Sunday, April 15, 2007

O dia em que fiz 30 anos…

Queridos amigos:

Há 30 anos, no dia 15 de Abril de 1977, eu nasci. Estou certa de que isso não alterou a maior parte da política internacional e que se calhar já havia, nesse tempo, problemas na faixa de Gaza (desde que me lembro de ser gente que existem…). Alterou, decerto, a vida da minha mãe, do meu pai, do meu irmão, dos meus avós. Portanto, amigos, a faixa de Gaza não mudou, mas a vida de todos estes intervenientes e de muitos outros modificou-se.

Estou a fazer 30 anos e creio que a vida deles se tornou melhor. Por exemplo, a minha mãe diz que fiz dela uma pessoa mais calma, o meu pai divertia-se a levar-me pacientemente ao parque infantil, a minha avó gostava de me fazer totós, e eu estendia os braços ao meu avô. O meu irmão não gostou da novidade, mas hoje em dia creio que fui uma boa surpresa na vida dele. Herdei a sua maravilhosa capacidade de ter mau feitio, de não aturar pessoas malcriadas e de fazer amigos. Digamos que há um misto de ensinamento e vocação própria, porque inegavelmente eu nasci com algumas qualidades porreiras.

O meu irmão atrasou o meu crescimento em larga escala, porque me empurrou muitas vezes contra a parede quando eu era muito pequena (diz a minha avó), fez dos meus triciclos bicicletas com turbo ligado e colocou todas as minhas bonecas e ursos em posições de fazer corar qualquer estrela porno. O bom disto tudo é que eu aprendi a grande lição da minha vida: aprendi que nada ia ser fácil, mesmo que a avó fizesse tudo para eu não descobrir os podres ao mundo, haveria sempre alguém a puxar o meu triciclo, a deitar-me ao chão, a enraivecer-me. Por tudo isto, o meu irmão foi precioso, mesmo sem se dar conta. Estou a ser positiva e a excluir, propositadamente, a quantidade de estratégias ultra-diversificadas (daquelas que só mesmo uma criança pode imaginar!) para me diminuir a auto-estima. Mas quando penso nisso, penso na quantidade de pessoas que ao longo da minha vida tentaram – e infelizmente algumas com sucesso – diminuir em larga escala quem eu sou. Comparado a essas pessoas, o meu irmão foi um anjo da guarda, com ofensas que ainda hoje disfere e cujo sentido só eu consigo descortinar (os comentários ao meu cabelo eram desnecessários…).

Há 30 anos atrás estou certa de que a minha mãe me saudou com um lindo sorriso, até porque eu era muito rechonchuda. 24 anos depois tive de aprender a perdê-la numa morte que todos podemos considerar como «prematura», mas que, dizem as estatísticas, é extremamente vulgar: cancro da mama. A minha mãe marcava assim a parte mais dura da minha biografia, até agora, a perda e a depressão. O convívio permanente com uma realidade assustadora, avassaladora, desastrosa, que afinal está mesmo ao lado e eu nem me tinha apercebido bem foi penoso. Nem todos nós temos coragem para falar do sofrimento e da morte e eu não tenho jeito para Floribella, por isso não acredito que falar com uma árvore me vá ajudar. Também não tenho jeito para coitadinha, foi estratégia que perdi na infância, quando queria que os meus pais castigassem o meu irmão só para me vingar das maldades dele. Saúdo nesta pequena frase quem ainda consegue fazer-se de «coitadinho», incluindo filhos da mãe que se encostam aos outros na vida familiar, pessoal, familiar.

Isto é uma coisa que veio com os 30 anos: o mau feitio, ou, numa versão altamente melhorada «agora ninguém manda em mim». A mim ninguém se encosta, e isso já vem de miúda. Ai de quem me copiasse, eu também não aceitava ajuda de ninguém. Posso dizer que flexibilizei um pouco esse comportamento, mas sem exageros. Portanto, a enigmática frase da minha mãe «coitadinho é corno» aplica-se bem.

Desse tempo de doença, de morte e de depressão a lição foi tirada: acima de tudo, pragmatismo. Os outros irão achar que é frieza, distância, que disferimos golpes misericordiosos ou que simplesmente vamos embora quando a conversa não nos interessa. A questão é esta: um adulto é isso mesmo. É soluçar apenas com quem temos confiança e sabermos, à partida, que esse grupo de pessoas que nos ouve e ama se estreita, é diminuto e que não há lamentações ou contemplações nostálgicas que valham a sanidade de espírito. Portanto, a onda do «gosto de toda a gente» ou «toda a gente gosta de mim» devia acabar de vez quando começa a idade adulta. Há sempre alguém que não gosta de nós, paciência…

Agora vamos à grande dificuldade da minha vida, porque isto não é só força e vocês são testemunhas disso. A moral. Não ando por aí a fazer de objectora de consciências e a moralizar comportamentos, mas acho que, com o tempo e com os vários aniversários que virão, eu tenho de aprender uma coisa: a não me chatear tanto a procurar a verdade dos factos, cada pessoa é um mundo estranho e muitas pessoas representam mundos adversos, incompatíveis com o nosso. Se podemos enriquecer com alguém, devemo-nos aproximar, mas do que sabemos não querer, do que sabemos estar «moralmente» errado (para nós) devemo-nos afastar. Mais uma vez a inclemência pura e dura: não fazermos parte da vida dessas pessoas e colocar uma barreira que lhes indique claramente que não farão parte da nossa. Se tivermos essa capacidade, um dia aprendemos a outra: borrifarmo-nos por completo em quem não interessa.

