Monday, April 02, 2007

Os bebés

O meu sobrinho é ainda muito pequeno, tem pouco mais de um ano. Portanto, não sabe bem quem é a tia, ainda não tem discernimento para saber qual é o carácter da tia. Por isso é tão bom lidar com ele, porque ele trata as pessoas consoante o que vê, sem qualquer implicação de maior ou maldade. É natural que os pais estejam na sua lista de eleição em primeiro lugar, visto que precisa mais deles, brinca mais com eles, são eles que o ajudam a vestir, calçar, tomar banho, ser gente pequenina. A tia não. A tia, esta tia, é mais para as brincadeiras, assiste ao seu crescimento apenas, participa devagarinho, embora quando o bebé fica longe uns tempinhos, pareça um adulto no encontro seguinte. Há sempre uma novidade, seja na quantidade de baba produzida (que geralmente representa mais um dente a nascer), seja naquilo que come (e consequentemente, a mudança da cor daquilo que caga), seja no tamanho dos sapatos, uma palavra, um novo andar.

Não escondo que nunca fui muito de crianças. Não vou com a cara delas, desculpem a sinceridade. São porcas, malcriadas, brincam com o que não devem, mexem em tudo o que é perigoso e abusam muito dos adultos. Na verdade, depende muito da educação que lhes é dada. A minha avó tem o lema que a criança pode e deve fazer tudo porque é criança, mas qualquer pai ou mãe (ou professor) que se preze sabe que não pode ser assim. Têm de existir regras definidas à partida como «certas», e têm de se afastar daquilo que é errado. Esta tarefa nunca acaba. Mãe é sempre mãe, mesmo que venda um filho, dê para adopção. No caso de o pôr no lixo, largado à sua sorte, já tenho dúvidas que seja mãe, porque não é bem um ser humano. Um ser humano não faz isso a outro completamente indefeso, isso representa não dar nem uma chance ao recém-nascido. Por sorte, imensos são apanhados a tempo e criados por quem os ama.

Num programa da Oprah, ela mostrou o caso de uma mulher cujo passado era desconhecido. Tinha sido adoptada após uma enfermeira a ter descoberto num carro abandonado. Era incrível, a história. Numa noite de Inverno gélida, cheia de neve, ali estava a bebé num carro todo partido. Evidentemente quem faz isto pouco valor dá à vida. Não vale dizer que «estava drogada», há muitos drogados que largam a droga exactamente por terem descoberto uma razão para existirem: os filhos. Fala-vos uma mulher totalmente despreparada para ser mãe, ou quiçá preparada, mas sem saber. Dantes os filhos vinham tão cedo, e as mães sabiam cuidar deles com primor na mesma. Não posso mesmo acreditar que mulheres e homens sejam iguais nesta tarefa. Pode ser que haja homens que sejam honrosas excepções, mas não acredito que eles de repente comecem a ser pais como nós começamos a ser mães. No fundo, estamos sempre preparadas, mesmo quando não sabemos, o que é a menstruação senão isto mesmo, a lembrança de que, naquele mês «é que podia ter sido e não foi».

Um bebé é um ser incrível. Baba-se, é muito porco, não tem maneiras à mesa, estragando e partindo tudo com um à vontade que mete nojo. Um bebé não quer saber da etiqueta, chora onde lhe apetece, caga quando lhe apetece, quer mimo quando estamos distraídos ou ocupados. Mas por isso mesmo um bebé é tão precioso: somos nós sem a ganga social que deprime, oprime e chateia tanto em alguns dias. Poucos de nós farão birra quando têm sono ou fome, mas ficamos irritados, com vontade de dar um murro em alguém. Não rebolamos no chão, não fazemos fitas, mas isso é porque não podemos. Até faríamos, em certos dias, mas «parecia mal». Para um bebé nada parece mal…para nossa completa vergonha.

