A favor do aborto
Já ninguém vai ler este texto politicamente incorrecto a tempo, porque se vota a lei da despenalização do aborto no Domingo, mas parece-me que este texto é só a minha opinião, e nada altera. A minha opinião é radical, não ando com falinhas mansas a dizer que «defendo a vida», porque o mundo está cheio de idiotas e de vidas completamente inúteis. Evidentemente que os budistas e os católicos não são nada a favor desta ideia, e acham que a vida pela vida é o melhor argumento do não ao aborto. E está certo, não o argumento em si, com o qual não concordo, mas que este seja o único argumento capaz e plausível do não, dado que a sobrevivência e a vida em si é um dos objectivos humanos.
E os outros argumentos? Simplesmente não são argumentos, são opiniões destrutivas e tolas. Desfolho todos os panfletos do não e descubro que os principais argumentos deles são os seguintes:
1) Abortar aumenta o desemprego dos professores e educadores de infância. Ó meus amigos, desde quando esta estúpida informação é um argumento? Por acaso o sim diz nos panfletos «abortar aumenta o emprego dos médicos, enfermeiros, educadores e professores»? E para o desemprego vai a grande maioria das pessoas, isso ou trabalhar a recibos verdes, que no fundo vai dar ao mesmo;
2) Abortar permite a legalização de clínicas de aborto com os nossos impostos. A sério? Quero já abrir uma clínica dessas e fazer fortunas. Ah grande argumento! Quero ficar rica à pala de úteros rotos de tanto aborto. Os nossos impostos financiam toda a merda, meus amigos, quer concordemos quer não. Conheço tanta gente a favor da pena de morte que é obrigada a pagar impostos para sustentar os presos. Portanto, já fazemos muitos descontos que consideramos inúteis em todo o seu esplendor. Já agora…há muito dinheiro que nunca vimos aplicado, não? Por exemplo, eu paguei sempre propinas e só agora, passados dez anos, fizeram casas-de-banho novas na faculdade de letras. Acaso querem que vá lá mijar de propósito a fim de beneficiar das novas casas-de-banho, pagas também à custa do esforço dos meus pais e dos meus colegas trabalhadores-estudantes?
3) Despenalizar o aborto é permitir o aborto e concordar com ele. Sim e não ao mesmo tempo. De facto, se se legaliza, é porque se concorda. Mas reparem que a legalização do uso de armas em alguns estados dos EUA não é a legalização da morte, mesmo que o Michael Moore diga que sim. É suposto que uma arma seja usada, única e exclusivamente, por quem tem juízo e em legítima defesa. Está mal dar armas a energúmenos. Talvez o que esteja mal é o aborto estar nas mãos de energúmenos sem escrúpulos. Todavia, também me parece que muita gente escapa àquilo que sabe dentro de si mesmo: que, bem lá no fundo, e apesar de estar em causa uma vida, é a favor do aborto. «Aquilo» é também uma parte da mãe, e a mãe em si.
4) A discussão, eterna e indecisa, se é vida ou não. É coisa que nem me dou ao trabalho de fazer. Uma célula também é vida. Até um parasita é vida e apetece esmagá-lo com um sapato ou um antibiótico potente. Um piolho é vida e dá à luz milhares de lêndias, que saltam das cabeças de uns meninos para outros nos infantários. Um piolho é um parasita tão legítimo quanto um feto. Todavia, matamo-lo, excepto se formos hippies e usarmos rastas. Posto isto, discutir as dez ou as doze semanas é-me indiferente. Feto é feto.
5) A culpa, o ressentimento. É o pior e o mais esmagador argumento do não. Dizer a uma mulher «vais-te sentir culpada» soa-me a uma mariquice maldosa. É o mesmo que apedrejá-la e gritar «Puta!». Acham mesmo que a mulher precisa? Gostamos tanto de viver na Idade Média…É uma argumento falacioso e, permitam-me o atrevimento, católico. É como dizer «vais arder no Inferno». Para além disso, a Igreja que não seja tolinha, porque discorda muitos dos anticoncepcionais, que o sim e os partidos de esquerda defendem que devem ser gratuitos. Parece que o preservativo, como dizia o Papa João Paulo II, «impede o livre curso da vontade de Deus». Já agora, impede a propagação do vírus da Sida (que mata!), de inúmeras doenças infecto contagiosas, de uma gravidez indesejada. A culpa e o ressentimento são sentimentos comuns em qualquer pessoa que tenha uma característica humana chamada consciência. Qualquer pessoa que a tenha sente, nem que seja uma vez na vida, culpa e ressentimento. Não é preciso fazer um aborto para se sentir isso, mas é humano que, depois de um aborto, uma mulher se sinta deprimida, fragilizada. A Igreja e a direita toda estão a dizer à mulher que «isso» é o que a vai acompanhar ad aeternum. Parece-me um discurso cabalmente errado, para quem tanto apela ao perdão e à solidariedade e compreensão do outro.
