Thursday, March 08, 2007

No mundo da ilusão

Nunca gostei de ilusionistas, eles que me desculpem a franqueza. Gosto das varinhas mágicas onde elas sempre devem estar: nas mãos das fadas ou na cozinha, para fazer sopa e bater a mousse. Gosto de fadas porque não existem, mas são muito bonitas, dóceis, ternas e boas. Se a minha vida me tivesse corrido bem, era assim que eu era. Nem anjo nem diabo: uma fada bem bonita, de cabelos longos e ondulados, de asas transparentes. Uma fada é uma bruxa que se dedica a magia branca (deve ser, nunca conheci nenhuma fada e bruxas só aquelas mais comuns e vulgares).

A vida puxou-me para o realismo, ou eu deixei-me puxar para esse lado mais negro. Olho de frente ou de lado, de soslaio, e simplesmente vejo. Não me perguntem porquê. Mas vejo caras deslavadas, gente «mal pronta» (expressão da minha avó, que vinha sempre lado a lado com o «parece mal andar assim»), tristeza, emoções diversas, auras, más energias. Andar de transportes torna-se a minha actividade favorita, olhando, vendo, percebendo, estudando, analisando as coisas e as pessoas mais diversas. Acho que tive sempre esta capacidade, mas na verdade nunca explorei e nunca a bloqueei (nem sei fazê-lo). Há energias que me perturbam ao ponto de me tirarem o sono e me fazerem adoecer, são extremamente negativas e dominadoras. Algumas não são nada concretas. Muitas vezes, no autocarro, consigo perceber que as pessoas são estúpidas mesmo antes de elas abrirem a boca. Outras vezes consigo perceber que são infelizes, mesmo muito. Outras vezes consigo perceber que não gostam do que fazem. Outras vezes que aparentam o que não são e mascaram-se de outra coisa. Se me perguntarem se eu gosto desta capacidade, não sei responder. Nunca me imaginei sem ela, porque em miúda sabia quais eram os amigos dos meus pais que não eram amigos deles e estavam a ser hipócritas – não é comum descobrir isto quando se é criança e nos dão doces.

O meu pai tinha um amigo cuja energia era completamente diferente do que alguma vez vi numa pessoa. Mais tarde o meu pai disse-me que o amigo tinha estudado para padre, mas desistido, e que se dedicava às artes ocultas. Aquilo assustou-me: aquela pessoa calma e harmoniosa tinha um íman grande, um poder atractivo e uma confluência de energias enorme. Era uma espécie de médium. Talvez eu possa nem sequer acreditar em bruxaria, mas em energia sou obrigada a acreditar, visto que experiencio todos os dias uma partilha energética com algumas pessoas que se cruzam comigo. Algumas afectam-me e ficam comigo todo o dia. No outro dia um homem no autocarro assustou-me com um simples olhar. Virou-se para trás e olhou para mim. Bastou uma vez para eu perceber que ele tinha algo de errado. A mim parecia-me que ele tinha roubado alguém. Não era boa pessoa. Como é que eu sei isto? Boa pergunta.

Quando, casualmente, dou de caras com este tipo de energia e a pessoa fica perto de mim ou da minha vida, isso incomoda-me muito. Há pessoas com auras frias, tipo metálicas, como se tivéssemos chocado com um objecto de ferro. Não parecem sofrer, têm o sofrimento bloqueado, mas são agressivas, competitivas, manipuladores. Sei hoje, depois de algumas leituras, que faço parte dos 10% que se apercebem, em cinco minutos, de que alguém é manipulador. Regra geral essas pessoas são simpáticas, mas algumas delas nem se chegam a mim nem me toleram, como se eu as repelisse. A todos nós já aconteceu isto, certamente, embora não demos importância de maior ao caso. É mais grave quando isso nos afecta ao ponto de já não conseguirmos falar, sorrir ou conviver com essa pessoa. Há, no entanto, pessoas que não me afectam minimamente, nem para o bem nem para o mal. As pessoas que nos afectam têm algum controlo sobre nós, de algum modo conseguem incomodar-nos, seja com uma atitude antitética aos nossos valores, seja como uma atitude manipuladora do nosso carácter. Existe a chamada contra-manipulação, que eu nunca consigo fazer mas que é bastante inteligente, que consiste em fazer o «inimigo» pensar que concordamos com ele e até simpatizamos, mas gozando com a sua cara desalmadamente. Nem todas as pessoas são «gozáveis», mas a grande maioria dos manipuladores são suficientemente narcisistas para pensar «epá, tenho qualidades para dar e vender!». Deste modo, todos estamos em sintonia no tal mundo da ilusão, em que nos fazemos passar pelo que não somos aceitando o que os outros não são, mas fingem que são. Vivemos contentes e felizes na mentira que criámos. Parabéns a todos os ilusionistas que subiram na vida à custa dos outros. Dá trabalho, mas compensa.

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