Thursday, February 22, 2007

O pragmatismo

Há muito tempo que não ouvia esta expressão na boca de alguém, apesar de todos os meus amigos e amigas me recomendarem como sendo a solução «ideal» para o meu problema familiar e emocional. Se na vida houver uma coisa que temos de fazer é ir em frente. Se na vida houver diversas opções, temos de escolher a «nossa» opção e não a dos outros e concentrarmo-nos nela e apenas nela, independentemente das consequências. Isso é pragmatismo, mas mais do que isso ser-se pragmático é uma arte que demora a aprender, e que por vezes leva anos e anos a interiorizar. Por vezes a vida prega partidas funestas e obriga-nos a olhá-la com essa mesma atitude. A morte, por exemplo, desafia-nos nesse sentido. A olharmo-nos, a sentirmos «isto sou eu, eu sou mortal», a perceber que sofremos e que isso é normal, não é nem especial nem tétrico.
Há pessoas pragmáticas que me surpreendem na sua franqueza. Há outras que me surpreendem na sua falsidade, porque disfarçam o pragmatismo com boas intenções que não existem. Em suma, há dois tipos de pragmático: o que se assume como tal e que se vê que é, e o manipulador, que sendo pragmático traça apenas objectivos para conquistar e reinar até encontrar poiso melhor.
Tento muitas vezes ser pragmática em coisas que não sou, por natureza, nada pragmática. Digo-me «isto não te interessa», «esta pessoa nada te diz», «isto aconteceu por mero acaso, esquece». São talvez as minhas expectativas exageradas acerca das pessoas (consequência do exagero de exigência em relação a mim própria) que me levam a concluir que não sou nada pragmática. Acho mesmo que, mesmo sem Deus existir na minha vida, os acontecimentos e as pessoas fazem algum sentido no cômputo geral do universo. Portanto acabo por dizer a mim mesma, bem lá no fundo, «isto afinal interessa-te», «esta pessoa está aqui a ensinar-te qualquer coisa», «isto não aconteceu por mero acaso, foca-te». Essa perspectiva nem sempre é a melhor, sobretudo porque implica um sofrimento adverso aos nossos próprios objectivos. Implica até uma observação suplementar da realidade, a qual nem sempre nos agrada. Implica também aceitar a nossa percepção extra, se a tivermos, em relação ao mundo, sabendo bem que nem sempre estamos a observar o melhor dele.
Mas ser-se pragmático é uma exigência da vida e um modo de vida claramente objectivo. A mim falta-me objectividade. Não podemos ser fundamentalistas em relação àquilo que é objectivo, a vida não é só matemática e até a nossa matemática sai furada. Deixarmos os acontecimentos fluírem é inteligente, todavia, é bom estarmos atentos. Há muitos afluentes num rio, e a vida é um rio gigante. O máximo do pragmatismo é sabermos que a nossa passagem é curta, que temos de vivê-la o melhor possível com o que temos, e saber que vamos simplesmente desaparecer, morrer, fenecer, como qualquer elemento natural vivo (até uma pedra vai sendo destruída pelo vento). Também temos de saber que pelo meio se mete o amor, a tristeza, a paixão, a subjectividade, a incerteza, a cisão, o fragmento. Há acontecimentos na vida que solicitam o nosso pragmatismo elevado ao quadrado, normalmente as grandes mudanças como um filho, o casamento, emprego, etc. Convém concentrarmo-nos no principal. Com o principal a descoberto, o supérfluo não tem lugar. O resto passa a adquirir uma faceta de inutilidade transversal: algo que tem de atravessar a vida mas que nem nos pode tocar. Quem dera que tudo fosse tão simples quanto estas palavras…

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