6) A família. O não diz que é importante a promoção da família, sobretudo se for numerosa (já que cria postos de emprego, também…). Digo-vos: uma família é uma coisa difícil. Não interessa se temos um filho, dois, três ou nenhum. Não se deve brincar com coisas sérias. Desde quando famílias numerosas são mais saudáveis do que as outras? Já viram uma mãe com quatro filhos num supermercado? É toda a gente a rezar para ela e os rebentos desaparecerem rapidamente. Às vezes um filho é tão mal tratado e educado, quanto mais três ou quatro. Mas o não distribui panfletos com famílias sorridentes, betos cuja mãe é tia, tão tia que abortou em Espanha porque em Cascais só há clínicas de rejuvenescimento. Já agora…o que é uma família? Alguém me sabe responder? Não me digam que é pai, mãe, filhos, avós. Todos sabemos que é muito mais do que isso, tem de haver laços fortes entre as pessoas, respeito mútuo, valores e princípios de base. Será que o aborto tem alguma coisa a ver com isso? Ao contrário do que a Igreja pensa, não. Fazer abortos não despromove a família, assim como não fazê-los não promove laços entre ninguém. Uma família pequena ou grande pode ser funcional ou disfuncional indiferenciadamente.
7) Legalizar o aborto dá origem a abortos em série. Não dá. Nenhuma mulher é tão tosca, a menos que tenha um problema mental grave e sério, que queira fazer abortos em vez de tomar a pílula ou usar o preservativo. Quem gosta de ir ao ginecologista? É dos médicos mais chatos, os exames são todos incómodos. E agora as mulheres passavam todas a fazer um aborto como quem bebe um copo de água? O aborto é um processo cirúrgico fácil para um médico, isso eu sei. Mas para a mulher é uma panóplia triste de instrumentos intra-uterinos, sem contar com o pós aborto, a recuperação, o vazio interior. Será que gostamos mesmo tanto disto que queremos legalizar, ou será que temos de legalizar para evitar que aconteça mais abortos daqueles pouco simpáticos que destroem o sistema reprodutor? Porque será que acham logo que uma mulher, por fazer um aborto, quer dar cabo do seu aparelho reprodutor e não quer ser mãe? Acho que não há mentira pior do que esta…
8) A infertilidade e a lista de adopção. É um argumento invejoso, raivoso, ainda mais baixo do que os outros todos. Ou seja, uma mulher que aborte é criminosa porque devia ter pensado nos «outros» que não podem ter filhos? Portanto, não fazendo abortos engrossamos a lista de adopção e damos os filhos aos outros. Isso não é nada traumatizante, não. Deve ser bem fácil dar filhos para adopção só porque «abortar é errado e há casais que não podem ter filhos». Vou ser sincera. Estou do lado da parte mais fraca: a mulher que aborta, nunca do lado dos casais que querem adoptar ou fazem tratamentos de fertilidade in vitro. Sabem quanto custa isso? Muito mais do que um aborto. Mesmo sem saber como vai ser a minha vida no futuro, não vou concentrá-la em pensar que tenho de ter filhos e que as mulheres que abortam são criminosas porque não pactuam com a minha ideia de «família ideal». Volto à carga: o que é a família ideal?
