Sunday, October 15, 2006


Lisa e o pote de ouro

Caros leitores deste blogue (e sei que não falo para uma massa humana, mas só para meia dúzia de pessoas): quero confessar publicamente que tenho sido injusta, pois só tenho premiado alguns com textos ditos «especiais» e tenho deixado outras pessoas para trás, não tanto por maldade, mas porque outros assuntos foram tendo primazia. Escrevo um pouco conforme os assuntos aparecem e se impõem no meu espírito, mas nunca escrevo sobre tudo, há imensas coisas que vão ficando para trás, mas estão cá na mesma, guardadas, à espera da sua vez. Por isso, agora que a Lisa fez anos (só dezoito, ok?), dedico-lhe este post, que ela certamente irá adorar, mas, caso não goste, tem bom remédio, critica-me ou nunca mais me deixa roubar-lhe bacon (dentro do prazo) do seu frigorífico.
A Lisa diz que nunca se sabe bem o que eu penso excepto quando digo. Quem dera que fosse assim…porque eu acho-me muito transparente, não tenho nada essa percepção de mim, mas, em caso de dúvidas que pudesse haver (nessa eventualidade) vai um post para a Lisa.
Ultimamente ando a dividir os meus textos por pontos, por isso aqui vai o primeiro. A Lisa é a minha cunhada, título que ela achará indevido porque ainda não é casada com o meu irmão (como diria o meu amigo Jorge, vive amantizada ou em regime de cuncumbinato), e como ela própria diz, e bem, antes disso é simplesmente a Lisa, assim como eu sou o Bino. De qualquer forma, títulos familiares à parte, a Lisa é minha amiga, posso dizê-lo com segurança, apesar de eu a ter conhecido há menos de um ano. Tal como a Patrícia França, é daquelas pessoas com quem confraternizamos pouco tempo mas que parece que conhecemos noutra vida e que estamos a completar a conversa que iniciámos noutro universo, noutro mundo. Por isso, algures no tempo e no espaço, para quem acredita, a Lisa e eu talvez nos tenhamos cruzado ou sido irmãs, ou mãe e filha, ou só amigas, ou até cunhadas.
Como boa cunhada, a Lisa dá-me a roupa que já não lhe serve (fazendo de mim o verdadeiro modelo Outono-Inverno), como boa amiga, trocamos o máximo de cosquices possível e imaginário, traçando perfis de pessoas tão estranhas como o casalinho-do-Talho e muitas outras pessoas cujo nome devo omitir. Mas como mãe que é (do Serginho), e amiga também, a Lisa tem sempre um sábio conselho na ponta da língua, uma teoria e um truque para todos os problemas, e, como qualquer mulher que se preze, orgulha-me, porque é mais rápida do que a própria sombra e faz tudo ao mesmo tempo.
Não me considero uma pessoa fácil. Os meus amigos dizem que sou sociável e não tenho mau feitio, mas eu não acho. Já viram bem este blogue? Digo mal de tudo, desconstruo a realidade, mostro bem o meu ódio a alguns comportamentos. E não escondo isso, não tento ser agradável. Na vida de todos os dias, disfarço muito mais, sob pena de ficar sem emprego, mas pessoa que eu não goste não gosto mesmo, e distancio-me até poder, seja onde for. Geralmente o que leva a isso é a diferença de carácter inconciliável: as pessoas podem ser estranhas, terem manias, maus feitios, e vestirem-se de preto dos pés à cabeça, tanto me faz. Não podem é ser estúpidas e más. Não podem andar armadas em cagalhões no sapato dos outros ou terem cara de saco de vómito. Mesmo que pertençam – ou eventualmente venham a pertencer – à nossa família, não tenho qualquer consideração por pessoas que me magoam e ferem os meus valores profundos. Sem valores, somos apenas um invólucro sem conteúdo.
Infelizmente, não podemos ser sempre sinceros (à excepção do meu sogro, que é a pessoa mais sincera – e dura – que conheço) e dizer na cara das pessoas o que pensamos, muitas das vezes para não criarmos más relações no emprego ou na família, ou para não magoarmos terceiros. É por este motivo que topamos graxistas e mentirosos à légua mas não dizemos nada. Depois porque temos todos de ser racionais e mostrar que não somos doentes mentais (apesar de uma grande parte das pessoas ser doente mental), portanto não podemos andar por aí a bater nos outros por tudo e por nada, mesmo que nos apeteça (excepto o meu sogro), o que é uma pena, porque os outros por vezes parecem gozar com a nossa cara por tudo e por nada. Como diria a Lisa, a melhor arma, o melhor remédio é o desprezo. E como eu digo sempre, acima de tudo calma, porque como escreveu o Deepak Chopra, se a violência gerar uma resposta violenta, criamos mais turbulência no universo e geramos mais violência. O mundo é a prova disso.
