Para quem já não acredita no Pai Natal
Apesar de não estarmos assim tão perto do Natal, o comércio abre as suas portas a todos os gastos desnecessários dos portugueses, a começar por velas, pais natais, anjinhos e as merdinhas do costume. Pelo menos é uma época em que reenfeitamos a casa, reformulamos as cores, e colocamos vermelho, verde e dourado em todo o lado. Enfim...haja coisas boas para contar.
Nem todos têm o chamado 13º mês, por isso nem todos podemos abrir os cordões à bolsa para oferecer coisas aos amigos.
Sinceramente, detesto o Natal, desde há muitos muitos anos, e nunca recuperei bem desta neura gigante que é haver Natal. Para dizer verdade, o último até foi bom, porque a Lisa e a Maria (irmã da Lisa) fizeram petiscos divinais, cheios de gordura e açúcar, enquanto esperávamos para conhecer a trombinha do nosso Menino Jesus, o Serginho (que valeu bem a pena!). Para trás desse Natal ficaram imensos que simplesmente odiei, feitos de um pendor trágico porque alguém estava doente ou tinha morrido. O Pedro também detesta o Natal. Quem sabe este ano possamos ser um casal boicotador do Natal e não permitirmos a entrada nem a um Pai Natal na nossa casa?
Quem é o Pai Natal? Ninguém sabe. Nem o Boss AC. Nem eu. Agora todos entendemos o que representa o Natal, quer sejamos católicos quer não sejamos: representa a comunhão, o espírito de grupo, a partilha, o amor, a família, mesmo que todo o ano sejamos umas bestas de merda, trapaceiros e filhos-da-puta, na casa, na rua, na escola, no trabalho, com o namorado ou com a namorada. Portanto, o símbolo do Natal não deveria ser o Pai Natal (que como diz o Boss AC, se é pai, é pai de alguém), deveria ser o Peidalhaço, um palhaço porco e mau para as crianças, que não se esquiva a laivos de pedofilia e sadismo. O Peidalhaço representa o pior de todos nós. Representa a porcaria toda que guardamos cá dentro, desde o ódio mesquinho à inveja, e representa as vontades reprimidas: há pessoas a quem de gosto faríamos o que ele faz às crianças, mandá-las passear, chamá-las de estúpidas, reduzi-las a caganitas.
O que irrita no Natal é mesmo a hipocrisia. Pronto, é uma festa. Deveríamos reduzir o Natal a isso mesmo, a uma mera festa. Como o Carnaval, que não é católico. Era mais honesto. Agora oferecermos presentes só porque sim...Termos férias só porque sim. Bem, está frio. A utilidade das férias é ficar em casa sem fazer nada, porque chove, troveja, faz frio. Eu gosto de ficar em casa, na net ou a escrever, a ler. Essa falta de sol também parece que influencia largamente a nossa disposição, tornamo-nos mais amargos, mais tristes. A falta ou o excesso de sol irritam-me.
No Natal é uma pena não haver castigo para os imbecis. Devia finalmente fazer-se justiça. Deviam vir os castigadores da parvoíce, como no Gato Fedorento, e dar cabo do miolo à maior parte das pessoas. Não era preciso isso. Bastava que de repente os imorais adquirissem uma moral. Nunca mais dormiriam à noite. Isso é que era um filme...Bastava que os imbecis fossem iluminados de repente. É que era lindo. De repente as pessoas estúpidas apercebiam-se de que eram estúpidas. Ai que maldade seria!