Quando os bebés fazem certas coisas que os adultos também fazem têm muito mais graça: um sorriso de um bebé vale mil palavras de um adulto (sobretudo se for parvo). Nos filmes «Look who’s talking!», «Olha quem fala», ouvíamos os pensamentos do bebé na voz do Bruce Willis, e eram os de um adulto que faz stand-up comedy. Não tem nada a ver com um bebé…um bebé é simpático porque lhe interessa ganhar alguma coisa, porque provoca uma reacção positiva no adulto (como outro sorriso) ou porque lhe pegam ao colo. Há uma teoria que diz que os bebés detectam as pessoas bonitas, graças à simetria do rosto, mas tenho as minhas dúvidas, se não poucas avós teriam direito a algum sorriso.

Quando o meu sobrinho começou a sorrir para mim, e nessa altura já sorria aos pais, foi uma emoção sem par. O meu coração iluminou-se, lamento a lamechice, e eu pensei cá para mim, muito convencida «Agora eu sou uma pessoa importante! Alguém que mal me conhece sorriu-me ternamente e estendeu-me uma mão pequena e sapuda!». No outro blogue que eu tinha, fartei-me de dizer isto, um bebé é um conquistador nato. Nasceu para vencer, está-lhe na massa do sangue. Ninguém se meta com ele. Agora que o Sérgio está mais esperto, está também mais chato. Quer os fios, as tomadas, as jarras de vidro, as maçãs, os dvd’s, os sacos de plástico, as teclas do computador, os comandos todos, em suma, tudo o que não pode ter, porque um bebé corre sempre riscos: o de se afogar, de se aleijar, de partir, de sufocar, de cair.

Apesar de não saber o que é wrestling, o meu irmão atira-o às almofadas, simulando uma luta feroz. Ele acha graça, não porque queira lutar, mas porque cair nas almofadas lhe dá alegria e prazer. Ainda se desdobra todo e chega aos pés, fazendo coisas que só a Madonna faz depois de anos de prática de yoga. Atira coisas ao chão com violência e ganas de as ver partirem-se em estilhaços.

No dia em que o Sérgio foi a minha casa, ela tomou novas feições, uma decoração ultra-fashion, de maçãs espalhadas pelo chão e bocados de pão de todos os tamanhos agarrados, literalmente, ao tapete e depois às solas dos nossos sapatos. Depois de termos estado uma tarde na limpeza da casa, mais uma vez para «parecer bem» aos nossos convidados, percebemos o seguinte: o Sérgio não quer saber, onde ele está é onde brinca, e consequentemente suja com as suas mãozinhas sempre cheias de qualquer coisa gordurosa e peganhenta. Também se ri de maldades puras, como puxar o cabelo à mãe, agarrar-se às pernas do pai, atirar os óculos da tia ao chão ou puxar a barba ao tio. Tudo tem graça, mesmo que a nossa expressão seja de dor e de sacrifício. Um bebé é um explorador nato. Se está ali alguma coisa, então é para mexer, conhecer, arrancar, partir.

Debaixo de qualquer mesa o Serginho é um coitadinho atormentado, perde todo o seu poder e auto-controlo. Fica preso, chora, bate com a cabeça mais de quinhentas vezes nos tampos da mesa, e quando consegue sair ou quando o puxam, volta a fazer o mesmo vezes sem conta. Depois faz o mesmo debaixo das cadeiras.

Outra brincadeira é o esconde-esconde. Porque raio os bebés gostam tanto de apanhar sustos, mesmo que fingidos? Esconder atrás do sofá, da mesa, do candeeiro, da porta, tudo é de uma diversão sem par para ele. Parece ver as nossas caras com prazer, sorrindo calorosamente. Um bebé pode ser chato porque exige uma hiper-vigilância 24 horas por dia, sem podermos respirar fora da existência dele durante muito tempo, só que quando estamos com ele revela novos mundos ao mundo, ou se calhar mundos dos quais já estaríamos esquecidos há muito. O mundo dos sentidos, da vida, da espontaneidade, da falta de lógica racional, da tentativa de descoberta à maneira de cada um e não «à maneira dos outros». Um bebé não é um ser autónomo, sozinho morria, mas é o fulcro, o âmago, o centro de todos nós, o começo do que somos hoje. Um bebé recorda-nos a nossa trajectória e história de vida, se calhar por isso gostamos tanto deles. Somos nós, menos a nossa mania de ter defeitos e virtudes e de sermos socialmente aceites. Já viram algum bebé a tentar ser socialmente correcto e aceite pelos outros bebés? Só no anúncio das fraldas…

