Friday, September 15, 2006


A imunidade

Dou comigo a pensar, muitas vezes, que o segredo da vida é ganharmos imunidade. A tudo. Às pessoas de quem não gostamos, às situações menos boas, à tristeza, à depressão dos dias sem sol. A experiência, a luta e a nossa capacidade de resistência é que nos dão imunidade, mas às vezes só com muito trabalho entendemos porque é que ganhámos, ou não, uma carapaça de defesa e de resguardo. Em relação a muitas situações e pessoas, eu acho que, por muito trabalho que eu faça, nunca vou ficar imune, porque a estupidez e a corrupção perturbam-me de alto a baixo e até me fazem tremer. Aquilo que é fácil para alguns é, afinal, muito difícil para outros. Assim como sei que dificilmente me adaptarei a andar de avião, assim também calculo que nunca me adaptarei inteiramente a lidar com algumas situações pessoais que me transtornam.
Dou comigo a pensar que muitas das coisas que fazemos, fazê-mo-las a fim de ganhar imunidade e resistência. Ginástica, por exemplo. Mudar o corpo também não será mudar a alma? Muitas pessoas também casam com esse espírito. Eu tenho claramente essa sensação, mas casei-me há muito pouco tempo, ainda devo ter a minha mente tolhida pelos primeiros dias de casamento, penso intensamente que a minha aliança me confere poderes sobrenaturais. Apesar de perceber que há resistências que não ganhei, com o Pedro sinto-me mais forte e mais capaz, talvez por haver alguém à minha espera, ao final do dia, com quem eu sei seguramente ser capaz de construir um futuro. Naturalmente as coisas não são cor-de-rosa, aliás, nunca foram até aqui, na minha vida, mas este passo significou uma nova etapa, que considero sobejamente positiva e grandiosa.
Muitas vezes me dizem que é melhor sermos imunes a comentários maldosos e funestos ou a olhares similares, mas, enquanto a minha cabeça tenta transferir essa ideia vezes sem conta ao meu subconsciente, a realidade é outra: eu importo-me muito. Por motivos que não sei explicar, ao contrário da maior parte das pessoas, eu odeio que tenham inveja de mim. Gosto de ser admirada por um trabalho bem feito ou uma atitude bem tomada, ou uma palavra bem dita (ou escrita), mas não gosto que a inveja faça parte dos meus dias e os ensombre, porque a verdade é que parece que há sombras a perseguir-me. Esta noite ouvi a minha mãe dizer-me a seguinte frase, vezes sem conta (mentalmente, claro, que ainda não estou maluca): " Contra sacanas usa o amor ". De facto, sejamos francos, nada derrota mais o inimigo do que sermos felizes e fazermos as coisas com coração. Nada nos torna mais imunes à desonra do que o amor. Custa muito, mas na verdade é esse o segredo.
Tenho pavor de gente corrupta. Não é só daquela corrupção social, de os polícias aceitarem dinheiro para não passarem uma multa pesada. Tenho medo sobretudo da corrupção de sentimentos, das pessoas que já deixaram de acreditar em si próprias e nos outros, e por isso se vendem por coisas miseráveis. Outras não se vendem por coisas miseráveis, vendem-se por uma vida de conforto e sem preocupações monetárias. Isso parece-lhes mais válido do que o amor. E até têm filhos, porque assim seguram a relação pelo tempo que lhes aprouver. A mim essa corrupção parece-me bem pior do que aquela corrupção gerada pela pobreza extrema, em que todos se vendem para dar comida aos filhos, porque em termos morais é muito mais funesta, deixa de haver sentimentos. Uma pessoa lúcida e batida na vida vê quando os outros têm o coração adormecido, ou mesmo morto. Eu gostava muito de ser imune a isso, mas nunca consegui. Toda a vida me tenho apercebido de que a desonestidade fica muitas vezes a ganhar, quando tem uma face fresca e largamente fingida, e em muitas das vezes é coerente o suficiente para enganar os outros. Esses são enganos que não sabemos quanto tempo duram, mas que deviam ser largamente castigados. As formas de prostituição encobertas são as piores, porque socialmente são aceites, e por vezes até no seio da família.
Há pessoas contra as quais é difícil ganhar imunidade, porque nos parecem de tal forma convencidas de si mesmas que não saem dali para conversar, conviver ou dizer uma piada, e percebemos que o seu carácter é uma falha do universo, ou então um percalço que está ali para entendermos que nós não somos, nem queremos ser assim. Talvez seja esta a utilidade das pessoas com falhas de carácter graves: fazer-nos entender (e eventualmente aceitar) a diferença, fazer-nos evitar um caminho e apontar outro, ou eventualmente servem para nos fazer confundir o certo com o errado. No final, por muito que doa, compensa conhecer estas pessoas, porque assim saberemos sempre como não educar os nossos filhos (a menos que queiramos filhos pedantes, hipócritas e snobs), como não nos relacionarmos com as pessoas, como não devemos ser connosco e com os outros. Num mundo rodeado de egoísmo e brutalidade, ser são de espírito vale ouro.









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