A manipulação
Sempre considerei estranho haver pessoas no mundo cuja sorte consiste no pior delas mesmas. Quer dizer, pessoas cujo sucesso depende inteiramente da uma só coisa: manipular os outros. Independentemente de as pessoas serem bonitas, inteligentes, espertas, parvas, cultas ou não. Um manipulador pode ser isto tudo, mas também pode não ser nada disto. Pode estar simplesmente misturado entre todos nós e aparentar ser a pessoa com quem mais nos irritamos neste universo. Parece que essa irritação, esse confronto, essa chama acesa, essa energia contrária tem uma explicação possível: alguém nos está a tentar manipular, ou, alguém está a manipular os nossos colegas, amigos, irmãos, pais, e por isso afecta-nos também.
Há manipulações que nos afectam a todos e não damos conta delas se não forem denunciadas. A manipulação política. A manipulação dos media. A manipulação dos superiores hierárquicos. Se calhar sabemos e não podemos mudar isso. Então o que é preciso para manipularmos os outros? A resposta é simples. Poder. Mesmo que não sejamos bonitos, nem charmosos, nem tenhamos um chavo no bolso. É o que faz a personagem masculina principal do filme do Woody Allen «Match Point». Não tem cheta, mas casa com uma bela rapariga rica, mantém uma amante pobre, e leva essa vida dupla até chegar à conclusão que tem de anular uma das partes, não vou dizer qual para não vos estragar a surpresa, mas como devem calcular, anula o que já não lhe serve nem tem utilidade. No caso deste filme, a personagem é um psicopata. Mas muitas pessoas não são e até tiveram uma educação generosa, rodeadas de calor humano, por isso nem se entende bem porque é que só sobrevivem manipulando os outros.
Segundo o livro «Os manipuladores estão entre nós», um manipulador só sobrevive a longo prazo por uma única e simples razão: os outros. Qual ser parasitário, sem a atenção necessária faz por tê-la o mais possível à sua volta. É uma espécie de filho único criado como um reizinho mas que agora se defronta com a célebre questão: “ O que é que eu faço quando a atenção dos meus pais não chega? “. E quando é que isso deixa de chegar? Quando chegamos à vida adulta e entendemos finalmente que, por muito que os pais nos amem, não são tudo na vida. Se queremos percorrer uma estrada dita «normal» arranjamos conhecidos, amigos, namorados. Se queremos percorrer uma estrada doentia, quer seja por escolha própria, quer seja porque não sabemos quais são as alternativas, então escolhemos manipular as pessoas, e criamos falsos conhecidos, falsos amigos, falsos namorados. Isto digo eu, não o livro, mas o livro dá exemplos precisos e preciosos do que é manipular e do que é um manipulador, e eu chego sempre à mesma conclusão: há quem nunca veja isso, nem a bem, nem a mal, nem com a verdade debaixo dos olhos.
Isto faz-me recordar uma amiga minha que trabalhou numa empresa e detestou profundamente: o trabalho, a empresa, as pessoas. Mas de tudo, o que mais detestou foi uma pessoa em particular, de quem ela se queixava frequentemente de a «perseguir», de ser arrogante com ela, de lhe mostrar desprezo, mas todavia ser relativamente simpática com o resto das pessoas. Se formos pessoas pouco problemáticas, como esta minha amiga, não há qualquer razão para isto acontecer, uma vez que, de uma maneira ou de outra, basta um esforço de ambas as partes para as coisas se comporem. O que aqui acontecia é que a minha amiga se apercebia do carácter da outra pessoa com clareza. E quando damos isso a conhecer, por vezes até inadvertidamente, somos atacados. Por outro lado, o carácter da outra pessoa parece encaixar no domínio da manipulação pela simpatia. E quem topa isso leva agressivamente com o contrário, pois representa um empecilho no caminho.