Os meus 30 anos são muito bons por causa disto: aprendi qualquer coisa. Não me digam que isso é comum antes de olharem à volta. As pessoas aprendem mesmo qualquer coisa? Raras. Muito raras são as pessoas que sabem o que é uma causa e uma consequência, e aprendem a trilhar um percurso «seu», em vez de trilharem o percurso que os outros gostariam. Muitas pessoas também escolhem o caminho mais oportuno, mais fácil. Mas a lucidez e a clareza, que existem para toda a gente, não são caminhos fáceis. Antes de mais, temos de estar preparados para sofrer. Depois, temos de saber sofrer. Depois, temos de aceitar que estamos a sofrer. Depois sofremos. E a seguir concluímos o que tivermos a concluir do que sofremos, do por que sofremos, do como sofremos, e para que ou quem sofremos. Vejam quantas pessoas forem excluídas neste frase. Quase todas. Já não me acho nada presunçosa a dizer isto. É o que concluo nas minhas observações diárias. A iluminação vem com tempo, paciência, mas sobretudo dedicação. Se vivermos à margem ou na superfície, chegamos ao fim iguais. Não está mal para quem não quer crescer, mas para quem desejou ser uma mulher, como eu, não dá.

É altura de falarmos dos amigos. Um por um mudaram o meu trilho, o meu percurso, cada qual com uma qualidade ou um defeito ou um ensinamento, ou mesmo com a abertura de novas possibilidades. Quem era eu quando os conheci? Alguém muito diferente, se calhar melhor, se calhar pior. Diz-me a memória que todos tiveram comigo a sua história e com cada um desenvolvi uma capacidade diferente. Com uns fiquei mais tagarela, com outros mais cuidadosa, com outros mais esperta, e com muitos desenvolvi capacidades de auto-estima, de trabalho, de dedicação, de partilha e também de grande alegria e cumplicidade. Com outros aprendi a sabedoria maior da vida: sabe-se sempre muito sobre qualquer coisa e quase nada sobre outras coisas. Todos me ajudaram a não estreitar as vistas, a não olhar sempre do mesmo modo nem para o mesmo lado nem para as mesmas coisas, a ser mais ou menos flexível ou dura. Todos me ajudam ainda, sem vacilar. De nenhum dos meus amigos recebi um «não», a não ser por motivos de força maior, ou qualquer espécie de cobrança pela sua dedicação à minha pessoa. Mas acredito que o meu percurso é ainda incipiente, está muito no início, por isso venham daí…

Beijinhos.

7 Comments:

At 4:23 PM, Blogger paulo said...

Mestre amiga,

Grande texto, como todos os outros aliás (sim, porque apesar de não to dizer, eu costumo passar pelo teu blogue para ler os textos bem humorados que escreves). Mas este é especial, talvez pelos 30 anos. No fundo, vi-te crescer muito desde que te conheço (há para aí 10 anos, não?).

A vida não é fácil e as pessoas não ajudam, aquelas com quem tropeçamos no dia-a-dia: como dizes, ninguém manda em ti (essa é uma grande conquista), a moral é imoral, etc.

Não sei se contribui muito, mas espero ter-te ajudado em algum momento (e não só a deitar-te abaixo!). Tenho a certeza que ainda tenho muito a aprender contigo e, dessa forma, irei contigo até ao fim do mundo.

Repito o que já te disse várias vezes: admiro-te pela linda pessoa que és, pela força que sempre demonstraste - mesmo quando ficaste para trás nas passadeiras -, pela abertura que tens em aprender e em crescer, pela tolerância, pela competência... eu sei lá, por tudo. És maravilhosa e grande. Por isso, se alguém algum dia te disser o contrário, diz-lhe que o teu amigo mestre mongo vai lá e lhe ensina o que é elevar alguém à mínima insignificância existencial, que é, sem circunlóquios ou eufemismos arrevesados, a escatologia da merda.

Por isso, e muito mais, quando pedes companhia no percurso, já sabes: estou/estarei contigo em todos os dias das nossas pequenas (grandes) vidas!
Parabéns por mais um ano de experiência e de sabedoria,
Paulo S M

 
At 4:23 PM, Blogger paulo said...

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At 2:29 AM, Blogger Brisa said...

Bino, espero que tenha tocado a tua vida como tens tocado a minha, apesar de nos conhecermos há tão pouco tempo.

Votos de uns bons 30 anos, que vais viver como nunca viveste até agora, porque os sonhos não acabam: concretizam-se!