Durante esta época comercial, o que eu gostava hoje era aquilo que eu desejava quando era menina, mas um pouco mais elaborado e menos beato, menos católico. Na altura, quando eu era criança, queria muito a paz no mundo e que as pessoas se dessem bem. Hoje em dia, a paz no mundo continua a ser requerida e necessária, mais não seja para assegurar um lugar mais calmo aos nossos filhos, netos e sobrinhos (se os tivermos). Mas as pessoas darem-se bem é que já me parece idiotice, dado o estado actual que as coisas levam. É algo indesejável, a menos que sejamos puramente hipócritas. As pessoas são confusas e não se dão bem, é chato mas é verídico. Não vale a pena puxarmos por aquilo que achamos e classificamos como correcto. Não vale a pena tentarmos mudar circunstâncias que não podemos. Não vale a pena mudarmos as pessoas e a sorte delas. Muitos de nós seguimos caminhos onde impera a tristeza, as trevas mesmo, no pior sentido. E, mesmo que estejamos a ver, nada podemos fazer. Talvez não seja a melhor moral do mundo ficar calado, mas falar é completamente inútil. Caramba, o que dizer a alguém que se enganou no caminho, se não deixá-lo ir até ao fim? Esta impotência dói-me, mas é totalmente humana.
Nem sempre posso amenizar o sofrimento do próximo. Por acaso terei eu dado conta que a minha mãe sofria de cancro antes de ela contar? Não. Que poderia eu ter feito? Teria evitado se tivesse insistido com ela mais ainda para ir ao médico? Nunca vou saber. E cada Natal que passa eu sei menos sobre a vida, sobre o concreto, sobre a transcendência, sobre a dor. Só sei que são humanas e que completam quem nós somos. Que necessitamos da dor para saber que estamos doentes, que necessitamos do concreto para saber que estamos vivos, e que necessitamos da transcendência para saber que temos fé em alguma coisa, seja Cristo, Buda ou nós próprios. Ter fé é preciso. Nem que seja ter fé no amor e na vida. Nem que seja para dar o exemplo, é um argumento um bocado estúpido, eu sei, mas um professor é sempre um pedagogo, por isso nunca perdi este vício consideravelmente funesto de dar exemplo (coisa que, na prática, não consigo sempre fazer).
Muitas vezes me sinto uma pessoa fragmentada, toda partida em pedaços. Não sei quem sou, não sei como intervir na sociedade e na vida. Sei que há diversas maneiras bem simples e nada problemáticas, mas também há outras que passam por uma coragem sem precedentes, como dizer a verdade sem magoar. Onde posso eu intervir? Tenho a certeza que cada um de nós, a seu modo, pode intervir, nem que seja de uma forma competente, ou somente com um sorriso. O senhor dos CTT do Colombo é muito simpático, sobretudo com os velhotes e todos lhe falam como se ele fosse um amigo de longa data. Tenho a certeza que o ordenado dele não comporta esse simpatia (afinal é um emprego do Estado, certamente mal pago). Ele faz a diferença. Ou como ele é que todos deveriam ser, talvez isso, de qualquer modo primar pela educação já vai sendo raro.
Na vida dos nossos amigos fazemos sempre a diferença, com o que dizemos, fazemos, com o que construímos com eles. Mas na vida de estranhos, que diferença podemos fazer? Por exemplo, eu trago presentes de Itália às pessoas mais diversas e inusitadas. Chamem-me o que quiserem: interesseira, por exemplo. Eu também brinco com isso e digo que compro as pessoas com facilidade. Mas na realidade não é assim. É importante para mim interagir. Se eu passar todos os dias pelo porta da biblioteca e disser «bom dia» talvez não chegue. Talvez o sr. João da biblioteca também mereça um presente só por estar ali, presente, e ser simpático comigo. É nesta crendice estúpida de que as pessoas têm um fundo por revelar que podemos pòr a nu, ou mesmo de que podemos mudar alguma coisa na vida dos outros para melhor (como no filme da Amélie Poulin) que eu me baseio. Não sou tão doce (nem chata) como a minha avó, que acha toda a gente boa e bem intencionada, ou talvez não seja tão ingénua. Apesar de tudo, acredito nos outros e na revelação que podem ser para nós se forem bem tratados.
