Monday, March 26, 2007

As carreiras

Não, não falo de autocarros da Carris. Falo de vida profissional. É um campo no qual a batalha é dura para muitas, mas desliza como manteiga para outros. As razões são duas: uma é a sorte, a outra é o campo no qual nos profissionalizámos. Se estamos numa área empresarial, virada para as novas tecnologias, os telemóveis, computadores e toda a nova geração de empregos, então é provável que, pelo menos, tenhamos emprego. Não vou dizer ganhar «bem», que é algo muito relativo, mas evidentemente que, abaixo dos 500 euros é para gozar com a cara das pessoas. Infelizmente, conto pelos dedos os anos em que ganhei mais do que isso, porque o comum foi sempre ganhar muito menos.

Gosto muito do meu trabalho. Não posso dizer «emprego». Um emprego é outra coisa, e uma bolsa de investigação é tudo menos emprego. Não tem horários, nem grande segredos, nem descontos, nem licença de maternidade, não tem férias, nem 13º mês. Mas na verdade eu teria muita dificuldade em fazer em alguns empregos que têm tudo isto que acabei de citar. Acho que concluo sempre que, para pessoas de Letras e de outras áreas críticas, o problema vai ser sempre o mesmo: faço o que gosto e não tenho carreira ou tenho uma carreira estúpida a fazer o que os outros fazem? Felizmente, já vou conhecendo casos de pessoas que deram a volta à situação, e conseguem fazer o que gostam e pagar a renda de casa com essa actividade, seja ensino, formação, investigação, edição de texto. Estou certa que qualquer um dos meus colegas de curso prefere isso a atender telefones. Todavia, muitos atendem telefones. Não podem ficar à espera «da» oportunidade de ouro. Eu fiquei e sou franca que toda a minha situação profissional me preocupa. Por muito que adore o que faço, o que farei no futuro? Ninguém é eternamente bolseiro e em Portugal não há muitas estruturas ligadas à investigação, exceptuando as das áreas científicas, mesmo assim mal financiadas.

A profissão que se exerce tem dois lados: a auto-estima, que é o gosto pessoal pelo que se faz, e a empregabilidade. É muito complicado quando as duas estão em desvantagem. Por exemplo no ensino. Já ninguém tem paciência para ser professor de alunos que mereciam ser electrocutados, para além da carreira docente ser uma palhaçada. Há muito de social num emprego, também. Como é que é visto? Em geral, um investigador é um preguiçoso que estuda coisas inúteis, um professor é alguém que passará por humilhações e esgotamentos, que incluem ofensas verbais e corporais. Um polícia é um palerma que não serve para nada. Um advogado é um mentiroso. Um psicólogo é um manipulador. Ideias preconceituosas perseguem quase todas as profissões, sem nunca esquecermos que dentro das profissões, sejam elas quais forem, há profissionais muito bons, de se tirar o chapéu e fazer uma vénia. Estou, no entanto, muito cansada de ouvir a pergunta mais velha do mundo: “ Para que é que serve? “ ou a recomendação “ Arranja um emprego a sério “. Dantes eram os artistas que ouviam isto. Hoje, muita gente sabe que bailado, pintura, escrita, teatro, cinema, televisão são actividades sérias, tão sérias como quaisquer outras. Apesar disso, as pessoas parecem colocar numa prateleira tudo aquilo que diga respeito a artes, cultura, literatura, história, as ditas ciências humanas e sociais. Pelo menos as saídas profissionais são restritas, tão restritas quanto aquilo que a sociedade determina.

Cada vez mais a palavra «carreira» é subjectiva. Há pessoas que fizeram de tudo um pouco na vida e foram desembocar numa profissão qualquer quase por acaso. Há outras que tiveram objectivos definidos à partida, e ou estabilizaram, assentando arraiais num local de emprego, ou se movem, dinamicamente. E finalmente aquelas que falharam em todos os recantos profissionais e têm de se safar o melhor que podem. É evidente que me custa pensar em estar a vida inteira a fazer o que não gosto ou a trabalhar em condições miseráveis (que não é o caso, no presente momento da minha vida). Quando isso me aconteceu, eu só pensava em fugir dali e no tempo que estava a perder com o que não gostava. Infelizmente, muitas vezes muitos de nós temos de passar por isso para chegar a bom porto.

2 Comments:

At 6:30 AM, Blogger Brisa said...

Infelizmente, nem todos podemos estar tão felizes como tu com o teu trabalho. É muito certa essa questão sobre o fazer o que nos dá gosto, e defendo que devemos agarrar-nos com unhas e dentes aos nossos sonhos (os razoáveis, pelo menos!). No entanto, há casos em que é importante percebermos quando devemos parar de lutar e escolher outro caminho. É um momento de honestidade perante aquilo que constitui a realidade de cada um. Nem sempre se consegue ganhar em todas as frentes. Por isso, pessoas lutadoras como tu reforçam os meus ideais.

 
At 2:57 PM, Blogger fercris77 said...

Acho que tens muita razão, e eu também entendo isso. Conheço casos que me espantam, como o do Eduardo, que é bolseiro há 14 anos, o que é muito arriscado para quem tem três filhas pequenas, mas é determinado e seguro de si. Encontrou o caminho dele, à medida que ele quer. Trabalha dia e noite e desbrava caminhos. Agora ele, como todos nós, temos de medir os riscos. Muitas das vezes fazemos as coisas porque podemos, de facto, porque temos ajuda de alguém no momento exacto em que precisávamos.
Passei por milhares de momentos de limbo (e ainda passo): o que faço agora??, mas tenho tentado superar isso.
Também acho como tu que não se vence em todas as frentes, pelo menos a grande maioria de nós. Na frente da assertividade ainda me sinto uma derrotada...

 

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