9) A sociedade. Um dos argumentos do não (e passo a citar) é que a sociedade dá às mães o direito de abortar mas por outro lado multa quem transporta crianças sem cadeirinha. Mas será que esta gente leu verdadeiramente qual é o perigo de se transportar uma criança sem cadeirinha, com a quantidade de acidentes rodoviários que há neste país? Penso que é irresponsável um argumento destes, que no fundo diz que abortar é mais errado ou grave do que não colocar cadeirinhas no banco de trás do automóvel. Volto à carga: vale mais não ter um filho ou ter um filho que não se quer e dizer coisas destas? Sim, porque afirmações destas vêm de pessoas que não devem gostar de crianças, só pode… Tudo isto parte também de uma aspecto importante que muita gente tem focado: a sociedade deve mesmo opinar sobre tudo o que as pessoas fazem? A Igreja eu sei que opina, mas a sociedade devia ter em consideração que está a legislar acerca das barrigas das mães, de uma vida que está dentro de outra vida, e acerca do livre arbítrio do outro. Na realidade, a legislação devia ser acerca da permissão ou não de fazer abortos nos hospitais e clínicas, e nunca se a mulher deve ou não ser punida por um aborto. O suicídio também é grave e ninguém pune, nem legisla, nem prende suicidas. Afinal, o que é que está em causa? Segundo o não é a vida e o direito à vida, segundo o sim é a vida e os direitos da mulher. É mais específico o segundo, e tem em conta um argumento que me é muito caro «na minha vida mando eu, na minha barriga mando eu também». A Igreja opina sobre tudo, disso eu já estava à espera, tendo em conta a quantidade de velhas que já não está em idade fértil mas gosta de mandar umas bocas ao pessoal jovem. Mas a sociedade opinar sobre tudo chateia-me muito mais.
10) A paternidade. Diz o não que o pai é obrigado a assumir a paternidade mas não pode defender a vida dos filhos. Mentira completa. «Paternidade» significa tudo isto. Se se assume, assume-se tudo: fazer um aborto, ter um filho, amar um filho, educá-lo, criá-lo, tudo faz parte da paternidade. Se não se assume (ou nem se chega a saber que se poderia ter sido pai, em caso de gravidez e aborto inconfessos) então a noção de paternidade é somente social, é somente «porque sim». Que direito tem um homem que não assume coisa nenhuma de decidir o que a mulher faz ou não?
11) Deus. Para mim que sou ateia, nem quero saber deste argumento. Para já, porque Deus, se realmente existir, anda muito ocupado com coisas de préstimo, como crucificar o próprio filho e uns anitos mais tarde pô-lo a falar com a Alexandra Solnado acerca da densidade espiritual e da ascensão. Amigos: Deus é um gajo safadíssimo, leiam o Velho Testamento. Aquele velho sacana está imenso tempo a fazer um homem à sua semelhança, que depois O trai por causa de uma gaja toda boa que anda por ali a fazer-se a uma serpente. Deus pune homens bons no Velho Testamento por dá cá aquela palha (o Job passa por tudo, o Abraão tem quase de imolar o filho, mas Deus lá lhe diz à última da hora «aceito antes uma ovelha, não quero o teu filho, e em vez de Abrão chamo-te Abraão», deve ser para não rimar com «cabrão»; até o Noé fica fechado numa arca cheia de animais, devia ser um fedor desgraçado ali metido à parva com veados e leões; o Moisés apanha com os mandamentos na testa e aprende a dividir águas, o que me parece completamente inútil: porque é que o gajo não aprendeu a desbacterizar a água? Assim limpava a água da praia de Carcavelos e o pessoal podia lá tomar banho sem apanhar hepatites e conjuntivites). Chama putas às mulheres, e pune-as duramente com dores no parto e dores menstruais mensais (para que se lembrem do pecado primordial, está escrito na Bíblia). E os católicos confiam num gajo assim?
Às vezes Deus toma a sua forma obesa e chamam-lhe Buda. Outras vezes assume a sua forma monhé e chamam-lhe Alá. Acham-nos menos cruéis? Eu não. Alá nem tem explicação possível. Faz da mulher um caixote do lixo portátil sem tampa, para poder ser fodida e apedrejada sempre que um homem quiser. E Buda, para além de ter um problema metabólico, porque está sempre em meditação e engorda até com o vento, diz que uma mulher não pode abortar para «não interromper as reencarnações». Quer dizer, um gajo não sabe o que fez na vida anterior, só tem recordações tipo flashes de um filme do David Lynch, anda com o karma às costas (embora a Alexandra Solnado diga que se pode «limpar» o karma, não há produtos à venda), e nesta puta desta vida madrasta ainda tem de se preocupar com a próxima reencarnação? Tenham paciência…Os budistas dizem que a mulher, ao abortar, interrompe a cadeia natural da vida. E?...Onde é que um feto abortado fica? Para os católicos, no limbo, que agora já nem existe. Portanto, o feto deve ter uma sala de espera qualquer (a mãe arde no Inferno, juntamente com os comunistas, esquerdistas e pessoas como eu). Para os budistas, o feto não reencarna e a mãe acumula karma para a próxima vida, na qual nascerá infértil para castigo.
