O casamento
Dantes a minha mãe dizia-me muitas vezes que as mulheres partiam enganadas para o casamento. Casavam com um homem romântico e saía-lhes um bronco sem maneiras. Casavam com um homem sensível e saía-lhes um atrasado mental racista e machista, qual Archie Bunker. Hoje em dia, uma mulher não se engana. Acho eu. Namora o tempo que quer, sem problemas. É noiva o tempo que quer, sem problemas. E até explora futuros sogros, sem problemas. Com a desagregação dos tempos modernos, entrou-se num caminho bem diferente daquele que a minha mãe me explicava: uma mulher não se engana, engana os outros, se a isso estiver predisposta.
Num circuito fechado como é o da família, tudo pode acontecer. É um microcosmos danado e muito fictício. Afinal, onde está a família e onde estão os estranhos? Afinal, quem entra tem mesmo de ser posse territorial dos outros? Se formos sujeitos a isso, onde raio ficamos nós, enquanto pessoas, enquanto seres humanos? Acredito que muitas mulheres nem se importem em estabelecer limites, porque simplesmente não têm de o fazer. Mas acredito que outras, como eu, têm mesmo de o fazer, sob pena de terem uma vida desgraçada, muito incoerente com os valores que defendem realmente.
Esta coisa de o casamento nos fazer ser da outra família é uma grande merda. Se eu nunca me senti posse de uma, então vou ser posse da outra? Pois não quero. Essa parte contratual casamenteira é bem mais grave do que o marido mudar de personalidade e deixar de ajudar em casa, como tanto preocupava a minha mãe. Caraças, ninguém pede gente excepcional na família, mas pelo menos gente bem intencionada, bem educada, sem falsidades e uma mesquinhez pronta a espalhar a imodéstia e o snobismo. Temos duas situações: esta e a contrária desta. Esta é uma situação comum: entram mesmo pessoas assim na nossa família, afinal não somos nós que as escolhemos. A outra situação verifica-se menos, mas felizmente é ainda exequível: entrarem na família pessoas de quem muito gostamos e que se tornam inseparáveis de nós. Eu tenho estes dois casos, e quanto ao meu próprio caso, infelizmente sou vista como um elemento perturbador. Essa imagem cabe-me como uma luva ou um sapato apertado. Quem pode achar agradável casar-se com a família do marido? Quem gostar e for apreciado por essa família. Parece-me que, se não somos apreciados na nossa postura, a solução, inequivocamente, é criarmos a distância de segurança possível para que o casamento não caia. Somos nós que estamos em causa. Não podemos mudar o que está mal, nem vale a pena tentar, na grande maioria das vezes. E temos de perceber qual é o nosso lugar, ou mesmo perceber quando não há lugar para nós graças aos excessos dos outros. Deverá isso importar-nos? Tem mesmo, infelizmente. Como é que num contexto destes se criam filhos? É impossível. Haverá uma boa dezena de pessoas a apontar-nos falhas, e com toda a certeza os quilos que engordámos, a merda de emprego que temos, a hipocrisia do que somos ou fizemos, etc. Ninguém de bom senso consegue proteger um filho estando completamente desprotegido. E é assim que eu estou. Na minha cabeça, sou infértil. É como se essa parte estivesse anulada, à partida, para o bem e para o mal.
Às vezes, na família, como no trabalho, como com os amigos e noutras situações, não fazemos o que nos convém. Não fazemos o mais fácil. Não fazemos sequer o que esperam que façamos que, regra geral, é ficarmos calados e quietos no nosso cantinho. Às vezes fazemos a maior asneira possível, do ponto de vista dos outros, mas a única asneira que dá préstimo a esta vida: defendermos uma posição que nos pareça justa, correcta, exacta de todos os pontos de vista. E se o coração nos diz, a cabeça nos diz, a alma nos diz, a moral nos diz, então parece-me correcto fazê-lo, mesmo que os outros não percebam, não queiram, não digam, não aceitem.
Vamos à outra parte. Eu até posso achar que uma família fica a ganhar com a minha entrada. O pior é o que essa família acha. Infelizmente, na maior parte dos casos, a família acha que fica a ganhar com uma saída. A minha saída contentaria muita gente. Aparentemente, tudo voltaria ao «normal». Mas será? Nunca percebemos bem onde vivem as pessoas ditas «normais». Afinal quem é normal? Quem defende valores ou quem os mascara com aquilo que não é? Quem usa máscaras sai-se melhor. A aparência encaixa naquilo que as pessoas querem, e isso é que lhes interessa. O fundo não. O fundo é a merda que as pessoas escondem (se tiverem alguma coisa para esconder, que eu francamente já acho que na maioria dos casos não há mesmo nada).