Infelizmente, estas coisas são muito comuns. O livro diz que os manipuladores conscientes são raros, normalmente as pessoas não se apercebem que são manipuladoras, mas eu nego muito essa teoria. A menos que estejamos a falar de um contexto de descompensação afectiva, por vezes de difícil identificação, não podemos saber se as pessoas estão ou não conscientes de serem umas manipuladoras. Mas por vezes temos provas surpreendentes, quando as pessoas perdem as estribeiras connosco. Um manipulador descoberto e visto à lupa é muito perigoso, mas por outro lado, se não for experiente, vai revelar-nos o seu jogo, a sua fúria e os seus piores defeitos. Segundo o mesmo livro, um manipulador é sempre mesquinho, vaidoso, egocêntrico, narcisista e muito invejoso. Todavia, aos olhos dos outros, passa por ser uma pessoa com altas qualificações e normalmente é uma pessoa de sucesso considerável. Estranho, não é? Mas as universidades estão cheias «disto». Por isso sei tão bem do que falo. Sou mestre, caramba!
Raramente consigo uma relação de sucesso com um manipulador. Com este tipo de pessoas, as minhas relações ou falham redondamente, ou são habilmente geridas para terem algum sucesso. Para isso, tenho de saber jogar e, embora eu não seja grande manipuladora, tem de me interessar jogar, tem de haver uma parte que eu diga «sim senhora, dou-te isto, mas vou ter de lucrar alguma coisa». Evidentemente que não falo de relações de amizade ou de amor. Mal de mim se assim fosse. Mas confesso que um manipulador não deve ter essa barreira, esse escrúpulo que eu estou a ter. A frase chave deve ser «se é útil para mim, então vamos em frente», e isso aplica-se a qualquer pessoa. Um manipulador joga fora quem não lhe interessa e trata mal quem o pode desmascarar. O resto faz com facilidade: espalha simpatia por quem lhe é útil, diz-se sincero e franco, fala de si como se fosse o centro do mundo, mas um centro modesto, ok? Está sempre pronto para destruir a auto-estima dos outros por se achar cheio de força, no fundo uma força superficialmente construída sobre os ombros dos outros, à sombra dos outros, à custa dos outros. Da próxima vez que ouvir alguém que mal conhece dizer que é fantástico, questione-se «porque estará a dizer isto? A quem está a dizer isto? Onde o/a leva esta afirmação de si mesmo/a?».
Evidentemente, não se pode ignorar um manipulador. Às vezes levo cinco minutos a descobrir um, mas se for um manipulador hábil e experiente levo muito mais tempo. Alguns dos piores manipuladores que conheci trabalharam comigo, ou melhor, trabalhei para eles (um manipulador serve-se muita vez da sua superioridade hierárquica). Um deles era mentiroso compulsivo. Nessa altura, quando o conheci, parecia-me ser um professor respeitável, mas talvez nunca tenha trabalhado para uma pessoa de tão baixa estirpe e valor humano. Confesso que, apesar disso, achava-o perdido, emocionalmente desequilibrado, mas numa época em que eu também estava assim, aquela pessoa parecia encurralar-me na desonestidade dela. Costumamos dizer «ai se fosse hoje!». Mas eu não digo, porque sei que não vale a pena.
O segundo caso é muito mais grave, do meu ponto de vista. Outra pessoa para quem trabalhei, cuja opacidade enquanto mãe me fez tremer de medo. Enquanto dei explicações ao filho, disléxico, a senhora na sua altivez (estupidez) achou sempre que estava tudo mal, que ela é que conseguia ensiná-lo (embora tivesse provas vivas de que não). Embora reconhecesse a baixa auto-estima do miúdo, tratava de a baixar ainda mais, e a minha também. Foi uma pessoa da qual eu me poderia ter livrado facilmente, mas não consegui, fui ficando até rebentar sobre a minha cabeça um chorrilho de ofensas.
O terceiro caso é recente. Está próximo de mim e só posso ignorar, não posso fugir da pessoa. Se o manipulador pertence ou pode vir a pertencer à família, o caso é complicado, porque temos de nos sentar à mesa com ele, mesmo vendo o que está a fazer, mesmo reconhecendo o jogo dele como «déjà vu». Provoca primeiro uma grande irritação, mas depois, quando cortamos com as palavras dele e lhe retiramos o poder que tinha sobre nós, fica uma grande tristeza: como dizer ao enganado que está a ser enganado? Aqui, o jogo é mais cruel e duro, porque se se joga com sentimentos profundos de alguém, mexe-se em areias movediças que não são da nossa jurisdição. Todavia, se nada se diz, pactuamos com uma hipocrisia que nos custa suportar. E um dia não aguentamos.
