Os manipuladores – parte II
À medida que o tempo passa, mais me vou surpreendendo com o comportamento humano. Conheço pouco os estudos de psicologia e de psiquiatria, mas há coisas que, vistas à lupa e depois a uma certa distância, fazem todo o sentido. Têm um padrão, uma escala, aquilo «bate certo» ou «encaixa», como por vezes dizemos. Lidei toda a vida com manipuladores da pior espécie: os chantagistas emocionais. A minha avó chorava baba e ranho se eu não comesse o lanche quando ela achava que eu tinha fome, era mesmo capaz de fingir um ataque cardíaco. Acho que, na minha vida e até bem mais à frente, todos os meus dias foram uma grande desgraça.
Cheguei a uma certa idade em que desisti de muitas coisas, mas, por motivos que desconheço, não desisti nunca de combater as pessoas manipulativas. Mas devia. Devia, em primeiro lugar, porque lutar contra elas é lutar contra todas as pessoas que não percebem que estão a ser manipuladas, e ao fim ao cabo é dar pontos ao manipulador, que logo se fará de vítima e se queixará que não merecia aquilo, que a louca sou eu. Na realidade, sempre que os ambientes são de manipulação, eu afasto-me, caso possa, mas raramente consigo fingir que não vejo ou que não quero ver, porque me é duro, na pele, o processo manipulativo contra o qual combati toda a vida, às vezes com muito insucesso e mesmo depressão. Sempre que eu tinha qualquer boa nota pedia por favor à minha avó que fosse eu a contar aos meus pais. Mas raramente consegui esse intento, ou porque ela lhes ligava a dizer, ou porque ligava e queria que eu dissesse o que ela queria, ou porque simplesmente estava com eles e lhes dizia. Isto tudo apesar de me jurar a pés juntos que não o iria fazer. Depois, dizia o que sempre disse toda a vida «fiz para teu bem» ou «não foi por mal». Para além de criar distância, esta atitude criou em mim um certo ódio ao manipulador, e sempre que vejo um projecto nele todo o sofrimento que me acompanhou a vida inteira: porque é que eu nunca consigo ser eu ao pé de um manipulador? Porque não posso. Se fosse eu mesma, era esmagada, e digo-o por experiência, porque isso já me aconteceu inúmeras vezes.
Depois é terrível viver num ambiente que ignora o manipulador, o desculpa, ou simplesmente se submete a atitudes de verdadeira chantagem, verdadeiramente impositivas e moldadoras do nosso comportamento. Certamente que no trabalho é importante estarmos atentos a isto, porque senão há muita coisa em causa e, muitas vezes, em vez da nossa competência ser valorizada, é o manipulador que ganha trunfos e disfarça a sua incompetência. Aliás, essa é a maior manobra de todos os tempos: um manipulador faz dos seus defeitos trunfos e das suas qualidades verdadeiros diamantes. Verdade seja dita: quantos destes seres são verdadeiramente brilhantes? Quase nenhum, escassos serão os casos de brilhantismo em pessoas destas. Para além disso, de onde vem esse brilho, senão de um carisma largamente trabalhado e, acima de tudo, de se encostarem aos outros, à sua fragilidade, ou mesmo falta de auto-estima?
Eu acho que a maior parte das pessoas se está completamente a cagar para manipuladores, por um lado porque não os vêem, por outro porque nem os querem ver. Qual é a vantagem de sermos presenteados com visão raios-x em relação a estas pessoas? Protegermo-nos quanto antes, talvez. Mas mais que isso, não. Não vale a pena tentar proteger quem não vê nem nunca verá o mal deste tipo de comportamento.
Outra coisa que aprendi à minha custa é que um manipulador sabe muito bem o que faz e aplica a manipulação a tudo. Haverá com certeza poucos casos de manipuladores no trabalho que não o sejam em casa, com o marido, mulher e com os filhos. Há certos manipuladores que são chapa 4: aquilo que estão a fazer à nossa frente, fazem em todo o lado, e só uma pequena maioria de pessoas vai descobrir isso. Nunca percebi como é que este tipo de pessoas tem vida emocional, mas, e em seu próprio benefício, há-de com certeza importar-se pouco com a vida emocional dos outros. Creio que seria um empecilho na vida de qualquer manipulador sentir algum tipo de compaixão pelas vítimas. No fundo, o processo é contrário: eles começam logo por se fazer de vítimas, de pessoas sensíveis em todos os campos, cheias de bondade. Por vezes provam e dão demonstrações (aparentemente) claras disso. Na verdade, sempre achei que um manipulador não quer saber quem é a outra pessoa no verdadeiro sentido da palavra, nem de que tratam os sentimentos dessa pessoa. Esse conhecimento impediria o seu trabalho de fundo. E este é o meu grande problema com os manipuladores, porque, para além de eu (tentar) não fazer isso às outras pessoas, procuro que ninguém faça de mim o que lhe apetece. Afinal, porque carga de água deveríamos ser joguetes nas mãos das outras pessoas?