Evidentemente que há muitas e muitas excepções. Mas por uma vez na vida, e por muito hipócrita que seja o Pai Natal ou o conceito que o enforma, vamos acreditar que são mesmo excepções, que xoxas velhas que se apropinquam de gajos ingénuos com cheta no bolso e boa vontade não fazem o mundo, que gordas frustradas e com falta peso em cima que falam mal de nós nas costas e nos lixam não são assim tantas, que tipos arrogantes por terem títulos mais cotados do que os nossos nem sempre são arrogantes e nos maltratam, e por vezes até nos dão a mão. Há tanta gente que não merece tanta coisa, bolas...que não merece nenhum respeito, mas o obtém só respirando. Mas também há tanta gente que leva a vida a tentar obter o respeito dos outros da forma mais transparente e honesta possível, fiel ao que ama e ao que sente, de facto. Vamos acreditar, por uma vez na vida, que o Arcanjo S.Miguel degola as xoxas velhas e deixa lúcidas as pessoas que vivem a olhar para as sombras da caverna de Platão, repondo assim a justiça universal. Acima de tudo, gostaria imenso que todas as pessoas tivessem o mesmo privilégio que eu, de conhecer pessoas esclarecidas e com força interior, como a Elisabete, de conhecer pessoas tão bem intencionadas quanto o Pedro, de conhecerem pessoas que almocem connosco à pobre, no jardim do Campo Grande, mas são ricas em sonhos (Patrícia, é a tua deixa), de conhecerem pessoas que ensinam como estarmos sentados e manter a postura, como o JPA, de conhecerem pessoas que fazem lembrar que há bactérias em todo o lado, como a Patrícia Torres, ou de conhecerem alguém como a Tembwa, que conta anedotas sobre tudo, fantasiando e gozando consigo mesma. Amigas com a força da Paula, da Sandra, da Estela, da Diana. Amigos com a força magnânime e surpreendente do Paulinho. Ou com a ética do Eduardo, que vai a cascos de rolha telefonar-me para Roma a saber do que é que preciso. Ou como a Célia, que diz o que pensa sem medo (quem me dera a mim). Se as xoxas velhas tivessem amigos assim e os aproveitassem como eu, sem os sugar de forma medonha, não viviam no mundo das trevas. Mas xoxas velhas não chamam amigos assim. É preciso garra, mas também doçura, para conquistarmos as pessoas e colocá-las do nosso lado, sem todavia pedirmos o impossível às pessoas, que é estarem sempre do nosso lado. Isso eu não peço. Não posso pedir.
Não acredito nada nesse velho tonto que é o Pai Natal. Não gosto nada da beatice que é o Natal, com as igrejas cheias e os peditórios para tudo e mais alguma coisa. Esse aproveitar da carruagem desagrada-me solenemente. Só que quero muito acreditar que o Arcanjo São Miguel vai actuar com a sua espada, senão estou certa de que arranjará alguns discípulos para fazer o seu trabalho.
5 Comments:
Ainda bem que me indicaste a morada do Pai Natal...assim possso lá ir dar-lhe um murro.
Deixa o Pai Natal em paz!
Às vezes é só isso que precisamos - acreditar noutras coisas - para que tudo faça sentido*
Tá bem, para a próximo digo mal do presépio...
Não podes falar mal do presépio! Quando vivia com os meus pais, todos os anos tínhamos um dia maravilhoso no 1º feriado de Dezembro. Íamos cedo para a serra apanhar musgo, passeio que nos divertia até cairmos para o lado. Chegávamos a casa e a mãe tinha o almocinho pronto para o batalhão. A seguir, passávamos a tarde a construir um fabuloso presépio, com burros, vacas, Jesuses, Marias e Josés a dobrar, ovelhas por todo o lado, lagos com patos, fontes e tudo o mais que a imaginação conseguisse apurar. E até ao dia de Reis contemplávamos a nossa obra. Era um ritual tão, tão bom! Por isso, não te atrevas a ajavardar com o "meu" presépio!!!!
Lolol...Lisa, a Célia conhece uma pessoa ultra-religiosa que rouba presépios e ri-se assim: heheheheeh. Pergunta-lhe. (desculpa, lembrei-me desta história, da lágrima da Célia porque uma beata lhe roubou um presépio!!)
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