Wednesday, August 09, 2006


Os pusilânimes

Há uns anos atrás, não muitos até, sobretudo quando me dediquei à leitura de livros budistas, eu andava a aprender que todas as pessoas dão a sua contribuição ao mundo, são importantes, têm o seu papel. Volvidos estes dois ou três últimos anos, eu continuo a ler livros budistas mas a não acreditar em quase nada do que lá está. Porque não consigo mesmo e a realidade prova-me totalmente o contrário acerca do que os budistas dizem sobre as pessoas. Já para não falar nas balelas da reencarnação e eteceteras, porque isso para mim não tem explicação possível, andarem por aí almas a meterem-se em corpos para aprender «lições» de que não se lembram nas próximas vidas. Até o «dejá vu» está cientificamente provado. Mesmo assim os budistas dizem que foi algo que se passou numa vida anterior e nos lembramos nesta. Enfim…provavelmente quem acredita nisto é como quem acredita em Deus: é felizardo, tem a que se agarrar, apesar da falta de consistência desta teoria bacoca.
Pensem bem: que me interessa a mim se vou ou não ser castigada na próxima vida? Não me vou lembrar de nada mesmo…Não será esta teoria uma outra forma de desculpabilização do homem pela sua conduta? Na realidade, já viram o difícil que é não acreditar em nada de nada? Parece que nunca vamos para lado nenhum e estamos sempre sozinhos. Todavia, é assim que me sinto na maior parte das vezes. Volta e meia acredito, mas não em Deus ou no Buda, acredito só na felicidade.
O budismo tem uma coisa fantástica, que me parece acertadíssima: quanto mais fora do ego, melhor. Essa já me parece uma lição muito válida. Que mania a nossa de só agirmos em função do ego, das nossas necessidades e preferências, como se o mundo se afundasse ali mesmo, no nosso umbigo.
Depois reparem quem são os budistas: Buda era obeso e ria-se muito (portanto era um parvo que não fazia fitness nem comia barritas de cereais), no entanto é o mentor desta seita. Os budistas, por sua vez, ou são pessoas que acham que atingiram o Nirvana, e portanto têm um ar completamente «charrado», de quem fuma passas, ou são más pessoas. Reparem na quantidade de gente que diz acreditar nos princípios budistas mas não faz a mínima ideia do que isso é, em termos práticos. Tenho descoberto muitos budistas completamente corruptos.
Acho idílica a imagem de que todas as pessoas são boas e têm uma mensagem. Melhor, que todas as pessoas tenham uma mensagem, isso sem dúvida, está no carácter humano relacionarmo-nos uns com os outros, dizer o que pensamos, filosofarmos. Mas nem todos têm uma mensagem válida, sincera, autêntica, pura. Muitas pessoas são um caminho de sofrimento, às vezes atroz, embora nos desafiem e nos tornem por vezes mais fortes e sábios. Na realidade, uma grande maioria das pessoas tem uma mensagem destrutiva porque vive sem amor. As outras pessoas são simplesmente cruéis. Por isso, só sobra as pessoas que vivem com amor e não têm crueldade no coração, que me parecem raras.
Trabalhei e convivi com pessoas muito variadas: corruptas, mentirosas, sacanas, filhas da puta, boateiras, traidoras, manipuladoras. Provavelmente quem nunca passou por isso não identifica essas pessoas nem mesmo tendo-as à frente a fazer o pior possível. Se eu que tenho experiência me engano, imagino quem não tem…
Isto não me devia tirar o sono, não devia abalar as minhas convicções, não me devia fazer tão infeliz, não devia permitir que eu me levantasse todos os dias com um humor de cão e com vontade de fugir do mundo. Estes últimos anos também têm sido exemplares na aprendizagem do amor e da amizade profundos, também. Era nisso que eu devia estar concentrada. Mas o meu instinto de defesa (de mim própria e do próximo) leva-me sempre a franzir o sobrolho…se eu fiz um caminho tão complicado para atingir as coisas que tenho, porque é que algumas pessoas nem mexem os dedos dos pés? Deve haver uma lei qualquer a promulgar que os estúpidos chegam lá mais depressa.
A corrupção abala muita a minha crença no ser humano. Para além do transtorno emocional, há o transtorno profissional, que muitos de nós sentem duramente quando se trata se arranjar emprego ou conseguir a «tal» promoção. É certo que há muitos parâmetros subjectivos. Mas há muitos que não são. E depois há outros parâmetros classificados como objectivos que a mim não me parecem assim tão lineares. Mais uma vez a média…de curso, de estágio, de formação, de pós-formação. A mim a nota parece-me das coisas mais subjectivas. Começa pelo primeiro parâmetro. Onde tirámos um curso? Cansei-me de ver pessoas de institutos privados a sair com médias de 18 e 19 sem saberem escrever português, mas a ficarem colocados, porque o sistema preteria os palermas de médias 13 e 14 da faculdade de letras. Para ver a diferença de conhecimentos basta olhar para os currículos dos cursos. Não é preciso mais. Parece comum aceitar-se a corrupção como um mal menor. É só contornar, desviar o olhar, fugir, escorregar. Não resolve, mas está bem. Às vezes não temos armas nem paciência nem coragem para iniciar uma luta sem tréguas contra as situações que nos injustiçam. E mesmo assim fazemos as coisas, pagamos forte e feio para as ter, trabalhamos a carregar portáteis para as bibliotecas, por vezes ainda somos acusados de ter a vida «facilitada» porque há uns anos atrás nem havia computadores (mas também não havia tanta gente em mestrados e doutoramentos, certo?), e ficamos «entalados» no sistema, à espera de conseguirmos uma promoção pelas coisas que realmente fizemos e não demos a outros para fazer. É com tremendo desgosto que vejo tantas pessoas esforçadas (algumas a arrastarem mestrados sete e oito anos por motivos pessoais) a ficarem pelo caminho. Agora sejamos francos, acham mesmo que todas as pessoas se esforçam por alcançar as coisas? Algumas fazem um esforço bastante moderado…eu diria, medíocre. Mesmo assim são fantasiosas ao ponto de se acharem supremamente inteligentes. O mundo está cheio disto. De supremos idiotas prontinhos a subir na vida, convencidos de que o seu trabalho muda o mundo.
Talvez por tudo isto a minha percepção do mundo tenha mudado. Eu dantes estava convencida de que a corrupção era uma coisa rara, que existia no futebol, nas empresas, no sistema em geral, mas que não era concreta. Não estava ciente de que a corrupção pudesse estar sentada na mesma mesa que eu, ao meu lado ou namorasse com amigos meus. Não estava ciente porque confiava no destino, achava que as pessoas, mesmo que não fossem boas, não tinham más intenções, atitudes negativas propositadas. Mas a realidade é que não é assim. Eu não sou tolinha e não nasci para ser tolinha. Estou careca de ver pessoas a estruturarem os planos mais mirabolantes para vencer na vida sem nunca terem castigo, e sem mesmo serem vistas como hipócritas. Estou careca de ver pessoas pusilânimes a convencerem os outros da sua excelência, que deve ser tão óbvia quanto avistar um OVNI fora do Alentejo profundo. Isso contribuiu, ao longo da minha vida, para eu desacreditar as pessoas. E mais uma vez eu confirmo a minha ideia anti-budista: as pessoas não são todas boas, nem têm todas qualidades válidas para os outros. O estupro e a mentira podem ser grandes qualidades para a própria pessoa e prejudicar todos os que estão à volta. O budista anda cego, surdo e mudo. Mas eu não.



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