O que não podemos dizer mas gostaríamos de dizer Existe uma quantidade de coisas que gostaríamos de poder dizer, algumas a pessoas que nos aparecem à frente, na vida, outras a pessoas de quem muitos gostamos e que fazem parte da nossa vida familiar e íntima. Somos, no entanto, regulados por uma série de princípios morais, que nos incutem bom senso e a capacidade de ficarmos calados nas piores situações, mesmo que sintamos que o coração e a cabeça de um amigo estão ameaçados. Ficamos calados em nome das paixões dos outros, dos gostos dos outros, das escolhas dos outros, mesmo que os nossos gostos e as nossas escolhas também sejam ameaçados. Em nome dos outros, ou do bom nome dos outros, ficamos calados, no mundo soturno e macabro do silêncio. Achamos que não devemos criticar, nem dizer, nem molestar. Quais as consequências do nosso silêncio? Na verdade, a vida dos outros é a vida dos outros, não nos devemos meter e devemos guardar a nossa opinião no saco. Mas sinceramente, quando vêem um amigo a ser enganado, mesmo que seja em nome do dito «amor» ou da dita «paixão», não vos apetece berrar que é injusto? Porque devemos ficar calados quando a consciência grita que não pode ser assim? Em primeiro lugar, porque nos ensinaram a respeitar as opções das outras pessoas (se é que nos ensinaram), sejam opções de cabeça ou de coração. Em segundo, calamo-nos porque gostamos das pessoas, e as razões passionais falam quase sempre mais alto. E em terceiro, aprendemos desde pequenos que, como dizia a minha mãe «quem vai vai, quem está está», quer isto dizer, o melhor é não nos metermos onde não somos chamados, mesmo que custe. Depois, e lendo os livros tibetanos budistas aprendi isto, cada pessoa tem o seu percurso pessoal, e nem sempre podemos influenciar o livre curso das coisas, ou seja, o que tem de ser tem de ser. Se ninguém evita o nosso sofrimento pessoal, porque haveremos de tentar evitar o dos outros? O que acontece é que, se formos bons ouvintes, todos os dias somos influenciados pelas palavras e pelos gestos das outras pessoas. Podemos ser mal encaminhados, mas também podemos ter nas pessoas uma espécie de anjinho da guarda protector. Se muitos dos meus amigos não me tivessem dado sábios conselhos e ensinamentos, hoje eu não seria a pessoa que sou: seria alguém muito mais fechado no meu pessimismo e frustração. É muito importante expor os nossos problemas. É uma atitude de humildade. É evidente que temos de saber ouvir, discernir e a opinião dos outros tem um lugar, podemos ou não concordar com ela, e eu já tive discussões com os meus amigos discordando deles em tudo. O acto de dizer e de ouvir são essenciais. São a prova de que somos humanos. E quando dizer não adianta nada? Temos de nos fazer à estrada, porque nem sempre somos ouvidos como desejaríamos, e nem sempre ouvimos como devíamos o que os outros nos dizem. A minha mãe dizia-me coisas que só hoje fazem sentido, e muitas outras ainda virão a fazer. Sabia mais do que eu, observou mais do que eu, viveu mais do que. Se eu não tivesse ouvido a minha mãe, hoje em dia seria uma pessoa muito menos inteligente e sensata. Ouvi-la permitiu-me ganhar experiência e sabedoria, ao longo destes últimos anos, sem esperar grandes agradecimentos ou reconhecimento. O reconhecimento do que somos, do nosso carácter, vem com o tempo. O olhar dos outros só pode recair sobre nós justamente se tivermos calma e sabedoria. O universo por vezes tem de dar a volta inteira para o nosso valor ser reconhecido. O universo tem de dar a volta para entendermos quais as consequências das nossas opções, das nossas acções, das nossas palavras e qual a importância e o lugar das dos outros. O universo não castiga, mas dá a volta. A vida faz-se de impermanência. |
2 Comments:
A vida faz-se de impermanência. E tudo o que eu poderia dizer cabe dentro dessa frase. Por isso escrevo, a vida faz-se de impermanência, mais uma vez, e espero que tudo fique como está.
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É, meu amor, mas eu sei que custa muito, que a impermanência dói e, como tudo o que dói, aprende-se a suportar. Mas não é fácil. Custa.
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