudo bem contigo?». Acho que é óbvio que isso não interessa. Temos tempo para falar e contar coisas boas, mas jamais para ouvir os outros ou lhes dizermos «queres vir falar comigo sobre isso?». A mudança dos tempos foi terrível. Deixámos de ter «a» noção das coisas. O telemóvel parece um vírus que espalha egoísmo e futilidade. Ainda há pessoas que se devem lamentar «tive um filho, contei a toda a gente, e ninguém me diz nada?».
Acho curioso como este anúncio gratuito de fertilidade constitui para as pessoas uma espécie de ritual de passagem sem efeito. Tiveram filhos…e? Quem não tem filhos é olhado pela sociedade como um monstro, principalmente se for mulher: ai que porca, meteu a carreira em primeiro lugar, ai não tem homem, só pode, ai, é infértil, se não é ela é o marido. As pessoas sem filhos são olhadas como bizarras, tristes, macambúzias e admiradoras do Diabo, só porque têm o jogo do Monopólio inteiro e podem jogar sem os filhos comerem as peças. É verdade que o contrário pode acontecer: pessoas sem filhos olharem as outras de lado, por exemplo, não as convidando para sua casa porque os filhos são barulhentos e sujam a casa (ver o episódio do «Sexo e a Cidade» em que a Charlotte pensa ter filhos e convida um casal com filhos a jantar em sua casa). A discriminação acontece de parte a parte. Exceptuando os tios, que como tios têm de ter a casa preparada para sobrinhos, a mistura entre casais com e sem filhos é por vezes complicada.
Depois há cenas de vida familiar dispensáveis, como vídeos caseiros natalícios mandados a amigos sem filhos de quem nunca queremos saber. Uma pessoa sem filhos não sabe o que é a vida familiar com filhos, e às vezes não quer saber, para quê massacrá-la com bebés gordos e feios ao colo dos pais? O «nós estamos bem», o «nós estamos bué felizes» o «nós somos família, anda cá que apanhas porque não sabes o que isso é» nem sempre cola ou é importante para os outros. Provavelmente se mandarmos o vídeo aos avós ou aos tios irá funcionar e cair bem. Mas a quase-amigos não. Não mandem, a sério.

2 Comments:

At 4:15 AM, Blogger Brisa said...

Oh... eu prometo que o Serginho não te volta a partir mais nenhum suporte de incenso! :) Mas acho que tens toda a razão. É triste pensar-se que somos mais alguma coisa que os outros só porque temos filhos, apesar de ser uma experiência que nos traz uma perspectiva totalmente diferente do mundo e do Eu. Que dor de cotovelo a minha, quando sei que passas a manhã na cama ao fim-de-semana, vais ao cinema quando queres e jantar ou almoçar fora é um exrcício de total liberdade! Mas a vida é assim mesmo: em qualquer das suas vertentes encontramos sempre coisas positivas!

 
At 5:31 AM, Blogger fercris77 said...

Ah, isto há pais e pais, e eu sei que nem todos têm visão egocêntrica da vida, para além de que compreendo o quanto um filho pode absorver a atenção. Já sabes que eu me referia a pessoas cujo narcisismo parece ser o ponto forte. Mas no caso dessas, nem precisam de ter filhos para dizerem «eu estou aqui!».

O Serginho partiu o suporte de incenso e eu parti o vosso lindo suporte galináceo de rolo de cozinha, e já não vou para nova.

 

Post a Comment

<< Home