Mais uma coisa: há bichos, como eu, que não estão bem. Mas há bichos que estão bem nas famílias: são acarinhados, engordados, aparentemente simpáticos. Com essa face eles conseguem tudo. São bichos que corroem as famílias por dentro. Tipo minhocas na maçã (se calhar já podre por dentro, antes de o bicho lá entrar). Uma minhoca não entra nunca numa maçã que não lhe interesse corroer. Em primeiro lugar, entra numa maçã já fraca e apodrecida, porque assim não tem de trabalhar muito, em segundo lugar, continua esse belo trabalho até a maçã ter só as pevides pretinhas à mostra. Depois vai embora para outra maçã e retoma tudo de princípio. As famílias gostam deste tipo de bicho. Este bicho não dá nada, mas aparenta. Este bicho não tem nada, mas aparenta. Este bicho não sabe nada, mas aparenta. É só um bicho agressivo com face simpática. Devemos ter um destes em todas as famílias. Porque só depois de ele entrar e estar uns bons anos a viver à conta da nossa casa, é que nós percebemos o que é uma família…Bichos destes em famílias destas fazem-me achar o melhor da minha família. Sempre achei os meus pais mesquinhos, a minha avó manipuladora, o meu avô chato, o meu irmão mauzinho comigo. Sempre achei que a minha família podia ser maior, melhor, todos podiam saber mais, serem mais inteligentes, terem ideias mais abertas, acompanharem o mundo. Mas na verdade foi das maçãs mais perfeitas que eu conheci. Por causa deles é que sou uma pessoa. E não uma minhoca. Em vez de corroer as maçãs dos outros, tento evitar que alguém o faça. Mal sucedida, sou daquelas pessoas que rapidamente volta para o seu poleiro. E fico a ver. É que a minhoca é um bicho que não está bem, e palpita-me que há maçãs que vão um dia perceber isso…
Dantes a minha mãe dizia-me muitas vezes que as mulheres partiam enganadas para o casamento. Casavam com um homem romântico e saía-lhes um bronco sem maneiras. Casavam com um homem sensível e saía-lhes um atrasado mental racista e machista, qual Archie Bunker. Hoje em dia, uma mulher não se engana. Acho eu. Namora o tempo que quer, sem problemas. É noiva o tempo que quer, sem problemas. E até explora futuros sogros, sem problemas. Com a desagregação dos tempos modernos, entrou-se num caminho bem diferente daquele que a minha mãe me explicava: uma mulher não se engana, engana os outros, se a isso estiver predisposta.
Num circuito fechado como é o da família, tudo pode acontecer. É um microcosmos danado e muito fictício. Afinal, onde está a família e onde estão os estranhos? Afinal, quem entra tem mesmo de ser posse territorial dos outros? Se formos sujeitos a isso, onde raio ficamos nós, enquanto pessoas, enquanto seres humanos? Acredito que muitas mulheres nem se importem em estabelecer limites, porque simplesmente não têm de o fazer. Mas acredito que outras, como eu, têm mesmo de o fazer, sob pena de terem uma vida desgraçada, muito incoerente com os valores que defendem realmente.
Esta coisa de o casamento nos fazer ser da outra família é uma grande merda. Se eu nunca me senti posse de uma, então vou ser posse da outra? Pois não quero. Essa parte contratual casamenteira é bem mais grave do que o marido mudar de personalidade e deixar de ajudar em casa, como tanto preocupava a minha mãe. Caraças, ninguém pede gente excepcional na família, mas pelo menos gente bem intencionada, bem educada, sem falsidades e uma mesquinhez pronta a espalhar a imodéstia e o snobismo. Temos duas situações: esta e a contrária desta. Esta é uma situação comum: entram mesmo pessoas assim na nossa família, afinal não somos nós que as escolhemos. A outra situação verifica-se menos, mas felizmente é ainda exequível: entrarem na família pessoas de quem muito gostamos e que se tornam inseparáveis de nós. Eu tenho estes dois casos, e quanto ao meu próprio caso, infelizmente sou vista como um elemento perturbador. Essa imagem cabe-me como uma luva ou um sapato apertado. Quem pode achar agradável casar-se com a família do marido? Quem gostar e for apreciado por essa família. Parece-me que, se não somos apreciados na nossa postura, a solução, inequivocamente, é criarmos a distância de segurança possível para que o casamento não caia. Somos nós que estamos em causa. Não podemos mudar o que está mal, nem vale a pena tentar, na grande maioria das vezes. E temos de perceber qual é o nosso lugar, ou mesmo perceber quando não há lugar para nós graças aos excessos dos outros. Deverá isso importar-nos? Tem mesmo, infelizmente. Como é que num contexto destes se criam filhos? É impossível. Haverá uma boa dezena de pessoas a apontar-nos falhas, e com toda a certeza os quilos que engordámos, a merda de emprego que temos, a hipocrisia do que somos ou fizemos, etc. Ninguém de bom senso consegue proteger um filho estando completamente desprotegido. E é assim que eu estou. Na minha cabeça, sou infértil. É como se essa parte estivesse anulada, à partida, para o bem e para o mal.