Há mais casos. Eu sou uma pessoa de casos, podia ser detective, ou psicóloga criminal. Tenho tendência para puxar para junto de mim loucos e psicopatas, gente descompensada. A Lisa tem razão: deve haver qualquer lição que eu ainda não aprendi e a vida vai-me dando os dados para eu jogar. Mas confesso ser difícil. Todo o jogo que envolva sentimentos é arriscado, para nós e para os outros. Mas também é preciso ver uma coisa: esse é o jogo do manipulador, consegue tudo com arrogância e choraminguice torpe e deslavada. Diz o tal livro que citei que a vida guarda para estas pessoas um percurso de sucesso (à custa do sofrimento dos outros) mas um fim terrível: a solidão. Será mesmo?
5 Comments:
Já me disseram que eu era manipuladora. E sou, confesso. Mas não uma manipuladora cujos fins são mais importantes que os meios. Sim, eu gosto de conseguir o que quero, mas fiz um acordo comigo mesma e por isso não passo por cima de ninguém. Usar, todos usamos e todos somos usados (a bem ou mal, faz parte), mas isso nem me parece o mais preocupante. O pior mesmo é quando os ditos manipuladores nos querem vender as suas ideias. E nós compramo-las. Há que ver que há maipuladores bons e manipuladores maus. Ora bem, felizmente nem todos são bem sucedidos! E, se calhar, se virmos bem, há pessoas que só sabem deixar-se influenciar. Pela tv, pela família, pelos amigos, pelo patrão, por aquelas pessoas que não se conhecem mas que PARECEM tão felizes, por burros, por imbecís, por macacos do jardim zoológico and so on and so on...
E porque se deixam influenciar? Uns por serem estupidamente apaixonados pela burrice, outros por preguiça, e há ainda uns quantos que o fazem sem sequer darem conta disso - não serão burros também?? Whatever... O que importa salientar aqui é que todos somos manipulados em algum ponto da nossa vida (alguns, todos os dias) e o segredo (?) será talvez aprender a lidar com isso, ou seja, a contrapartida! "Sim, sim, manipula-me à vontade, mas eu primeiro vou ver se isso me convém e me deixa dormir de consciência tranquila!" (disse-me um passarinho que tu já o fizeste!) :)*
Amiga, é verdade que todos somos manipuladores, mas nem sempre isso á patológico. Quando dependemos dessa estrutura manipulativa para sermos nós próprios e nos afirmarmos. Atenção a essa distinção.
Não mereces nada o título de pessoa manipulativa, nem eu, acredita!! Tens de ler o livro que recomendo.
Não sei se aprendi a lidar com a manipulação, francamente acho que não e nunca tirei partido disso, continuo muito sincera e essa não é a melhor política em alguma situações. Mas garanto-te que vou aprendendo muito com as más experiências.
Qualquer dia talvez consiga tirar realmente partido das situações a meu favor...
è curioso... estou a passar por uma situação muito semelhante ás descritas em cima... só que trata-se de uma pessoa de familia com quem tenho de conviver várias vezes... é uma pessoa do mais desprezivel que há. Engana tudo e todos com mentiras em cima de mentiras... e creio que eu sou a pessoa que ele maltrata e quer aniquiliar pois sabe que o posso desmascarar. esta situação está a dar comigo em doida, tanto que dou por mim sempre a pensar no mesmo e a ter ideias de vingança...
Pois acredito que sou como a autora do blog, um ímã para manipuladores e psicopatas. A questão é que, não sei se acontece o mesmo contigo, quando descobrimos o manipulador, e a maneira como joga, suas atitudes se tornam extremamente infantis, toscas e previsíveis. Somente quem não conhece a pessoa é que cai na lábia. E sim, quando os desvendamos nos tornamos alvos de desvalorização por parte deles. E como grande ilusionistas que são, fazem os outros acreditarem que eles são os coitadinhos.
Porém não culpo somente os manipuladores, mas também os manipuláveis. Eu fui boa parte de minha vida extremamente manipulável, mas sentia o incômodo e percebia o que ocorria, só não sabia dizer o não, pois tinha medo da ofensa. As pessoas em geral não percebem, ou têm memória curta, ou não têm opinião própria.
muito bom. todos, o texto, os comentários.
e sim também acho que todos somos maniauladores e manipulados
e sim também sei que doi muoto quando são pessoas na família, e muitas vezes são
e sim eu não sei o que fazer quando são pessoas na família, com quem devemos estar
obrigado
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