E quando um aborto falha ou a mãe se arrepende à última da hora? Dizem os defensores do não, que muito aborto falhado é feliz. Eu também acho. Estão todos no governo, em cargos de poder, no futebol, ou a falar com Jesus. Pobres mães, cujas barrigas são legisladas com base em argumentos torpes que tanto as acusam como criminosas. Pobres fetos, ninguém tem respeito por eles, vivem em famílias transtornadas (sim, há muita gente sem jeitinho para ser pai ou mãe) ou ficam à espera de uma outra reencarnação mais levezinha. Pobre sociedade, que ainda pensa a mulher como um objecto, um receptáculo, uma mala de viagem, como dizia o Fernando Pessoa acerca da Virgem Maria.
Gosto também daqueles panfletos inteligentes do não que descrevem mães desesperadas porque fizeram abortos, e em consequência desse acto hediondo tentam-se matar ou matar os próprios filhos. Portanto, o aborto é mau porque é um atentado contra a vida, por isso a mulher…vai praticar mais atentados contra a vida? Que raio de cadeia de forças maléficas é esta? Bruxaria? Nunca ouvi falar de mulheres que, depois de terem abortado, fossem espancar os próprios filhos com raiva. Mas enquanto professora conheci muitas mães que não queriam ser mães: e lá estavam os atrasadinhos dos filhos, quais objectos mal amanhados, disléxicos, hiperactivos, indesejados, receptáculos de frustrações emocionais maternas. Dantes isto resolvia-se à estalada e palmada, agora resolve-se comprando doces e brinquedos, mais tarde telemóveis. É a sociedade que nós temos, consequência do caos, do vazio emocional, da desestruturação interior e exterior. Se deixarmos o bom senso à nossa consciência, a coisa até pode correr bem. Se deixarmos a decisão nas mãos de uma sociedade ainda sustentada em princípios medievos e inquisitorais (ou seja, católicos e monárquicos) ficamos entregues à culpa, à punição, ao ressentimento, à dor. Uma coisa todos nós sabemos, não queremos é admitir: nascemos para ser livres e procurar a felicidade. Se permitirmos que «nos» legislem sempre, em tudo, de todas as formas, sobra o quê de nós mesmos? Agora querem legislar a consciência de uma mulher acerca da maternidade, um dos aspectos mais antigos do mundo? A minha opinião é sempre a mesma: deixar as mulheres que querem serem mães e as que não querem ser que não sejam. Não é prudente termos mães contrariadas, era o mesmo que fazer como antigamente, obrigar as senhoras a irem para um convento e os homens para um mosteiro. Isso originava dislates tremendos, desvarios sexuais, práticas abusivas de crianças.
O que originará termos mães que não querem ser mães? Depois vem muita gente dizer-me que uma mãe sabe sempre ser mãe, que tem isso lá dentro, blá, blá. Não acho. Uma pessoa que é contrariada vai-se rebelar mais tarde ou mais cedo, ou simplesmente ficar no seu canto infeliz, projectando raiva e infelicidade num filho. Acham que isso não acontece? Comecem a frequentar supermercados e transportes à hora de ponta. Concordam logo com a despenalização do aborto, garanto-vos.
Já ninguém vai ler este texto politicamente incorrecto a tempo, porque se vota a lei da despenalização do aborto no Domingo, mas parece-me que este texto é só a minha opinião, e nada altera. A minha opinião é radical, não ando com falinhas mansas a dizer que «defendo a vida», porque o mundo está cheio de idiotas e de vidas completamente inúteis. Evidentemente que os budistas e os católicos não são nada a favor desta ideia, e acham que a vida pela vida é o melhor argumento do não ao aborto. E está certo, não o argumento em si, com o qual não concordo, mas que este seja o único argumento capaz e plausível do não, dado que a sobrevivência e a vida em si é um dos objectivos humanos.