Às vezes, na família, como no trabalho, como com os amigos e noutras situações, não fazemos o que nos convém. Não fazemos o mais fácil. Não fazemos sequer o que esperam que façamos que, regra geral, é ficarmos calados e quietos no nosso cantinho. Às vezes fazemos a maior asneira possível, do ponto de vista dos outros, mas a única asneira que dá préstimo a esta vida: defendermos uma posição que nos pareça justa, correcta, exacta de todos os pontos de vista. E se o coração nos diz, a cabeça nos diz, a alma nos diz, a moral nos diz, então parece-me correcto fazê-lo, mesmo que os outros não percebam, não queiram, não digam, não aceitem.
Vamos à outra parte. Eu até posso achar que uma família fica a ganhar com a minha entrada. O pior é o que essa família acha. Infelizmente, na maior parte dos casos, a família acha que fica a ganhar com uma saída. A minha saída contentaria muita gente. Aparentemente, tudo voltaria ao «normal». Mas será? Nunca percebemos bem onde vivem as pessoas ditas «normais». Afinal quem é normal? Quem defende valores ou quem os mascara com aquilo que não é? Quem usa máscaras sai-se melhor. A aparência encaixa naquilo que as pessoas querem, e isso é que lhes interessa. O fundo não. O fundo é a merda que as pessoas escondem (se tiverem alguma coisa para esconder, que eu francamente já acho que na maioria dos casos não há mesmo nada).
Mais uma coisa: há bichos, como eu, que não estão bem. Mas há bichos que estão bem nas famílias: são acarinhados, engordados, aparentemente simpáticos. Com essa face eles conseguem tudo. São bichos que corroem as famílias por dentro. Tipo minhocas na maçã (se calhar já podre por dentro, antes de o bicho lá entrar). Uma minhoca não entra nunca numa maçã que não lhe interesse corroer. Em primeiro lugar, entra numa maçã já fraca e apodrecida, porque assim não tem de trabalhar muito, em segundo lugar, continua esse belo trabalho até a maçã ter só as pevides pretinhas à mostra. Depois vai embora para outra maçã e retoma tudo de princípio. As famílias gostam deste tipo de bicho. Este bicho não dá nada, mas aparenta. Este bicho não tem nada, mas aparenta. Este bicho não sabe nada, mas aparenta. É só um bicho agressivo com face simpática. Devemos ter um destes em todas as famílias. Porque só depois de ele entrar e estar uns bons anos a viver à conta da nossa casa, é que nós percebemos o que é uma família…Bichos destes em famílias destas fazem-me achar o melhor da minha família. Sempre achei os meus pais mesquinhos, a minha avó manipuladora, o meu avô chato, o meu irmão mauzinho comigo. Sempre achei que a minha família podia ser maior, melhor, todos podiam saber mais, serem mais inteligentes, terem ideias mais abertas, acompanharem o mundo. Mas na verdade foi das maçãs mais perfeitas que eu conheci. Por causa deles é que sou uma pessoa. E não uma minhoca. Em vez de corroer as maçãs dos outros, tento evitar que alguém o faça. Mal sucedida, sou daquelas pessoas que rapidamente volta para o seu poleiro. E fico a ver. É que a minhoca é um bicho que não está bem, e palpita-me que há maçãs que vão um dia perceber isso…
2 Comments:
Eu nem desgostava do Archie Bunker lol :p
Mas entendo isso das maçãs e das minhocas e das famílias podres. Felizmente, não de perto. Pelo menos por enquanto :/
É importante saber onde estão essas maçãs podres para não nos surpreendermos depois com as minhocas (ouvi dizer que tens um detector de minhocas infalível!) lol
Actualmente anda por aí muito bicho que não está bem. E esses não são minhocas, de certeza. Porque as minhocas acomodam-se ao que dá menos trabalho, logo, não têm tempo para não estarem bem. É por isso que os bichos que não estão bem não estão bem. Porque há minhocas que não os deixam voar e estar, finalmente (e como eles merecem) bem.*
Outras minhocas, amiga, são mais subtis. Fazem-se de coitadinhas, e bem lá no fundo andam a vaguear entre a mesquinhez e a inveja. É verdade que as detecto à légua, sim...não sei se é bom se é mau.
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