Por isto tudo acho que a Lisa para mim vale por ela própria, pela amizade que nos une, e não tanto pelo lugar que ocupa, legitimamente, no coração do meu irmão, qual casal «pensalinho» lindo de morrer! Até vos digo por experiência própria, e a Lisa, melhor do que ninguém, sabe do que falo, ocupar o lugar do coração de uma pessoa é uma grande responsabilidade, e muitos (e muitas) não levam nada a sério isso, comportam-se como se nada fosse. Isso é andar na vida como carrinhos de choque, sem eira nem beira, mesmo que se tenha objectivos válidos, se as coisas são conseguidas a explorar o outro, penso que o valor do caminho trilhado e do resultado obtido é completamente nulo. Mas muitos dos seres humanos regem-se, socialmente, pelo que parece e não pelo que é, regem-se pela finalidade e não pelo percurso, o que para mim subverte todo o significado de existirmos e de nos relacionarmos com o próximo. O pensamento mais correcto seria o do budismo tibetano: podemos morrer a qualquer altura do processo de aprendizagem, do nosso caminho, sem chegar à finalidade. Se todo esse percurso for moralmente errado e nunca chegarmos ao objectivo, para que serviu a nossa existência? O budismo tibetano defenderia a tese da reencarnação como expiação de erros, mas vamos supor que a reencarnação não exista e que só temos esta vida. Não teríamos desculpa possível. Por isso eu não acredito na vida para além da morte nem na reencarnação: para não haver desculpa possível para não termos dado o nosso melhor. Se acharmos que não temos mais vidas nem reencarnamos, somos obrigados a olhar para o nosso percurso de uma outra maneira: só temos esta oportunidade, esta chance, e nesse caso, vamos ocupar o nosso precioso tempo a estragar a vida ao próximo? Claro que o budismo defende a tese contrária: porque reencarnamos devemos ter uma responsabilidade «kármica», de aprendizagem com os nossos erros, para na próxima reencarnação termos boas oportunidades, saúde, sorte, felicidade. É válido pensar de uma maneira ou de outra, desde que se pense nisso pelo menos uma vez na vida (acho eu).
Pronto, e da Lisa passei para o budismo tibetano.
Do ponto de vista da família, temos de ser honestos, nem todas as entradas são bem vindas, excepto os bebés. As outras pessoas que entram são escolhas dos nossos irmãos ou pais (se algum for viúvo ou divorciado). Muitas das vezes, se pudéssemos ser nós a escolher seria uma escolha muito diferente, provavelmente queremos o melhor para os outros, mas a realidade é que não podemos sempre opinar, mesmo quando vemos, à partida, que o resultado é desastroso. O caso da Lisa é diferente, porque eu não conseguiria fazer tão boa escolha como o destino e o meu irmão fizeram. Num mundo diverso, em que somos obrigados, muitas vezes, a partilhar espaço e a perder tempo com pessoas insonsas e mal intencionadas, a Lisa não é só uma cunhada, é o meu pote de ouro ao fundo do arco-íris.

2 Comments:

At 8:15 AM, Blogger Brisa said...

Eu diria que quem é um pote de ouro é o Ric! Sem querer, ele trazia na package da sua pessoa não só as suas qualidades mas também um doce especial. Daqueles que fazem lembrar o tesouro que é um bom-bom da regina - muito pequenino, mas reluzente na sua prata colorida (azul ou verde ou amarela ou vermelha). Ou daqueles que vêm no pires do café. Este docinho-surpresa tem um nome - chama-se Tininha. Quando lhe comecei a tirar a prata, não fazia ideia do recheio rico que teria. A amizade da Tininha é como o prazenteiro saborear desse bom-bom. É sempre uma surpresa, é sempre bom e fica-se sempre à espera que venha outro bom-bom!

 
At 5:24 AM, Blogger fercris77 said...

Querida Brisa: Este foi o teu comentário mais original. Deu-me vontade de ir ver o filme «Chocolate» e comer kinder surpresa!!
LOL.

Bjs e obrigada!

 

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