E os outros argumentos? Simplesmente não são argumentos, são opiniões destrutivas e tolas. Desfolho todos os panfletos do não e descubro que os principais argumentos deles são os seguintes:
1) Abortar aumenta o desemprego dos professores e educadores de infância. Ó meus amigos, desde quando esta estúpida informação é um argumento? Por acaso o sim diz nos panfletos «abortar aumenta o emprego dos médicos, enfermeiros, educadores e professores»? E para o desemprego vai a grande maioria das pessoas, isso ou trabalhar a recibos verdes, que no fundo vai dar ao mesmo;
2) Abortar permite a legalização de clínicas de aborto com os nossos impostos. A sério? Quero já abrir uma clínica dessas e fazer fortunas. Ah grande argumento! Quero ficar rica à pala de úteros rotos de tanto aborto. Os nossos impostos financiam toda a merda, meus amigos, quer concordemos quer não. Conheço tanta gente a favor da pena de morte que é obrigada a pagar impostos para sustentar os presos. Portanto, já fazemos muitos descontos que consideramos inúteis em todo o seu esplendor. Já agora…há muito dinheiro que nunca vimos aplicado, não? Por exemplo, eu paguei sempre propinas e só agora, passados dez anos, fizeram casas-de-banho novas na faculdade de letras. Acaso querem que vá lá mijar de propósito a fim de beneficiar das novas casas-de-banho, pagas também à custa do esforço dos meus pais e dos meus colegas trabalhadores-estudantes?
3) Despenalizar o aborto é permitir o aborto e concordar com ele. Sim e não ao mesmo tempo. De facto, se se legaliza, é porque se concorda. Mas reparem que a legalização do uso de armas em alguns estados dos EUA não é a legalização da morte, mesmo que o Michael Moore diga que sim. É suposto que uma arma seja usada, única e exclusivamente, por quem tem juízo e em legítima defesa. Está mal dar armas a energúmenos. Talvez o que esteja mal é o aborto estar nas mãos de energúmenos sem escrúpulos. Todavia, também me parece que muita gente escapa àquilo que sabe dentro de si mesmo: que, bem lá no fundo, e apesar de estar em causa uma vida, é a favor do aborto. «Aquilo» é também uma parte da mãe, e a mãe em si.
4) A discussão, eterna e indecisa, se é vida ou não. É coisa que nem me dou ao trabalho de fazer. Uma célula também é vida. Até um parasita é vida e apetece esmagá-lo com um sapato ou um antibiótico potente. Um piolho é vida e dá à luz milhares de lêndias, que saltam das cabeças de uns meninos para outros nos infantários. Um piolho é um parasita tão legítimo quanto um feto. Todavia, matamo-lo, excepto se formos hippies e usarmos rastas. Posto isto, discutir as dez ou as doze semanas é-me indiferente. Feto é feto.
5) A culpa, o ressentimento. É o pior e o mais esmagador argumento do não. Dizer a uma mulher «vais-te sentir culpada» soa-me a uma mariquice maldosa. É o mesmo que apedrejá-la e gritar «Puta!». Acham mesmo que a mulher precisa? Gostamos tanto de viver na Idade Média…É uma argumento falacioso e, permitam-me o atrevimento, católico. É como dizer «vais arder no Inferno». Para além disso, a Igreja que não seja tolinha, porque discorda muitos dos anticoncepcionais, que o sim e os partidos de esquerda defendem que devem ser gratuitos. Parece que o preservativo, como dizia o Papa João Paulo II, «impede o livre curso da vontade de Deus». Já agora, impede a propagação do vírus da Sida (que mata!), de inúmeras doenças infecto contagiosas, de uma gravidez indesejada. A culpa e o ressentimento são sentimentos comuns em qualquer pessoa que tenha uma característica humana chamada consciência. Qualquer pessoa que a tenha sente, nem que seja uma vez na vida, culpa e ressentimento. Não é preciso fazer um aborto para se sentir isso, mas é humano que, depois de um aborto, uma mulher se sinta deprimida, fragilizada. A Igreja e a direita toda estão a dizer à mulher que «isso» é o que a vai acompanhar ad aeternum. Parece-me um discurso cabalmente errado, para quem tanto apela ao perdão e à solidariedade e compreensão do outro.