Sempre achei que tinha na vida uma postura sincera, discreta, muito sossegada. Mas a minha vida é exactamente o contrário disto. Pareço estar sempre em alerta, a defender o meu território e, em última instância, a ter de lutar contra tudo e todos. Uma postura mais budista far-me-ia bem. Do género «emana paz e a paz virá a ti», mas por razões que desconheço nunca me acontece isso (talvez não faça as coisas como deveria fazer). Mesmo quando estou mais calma, armo-me para a guerra. Sinto que quando baixo a guarda sou imediatamente ferida. E acho que sempre foi assim, porque sempre vivi com manipuladores. Um manipulador leva-nos aonde ele quer ir, como ele quer, mesmo que isso nada tenha que ver com aquilo que somos, enquanto pessoas. Digamos que fazemos um desvio razoavelmente grande, uma inflexão do caminho do eu. Isso dá-se por variadas razões: falta de experiência e de referências exteriores (e interiores), falta de metas próprias, falta de auto-estima e até doença. Tudo o que somos é sugado pelo manipulador, mas, acima de tudo, é sugado o que não somos e queremos ser. Pelas leis da psicologia, isto só deveria acontecer durante a adolescência, quando nos «vendemos» a um grupo de tipos e tipas que nada têm que ver connosco só pela imagem que transmitimos. Lá andamos de betos para punks e de punks para metálicos e de metálicos para freaks. Gostamos de ser apelidados de «esquisitos». É bom, é rebelde, é fixe. Conquistamos mais garinas ou mais gajos nos caem aos pés. Na faculdade isto ainda cola, mas passado algum tempo descobrimos uma coisa: é altura de sermos nós próprios. Se esta altura nunca chegar, aos trinta anos estamos a comportarmo-nos como garotos.
Um manipulador aproveita-se muito da insegurança das pessoas e faz dela o mote principal da sua vida: «é agora que eu entro», tal como o lobo que sopra as casas fracas dos porquinhos mais parvos, que as construíram de palha para se despacharem mais cedo e irem dançar no mato. As pessoas são muito assim em relação a si próprias: constroem em si mesmas uma casa de palha que se assemelha a uma casa de verdade mas que, ao primeiro sopro, voa. Com a primeira aproximação do lobo, iludimo-nos que temos uma casa segura, todavia, não é. Uma casa ou está sobre estacas duras ou vai ruir ao primeiro abalo. Os manipuladores sabem isto, e por isso mesmo muitos deles são os nossos pais, avós, irmãos, porque desde pequenos nos criam a imagem, absolutamente falsa, que ou somos como eles ou não valemos nada. E nós optamos, regra geral, por uma casa segura, por isso preferimos ser como eles a não valer nada. Eu preferi «não valer nada» durante uns tempos e construir a minha própria casa, o que me parece o normal, mas que sempre é apelidado pelos outros de rebeldia, mau feitio. Como diria a minha avó «tu até és boazinha, tens é nervos». Que é como quem diz «lá no fundo és igual a mim, não tens opção». Retirarem-nos opções é uma forma de manipulação tremenda, até porque se formos novos não damos por ela. Surpreendemo-nos por chegarmos a uma idade a pensar «e agora? Quem sou eu?».
Retiraram-nos a opção de sequer pensarmos sobre nós. Toda a vida ouvi «tens mau feitio», isso é o mesmo que me dizerem «a culpa é todo tua de te relacionares mal com os outros». E isso será verdade? Se olharmos bem para os outros, quem são eles? Têm defeitos como nós, certamente também serão irritados, uma vez ou outra, pelas nossas atitudes. Parece-me que há uma certa igualdade de circunstâncias entre nós e o mundo dos outros. Porque é que «nós» somos os culpados e os outros não? Parece-me tão infundado terem-me dito isso, como se eu fosse obrigada a moldar-me aos outros, mas os outros não tivessem de fazer esforço em direcção a mim. E sabem que mais? Infelizmente embato nos outros por isto mesmo: por não ser como eles, nem agir como eles, nem ceder ao mesmo que eles. É a vida.
5 Comments:
Genial.!!!
..Estou totalmente de acordo.Por uma vez alguien expressa aquilo q sinto e q é mesmo assim...Obrigado
Perfeito.
Conseguiu expressar como me sinto...
Perfeito.
Conseguiu expressar como me sinto...
Muito foda isso... me sinto sugado tbm... no momento tenho me sentido assim... tem certas pessoas q vivem dizendo que temos tudo a ver com ela e no fundo estamos sendo sugados sem receber nada em troca... e o pior de tudo é sentir-se aprisionado no outro, querendo se desvincular sem conseguir... uma merda... me sinto assim... a pessoa diz "sim"... 5 minutos depois diz "não"... aí tu pergunta "mas tu tinha dito que sim"... e ela com seu sinismo responde "eu?"... desculpa o desabafo, mas "VAITOMAR@#$)(*@#)($*" AHEUaHEUAH ! Muito bom o post
Bravo!!!!
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