Um grande, grande beijinho de parabéns!

P.s. Desculpa a "porcaria" e barulheira de ontem... Prometo rifar o Serginho asap!!!

 
At 2:27 PM, Blogger fercris77 said...

Querido Mongo Mestre, em primeiro lugar queria dizer-te que me ajudaste sempre (acho que me obrigares a ser mais lesta nos passos não tem mal nenhum, graças a ti ando tão rápido que ninguém me apanha!). Depois queria dizer-te que retribuo por inteiro o teu sentimento (impecável) de ir até ao fim do mundo. Amigos são para isso mesmo, para a família é obrigação (nem sempre cumprida) para os amigos é opção, por isso escolhemo-nos uns aos outros.
Há pessoas que não têm de fazer parte da nossa vida, ignorar a sua existência chega. Há outras que fazem parte simplesmente pelo que são, enquanto seres humanos, pela empatia e generosidade com que se predispõem a atravessar o deserto do mundo connosco (como no poema de Sophia).

Um beijo grande para ti, tb. MONGA

 
At 2:31 PM, Blogger fercris77 said...

Querida Brisa de um dia de Primavera: em primeiro lugar, aqui o Bino é que folga muito em te ter conhecido, qual pérola de uma ostra dos mares algarvios!
Em segundo, o Serginho é muito bebé, há milhares de aniversários dele que posso estragar, tentando partir a louça, fazendo barulho, chorando alto, creio que gaja que é gaja consegue ser histérica q.b. Posso sempre enfiar-me debaixo da mesa e bater com a cabecita várias vezes para ninguém conseguir comer nada de jeito! Hehe.
Deixa, foi uma festa linda! Estiveram, isso é que é importante. Como diria o Pes, ficámos a saber que nesta casa cabem 10 pessoas e um bebé...

Beijo grande da cunhadinha, qual pérola de uma ostra de mares algarvios tb (olha que coincidência!)

 
At 12:40 PM, Blogger XaninhA said...

Eu já devia ter vindo aqui dizer o quanto és importante para mim, e poderia dizer que não tive tempo, mas isso não seria uma desculpa plausível. Porque tu és uma amiga que merece palavras bonitas. Actos bonitos. Pensamentos bonitos. E gelados Colômbia em todos os almoços :)

Porque gosto muito (mas mesmo muito!) de ti e às vezes sinto que te podia estimar mais (como nos últimos tempos, talvez...), mas eu também tenho uma concha que de vez em quando me fecha lá dentro e como é pequenina só eu é que posso lá estar.

Quando fui para a Madeira, escreveste no teu nick (até eu voltar) que eu te fazia muita falta. Mas tu não imaginas a falta que tu me fazes. Porque as amigas como tu encontram-se como eu te encontrei, por acaso, e é por isso que é tão raro encontraramos uma.

Espero que o meu presente tenha servido para teres pensamentos mais bonitos e te poupares dos maus karmas com que tens de te deparar, porque tu também és uma gaja que merece ;)

Beijinhos muito grandes e Parabéns outra vez (porque quantos mais anos fazes, mais eu gosto de ti) :)*

 
At 10:36 AM, Blogger fercris77 said...

Querida Patrícia:

Agradeço o teu voto de parabéns e retribuo insistentemente. Não acho nada que não me estimes o suficiente e acho muito bem que tenhas uma concha só para ti. É bem pior tentarmos invadir o espaço alheio quando não devemos, e eu também sei estar calada, simplesmente a ouvir, quando tu precisas, do mesmo modo que tu fazes comigo. Num ano ouviste praticamente todas as histórias frustrantes da minha vida e também não te queixaste. Algumas tinham bastante graça e ainda rimos delas, mas outras nem por isso e eu ainda choro baba e ranho.
Essa é a minha concha, tão frágil, tão dócil, tão espezinhada às vezes. Tenho de a tornar mais dura, mais capaz, mais impenetrável a larápios (e larápias) do bem-estar alheio. Todavia, socorro-me de muita ajuda nessa tarefa complicada. Mesmo em momentos bons, sou tolhida com força por milhares de outros muito maus. Como diz o Pedro, vendo a frio, que andamos aqui a fazer no mundo? Se formos positivos (e eu às vezes até sou) andamos aqui para aprender quem somos, o que fazemos e o que podemos fazer pelos outros.
Como diria o Jimmy Carter, antigo presidente dos EUA, a única coisa de que nos devemos arrepender é a de não nos termos divertido o dobro em todas as situações. O meu pai ensinou-me o mesmo, porque sempre que vê uma carreta funerária diz «aquilo é muito confortável lá dentro!», em vez de choramingar como a minha avó ou fugir.
Acho que, como tu dizes, dou atenção a coisas que normalmente as pessoas não dão. Tem o seu lado bom: sou muito observadora, tem o seu lado mau, sofro muito mais quando podia estar a «curtir» a vida. Ainda tenho muito que aprender...
Gosto muito de fazer anos para poder aprender, dizer que cresci, fazer mais amigos. Para o ano há mais!

Beijinhos!

 

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