6) A família. O não diz que é importante a promoção da família, sobretudo se for numerosa (já que cria postos de emprego, também…). Digo-vos: uma família é uma coisa difícil. Não interessa se temos um filho, dois, três ou nenhum. Não se deve brincar com coisas sérias. Desde quando famílias numerosas são mais saudáveis do que as outras? Já viram uma mãe com quatro filhos num supermercado? É toda a gente a rezar para ela e os rebentos desaparecerem rapidamente. Às vezes um filho é tão mal tratado e educado, quanto mais três ou quatro. Mas o não distribui panfletos com famílias sorridentes, betos cuja mãe é tia, tão tia que abortou em Espanha porque em Cascais só há clínicas de rejuvenescimento. Já agora…o que é uma família? Alguém me sabe responder? Não me digam que é pai, mãe, filhos, avós. Todos sabemos que é muito mais do que isso, tem de haver laços fortes entre as pessoas, respeito mútuo, valores e princípios de base. Será que o aborto tem alguma coisa a ver com isso? Ao contrário do que a Igreja pensa, não. Fazer abortos não despromove a família, assim como não fazê-los não promove laços entre ninguém. Uma família pequena ou grande pode ser funcional ou disfuncional indiferenciadamente.
7) Legalizar o aborto dá origem a abortos em série. Não dá. Nenhuma mulher é tão tosca, a menos que tenha um problema mental grave e sério, que queira fazer abortos em vez de tomar a pílula ou usar o preservativo. Quem gosta de ir ao ginecologista? É dos médicos mais chatos, os exames são todos incómodos. E agora as mulheres passavam todas a fazer um aborto como quem bebe um copo de água? O aborto é um processo cirúrgico fácil para um médico, isso eu sei. Mas para a mulher é uma panóplia triste de instrumentos intra-uterinos, sem contar com o pós aborto, a recuperação, o vazio interior. Será que gostamos mesmo tanto disto que queremos legalizar, ou será que temos de legalizar para evitar que aconteça mais abortos daqueles pouco simpáticos que destroem o sistema reprodutor? Porque será que acham logo que uma mulher, por fazer um aborto, quer dar cabo do seu aparelho reprodutor e não quer ser mãe? Acho que não há mentira pior do que esta…
8) A infertilidade e a lista de adopção. É um argumento invejoso, raivoso, ainda mais baixo do que os outros todos. Ou seja, uma mulher que aborte é criminosa porque devia ter pensado nos «outros» que não podem ter filhos? Portanto, não fazendo abortos engrossamos a lista de adopção e damos os filhos aos outros. Isso não é nada traumatizante, não. Deve ser bem fácil dar filhos para adopção só porque «abortar é errado e há casais que não podem ter filhos». Vou ser sincera. Estou do lado da parte mais fraca: a mulher que aborta, nunca do lado dos casais que querem adoptar ou fazem tratamentos de fertilidade in vitro. Sabem quanto custa isso? Muito mais do que um aborto. Mesmo sem saber como vai ser a minha vida no futuro, não vou concentrá-la em pensar que tenho de ter filhos e que as mulheres que abortam são criminosas porque não pactuam com a minha ideia de «família ideal». Volto à carga: o que é a família ideal?
9) A sociedade. Um dos argumentos do não (e passo a citar) é que a sociedade dá às mães o direito de abortar mas por outro lado multa quem transporta crianças sem cadeirinha. Mas será que esta gente leu verdadeiramente qual é o perigo de se transportar uma criança sem cadeirinha, com a quantidade de acidentes rodoviários que há neste país? Penso que é irresponsável um argumento destes, que no fundo diz que abortar é mais errado ou grave do que não colocar cadeirinhas no banco de trás do automóvel. Volto à carga: vale mais não ter um filho ou ter um filho que não se quer e dizer coisas destas? Sim, porque afirmações destas vêm de pessoas que não devem gostar de crianças, só pode… Tudo isto parte também de uma aspecto importante que muita gente tem focado: a sociedade deve mesmo opinar sobre tudo o que as pessoas fazem? A Igreja eu sei que opina, mas a sociedade devia ter em consideração que está a legislar acerca das barrigas das mães, de uma vida que está dentro de outra vida, e acerca do livre arbítrio do outro. Na realidade, a legislação devia ser acerca da permissão ou não de fazer abortos nos hospitais e clínicas, e nunca se a mulher deve ou não ser punida por um aborto. O suicídio também é grave e ninguém pune, nem legisla, nem prende suicidas. Afinal, o que é que está em causa? Segundo o não é a vida e o direito à vida, segundo o sim é a vida e os direitos da mulher. É mais específico o segundo, e tem em conta um argumento que me é muito caro «na minha vida mando eu, na minha barriga mando eu também». A Igreja opina sobre tudo, disso eu já estava à espera, tendo em conta a quantidade de velhas que já não está em idade fértil mas gosta de mandar umas bocas ao pessoal jovem. Mas a sociedade opinar sobre tudo chateia-me muito mais.
