Thursday, March 08, 2007

As princesas dos contos infantis

Quando era menina, gostava imenso de histórias encantadas, coloridas. Adorava a Branca de Neve, a Cinderella, o Capuchinho Vermelho, a Rapunzel. Todas reflectiam o mundo feminino, visto por adultos, naturalmente, com veemência e esplendor. Ou talvez não. O Capuchinho Vermelho devia ser a Capuchinha Vermelha…era uma menina, certo? Não era um travesti tanto quanto eu saiba (é melhor perguntar ao Lobo Mau), a menos que fosse numa versão hardcore do Almodôvar. Reflecte a filha perfeita que, num dia de desobediência, deita quase tudo a perder porque não ouviu a mãe como deve ser. Nas histórias todas, as mulheres tiveram sempre um grave problema de audição (a Eva, por exemplo, Deus falou com o homem e ela deve ter ouvido à socapa e não ligou nenhuma, mania esta de Deus falar de coisas importantes como o Paraíso só com os gajos…). Com o seu problema de audição, aliado à hybris (excesso de orgulho, segundo os gregos), lá vai o Capuchinho (Capuchinha) pelas vias mais perigosas da floresta, dando de caras com o lobo. O tipo disfarça-se de avó (o Capuchinho também era míope, não? Batata crua, gelado…não vos lembra ninguém?) para apanhá-la, mas é o Caçador que o mata, protegendo as damas desavindas: menina, avó e mãe. Três mulheres: uma dedica-se à cozinha a fazer bolos à velha (que deve ser mãe, porque se fosse sogra metia veneno nos bolos), a filha vai levar os bolos à avó e a avó, pobre coitada (deficiente entrevadinha) ali está jazente, com as fraldas Lindor, decerto, ou nem o Lobo aguentava o cheirinho a mijo.

A Branca de Neve. Outro clássico. Como é mostrada a heroína? Frágil, sensível, branquinha, a Floribella à moda antiga, sem mãe (ai pobre!), muito ingénua e despreparada para o mundo. Embora haja versões porno desta história, questiono-me sempre: como terá sido a primeira noite da Branca de Neve sem os anões a ajudarem? É que a gaja encostou-se a eles durante muito tempo, a ver se era útil, se tinha jeito para alguma coisa. Não se sabe se a paparam ou não, mas deviam, porque viver tanto tempo à conta sem sexo envolvido não é bom para nenhuma das partes. Também existe a antítese da menina, que popularizou de forma negativa as madrastas: a invejosa madrasta manda-a matar, um, porque a Branca era mais jovem e bonita e o espelho quase se partia quando a gaja (a madrasta) abria a boca (não lavava a boca com Colgate, com toda a certeza), dois, porque a Branca era a herdeira de um balelas rico. Diga-se de passagem que é desta forma que eu conheço a história, mas não sei até que ponto é fiável. Da Branca de Neve todos têm pena: os pássaros, a árvore, o homem que a quer matar, até o espelho. Questiono-me se a Branca de Neve sabia fazer alguma coisa sem ser existir e respirar. De facto, precisava de um príncipe, ou isso ou se tornava prostituta (nada aliciante começar com sete anões!!).

E a Cinderella, vulgo Gata Borralheira. Esta história opõe a menina à madrasta, mas também, pasme-se, a pobreza à riqueza, qual tópico deslavado (realmente, com todas estas histórias, de onde terá vindo a ideia da Floribella?). Sim, porque madrasta e filhas querem casar com um príncipe rico para subirem na vida, só que lhes falta algo fantástico que a Cinderella tem e elas não: o pé pequeno. Portanto, a Cinderella, só porque calça o 35 ganha vantagem sobre a maralha das feiosas que calçam o 40? É uma grande razão…É o carácter que vence ou o tamanho do sapato? Também gosto de ideia de a menina ter uma fada madrinha velha, de óculos postos e varinha mágica, com regras definidas à partida: meia-noite em ponto a gaja está em casa ou vai de abóbora, vestido velho e sapatos rotos para casa, a pé ou de autocarro cheio de bêbados. Se todos os pais fossem assim é que era bom…nenhuma gaja pisava o risco.

Vamos a votos. Quem acha que as gajas hoje em dia ainda são assim? Há os Capuchinhos Vermelhos, que são as raparigas orgulhosas, teimosas, desobedientes e acabam por ser enganadas pelos lobos em pele de cordeiro. Há as Brancas de Neve: sonsinhas, falsas, fingidas, que vivem à pala do encostanço, do «ajuda-me que sou uma triste que aqui anda!». E finalmente as Cinderellas que, dissimuladas no meio do ódio das raparigas ditas fúteis, se casam com o Príncipe perfeito por uma magnífica razão: têm o pé pequeno. Continuo a achar os contos infantis muito actuais.

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