Tenho saudades dessa espontaneidade nas pessoas, do genuíno, do puro, do sorrir só porque sim, porque apetece, sem medo de se ser julgado e atraiçoado logo de seguida com comentários infelizes. Não podemos dar cabo da auto-estima de um bebé, pelo menos até certa idade, porque ele só faz o que lhe apetece. É evidente que é condicionado, pode ter razões e saber bem por onde está a puxar. Mas se dissermos a um bebé «és estúpido!» ele tanto pode arrotar como rir. As pessoas adultas têm sempre implicações no que fazem e no que dizem, têm consequências, têm – supostamente – consciência. E isso dói. Um bebé também nos recorda como ficar sozinho e não ser abraçado pode trazer infelicidade. Recorda-nos o desamparo pelo qual tivemos de passar, pelos vistos recalcado e fruto de todos os nossos problemas. Sem dúvida que, vistas as coisas deste modo, um bebé tem imenso poder sobre nós.

3 Comments:

At 8:20 AM, Blogger Brisa said...

O que dizes vem reforçar a ideia de que um filho não é pra ser visto como uma "coisa" nossa: é um exercício de autoconhecimento, de paciência e de aprendizagem do que é o outro. Mais do que o prazer de o amar, é sentir como passamos a ver a vida com outros olhos.

 
At 1:28 PM, Blogger XaninhA said...

Bem, ainda no outro dia falávamos de bebés ao almoço, sentadas naquele mítico jardim em frente à materniodade Alfredo da Costa, que em breve deve vir a ser transformado em Júlio de Matos (don't ask...).

Eu quero ter bebés. Um dia. Num prazo de 5 anos. Ok, eu digo isto, mas não é para levar à letra, não é uma questão de matemática (talvez se parecesse mais com um problema...).

"Quem tem filhos tem cadilhos". Mas também não exageremos. Não são só os "cadilhos", há que lhes juntar as alegrias das pequenas coisas, como os sorrisos que são só para nós e nos tornam (muito) importantes.

Eu penso que termos filhos é investirmos em nós mesmos. Nas nossas capacidades, na nossa paciência e, sobretudo, no nosso amor. É preciso coragem e perseverança (vontade também, mas às vezes a vontade também pode ser capricho e isso já é um assunto mais delicado).

Quero ter filhos, mas acho que ainda não. Ainda não estou preparada para cuidar. Que o digam os narcisos que comprei no sábado passado e que já murcharam...

As crianças, como tu dizes, choram e são ranhosas, mas eu prefiro acabar este comentário com os sorrisos :)*

 
At 2:39 PM, Blogger fercris77 said...

Querida Xaninha, como na minha vida todos os projectos que eu fixei num tempo determinado falharam, eu desisti de fazer projectos a longo prazo, deixo-me ir, tento fluir, acho que sou mais feliz assim. Para mim, assim que acabasse o curso saía de casa (não aconteceu), arranjava emprego (não aconteceu), vivia sozinha (não aconteceu)e não com o meu pai e avó, não tinha de me preocupar com sogros nem cunhadas-megeras (não aconteceu). Quase com 30 anos, podia dizer que estou frustrada, mas até nem estou. Porque nunca esperei ser tia antes dessa idade e fui, nem casar-me, e casei, nem ir em trabalho ao Vaticano e fui. Portanto, a vida é mesmo assim... Faz projectos, mas sê flexível!
Quanto aos bebés, tens toda a razão, porque quem os tem como fazendo parte de um projecto narcisista ou os põe nos braços dos avós e amas ou se lixa! Um bebé exige altruísmo máximo, mas uma boa estrutura pessoal.

 

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