10) A paternidade. Diz o não que o pai é obrigado a assumir a paternidade mas não pode defender a vida dos filhos. Mentira completa. «Paternidade» significa tudo isto. Se se assume, assume-se tudo: fazer um aborto, ter um filho, amar um filho, educá-lo, criá-lo, tudo faz parte da paternidade. Se não se assume (ou nem se chega a saber que se poderia ter sido pai, em caso de gravidez e aborto inconfessos) então a noção de paternidade é somente social, é somente «porque sim». Que direito tem um homem que não assume coisa nenhuma de decidir o que a mulher faz ou não?
11) Deus. Para mim que sou ateia, nem quero saber deste argumento. Para já, porque Deus, se realmente existir, anda muito ocupado com coisas de préstimo, como crucificar o próprio filho e uns anitos mais tarde pô-lo a falar com a Alexandra Solnado acerca da densidade espiritual e da ascensão. Amigos: Deus é um gajo safadíssimo, leiam o Velho Testamento. Aquele velho sacana está imenso tempo a fazer um homem à sua semelhança, que depois O trai por causa de uma gaja toda boa que anda por ali a fazer-se a uma serpente. Deus pune homens bons no Velho Testamento por dá cá aquela palha (o Job passa por tudo, o Abraão tem quase de imolar o filho, mas Deus lá lhe diz à última da hora «aceito antes uma ovelha, não quero o teu filho, e em vez de Abrão chamo-te Abraão», deve ser para não rimar com «cabrão»; até o Noé fica fechado numa arca cheia de animais, devia ser um fedor desgraçado ali metido à parva com veados e leões; o Moisés apanha com os mandamentos na testa e aprende a dividir águas, o que me parece completamente inútil: porque é que o gajo não aprendeu a desbacterizar a água? Assim limpava a água da praia de Carcavelos e o pessoal podia lá tomar banho sem apanhar hepatites e conjuntivites). Chama putas às mulheres, e pune-as duramente com dores no parto e dores menstruais mensais (para que se lembrem do pecado primordial, está escrito na Bíblia). E os católicos confiam num gajo assim?
Às vezes Deus toma a sua forma obesa e chamam-lhe Buda. Outras vezes assume a sua forma monhé e chamam-lhe Alá. Acham-nos menos cruéis? Eu não. Alá nem tem explicação possível. Faz da mulher um caixote do lixo portátil sem tampa, para poder ser fodida e apedrejada sempre que um homem quiser. E Buda, para além de ter um problema metabólico, porque está sempre em meditação e engorda até com o vento, diz que uma mulher não pode abortar para «não interromper as reencarnações». Quer dizer, um gajo não sabe o que fez na vida anterior, só tem recordações tipo flashes de um filme do David Lynch, anda com o karma às costas (embora a Alexandra Solnado diga que se pode «limpar» o karma, não há produtos à venda), e nesta puta desta vida madrasta ainda tem de se preocupar com a próxima reencarnação? Tenham paciência…Os budistas dizem que a mulher, ao abortar, interrompe a cadeia natural da vida. E?...Onde é que um feto abortado fica? Para os católicos, no limbo, que agora já nem existe. Portanto, o feto deve ter uma sala de espera qualquer (a mãe arde no Inferno, juntamente com os comunistas, esquerdistas e pessoas como eu). Para os budistas, o feto não reencarna e a mãe acumula karma para a próxima vida, na qual nascerá infértil para castigo.
E quando um aborto falha ou a mãe se arrepende à última da hora? Dizem os defensores do não, que muito aborto falhado é feliz. Eu também acho. Estão todos no governo, em cargos de poder, no futebol, ou a falar com Jesus. Pobres mães, cujas barrigas são legisladas com base em argumentos torpes que tanto as acusam como criminosas. Pobres fetos, ninguém tem respeito por eles, vivem em famílias transtornadas (sim, há muita gente sem jeitinho para ser pai ou mãe) ou ficam à espera de uma outra reencarnação mais levezinha. Pobre sociedade, que ainda pensa a mulher como um objecto, um receptáculo, uma mala de viagem, como dizia o Fernando Pessoa acerca da Virgem Maria.
Gosto também daqueles panfletos inteligentes do não que descrevem mães desesperadas porque fizeram abortos, e em consequência desse acto hediondo tentam-se matar ou matar os próprios filhos. Portanto, o aborto é mau porque é um atentado contra a vida, por isso a mulher…vai praticar mais atentados contra a vida? Que raio de cadeia de forças maléficas é esta? Bruxaria? Nunca ouvi falar de mulheres que, depois de terem abortado, fossem espancar os próprios filhos com raiva. Mas enquanto professora conheci muitas mães que não queriam ser mães: e lá estavam os atrasadinhos dos filhos, quais objectos mal amanhados, disléxicos, hiperactivos, indesejados, receptáculos de frustrações emocionais maternas. Dantes isto resolvia-se à estalada e palmada, agora resolve-se comprando doces e brinquedos, mais tarde telemóveis. É a sociedade que nós temos, consequência do caos, do vazio emocional, da desestruturação interior e exterior. Se deixarmos o bom senso à nossa consciência, a coisa até pode correr bem. Se deixarmos a decisão nas mãos de uma sociedade ainda sustentada em princípios medievos e inquisitorais (ou seja, católicos e monárquicos) ficamos entregues à culpa, à punição, ao ressentimento, à dor. Uma coisa todos nós sabemos, não queremos é admitir: nascemos para ser livres e procurar a felicidade. Se permitirmos que «nos» legislem sempre, em tudo, de todas as formas, sobra o quê de nós mesmos? Agora querem legislar a consciência de uma mulher acerca da maternidade, um dos aspectos mais antigos do mundo? A minha opinião é sempre a mesma: deixar as mulheres que querem serem mães e as que não querem ser que não sejam. Não é prudente termos mães contrariadas, era o mesmo que fazer como antigamente, obrigar as senhoras a irem para um convento e os homens para um mosteiro. Isso originava dislates tremendos, desvarios sexuais, práticas abusivas de crianças.
O que originará termos mães que não querem ser mães? Depois vem muita gente dizer-me que uma mãe sabe sempre ser mãe, que tem isso lá dentro, blá, blá. Não acho. Uma pessoa que é contrariada vai-se rebelar mais tarde ou mais cedo, ou simplesmente ficar no seu canto infeliz, projectando raiva e infelicidade num filho. Acham que isso não acontece? Comecem a frequentar supermercados e transportes à hora de ponta. Concordam logo com a despenalização do aborto, garanto-vos.
4 Comments:
Fernanda, do melhor, este é um dos teus melhores textos! Adorei e ri-me imenso! Se eu fsse a favor do Não, depois de ler esse texto votava Sim :p
Amanhã, vota SIM, por mim (não, eu não sou um aborto, não posso é ir votar porque estou aqui no Calhau) :p*
PS- Aparece no MSN! Tenho BIG NEWS :D
Olá, amiga! Fui ao MSN mas não estavas. Hj de manhã estiveste online, mas não tive mto tempo.
Afinal o Sim ganhou, eu nem esperava muito, mas a campanha do Não foi um verdadeiro desastre, quanto a mim (até a minha avó votou sim).
Bjs.
Pá, estive numa azáfama o dia todo! Não deu para contar na net, conto por aqui: volto na 5ª!!!!!!!!!! :D Chamaram-me da agência :D (isto de agência, as pessoas até pensam que é de modelos! Ó pra mim toda elegante! lol) :p
E vamos mesmo poder almoçar no jardim do nosso coração porque fico a trabalhar no Saldanha :D Queres melhor notícia que esta????
PS- A tua avó rula :p*
Sim, mas a Nossa Senhora de Fátima está a chorar. Achei fotos que o comprovam na minha caixa de correio.
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