Wednesday, August 09, 2006


«O Einstein também não tinha boas notas»

É certo que tenho uma visão altamente negativa e feérica da realidade comum. É uma questão de perspectiva, pois claro. Ninguém tem de olhar para o pior do mundo. Se calhar fui educada/habituada desse modo. A minha avó, por exemplo, esteve sempre dividida entre duas interpretações da realidade: todas as pessoas são boas e merecem o perdão (visão católica) e as desgraças estão sempre à porta, é melhor nem abri-la. Se eu fosse a seguir a visão da minha avó, provavelmente nunca teria saído de casa nem para ir à rua. Muitas vezes ouvi a minha avó dizer «tenho medo que o vento te leve». É uma frase cabalmente estúpida (estamos em Portugal, não no Kansas), mas define bem a educação que tive. Quando eu era muito pequena, eu sonhava em abrir a porta e ir para outro lugar com outras pessoas, portanto, sempre quis que o vento me levasse, ao contrário da expectativa dela.
Ao longo da vida eu deveria ter feito muito mais força para que a mó mexesse no sentido que eu queria. Mas fiquei muito tempo parada, à espera de uma mudança que nunca aconteceu e se deu tão gradualmente que eu ainda vivo em casa. Isso ensinou-me que nunca devemos esperar a mudança, mas sim fazê-la, mesmo que seja no sentido menos correcto. Estar parado é que não. Torna-se frustrante e doentio.
Em geral sofremos da doença do corredor fixista. Andamos sempre a correr, andamos sempre ansiosos, mas se formos pensar bem, raramente saímos do mesmo sítio. O desconhecido é sempre um buraco negro, às vezes difícil de gerir. Por muitas mudanças que se operem nas nossas vidas, as mais importantes dão-se dentro de nós. Ou evoluímos, aprendemos, ficamos mais seguros, ou então não queremos nada disso e estamos agarrados à superficialidade que nos circunda e envolve, tipo bolha que não rebenta. Uma vez li um livro acerca de terapias alternativas que dizia que há pessoas que até fazem listagens daquilo que aprenderam no ioga, no reiki, na acupunctura, mas por dentro não se operam mudanças estruturais.
Tenho tentado mudar duas coisas em mim que volta e meia acho irremediáveis: a minha capacidade de perdão, que não sendo nula, anda perto da escala mínima; a minha visão destrutiva e negativa do mundo. E tenho tentado mudar isso sem abdicar de valores fundamentais, como o respeito por mim própria e pelos outros. Não falo a começar em perdoar a torto e a direito, porque não funciona assim. Não falo em achar tudo cor-de-rosinha de repente, porque não é assim.
Quanto maior é o grau de preocupação com as coisas, mais ansiosos e problemáticos somos. A preocupação, quanto maior e mais excessiva, mais problemas causa. Uma pessoa que se esteja a cagar não é chateada nunca, as coisas não atingem, as palavras não ferem. Uma pessoa como eu nunca se está a cagar para nada. Nem para si nem para os outros, nem para o que a rodeia. O que significa que não deito lixo para o chão, se tiver de fumar não o faço para cima de ninguém, nem passo à frente nas filas do supermercado. Mas significa também que tudo o que me dizem é registado. Tudo o que me fazem é registado. E, quando não gosto de alguma coisa, daí para a frente cedo pouco e o método é o da defesa pessoal, alerta máximo, código vermelho, porque odeio confianças desnecessárias. Por isso, na maior parte dos dias, odeio que me tratem como se eu fosse um computador totalmente programável pelas outras pessoas. O meu software não é assim.
Na maior parte das vezes, acabamos mesmo por achar que podemos programar e reprogramar as outras pessoas a nosso bel-prazer. A frase que mais me cansei de ouvir dos encarregados de educação dos meus alunos foi: «o Einstein também não tinha boas notas». Para já, premissa errada. O Einstein não tinha notas brilhantes, mas não era nenhum parvinho que arrastasse livros e pegasse fogo aos colegas. Além disso, vestia-se sempre de igual para não gastar neurónios a escolher roupa (coitadinhos dos neurónios da Patrícia!), e isso não cabe na cabeça de nenhum adolescente actual, que gasta fortunas em roupa. A primeira vez que eu escolhi e comprei uma peça de roupa foi no segundo ano da faculdade.
Número dois. Quem te diz a ti, pai/mãe parvinho/a que o menino é um Einstein? Não pode ser uma pessoa vulgar? Tem de mudar o mundo?
Pior do que tudo é tentar reprogramar um computador com outro avariado. Ou seja, o pai a querer que o menino seja brilhante quando ele próprio nunca foi. O pai a querer fazer do menino uma coisa para a qual ele não nasceu. Não me lembro de uma só vez que os meus avós não dissessem que «queriam» que eu e o meu irmão fôssemos médicos. Nunca tivemos vocação para tal. Provavelmente, os nossos avós queriam consultas grátis, o que é legítimo, tendo em conta o que se sofre para marcá-las. E, acima de tudo, queriam auto-medicar-se. Eu gostava de imaginar interromperem-me as urgências para pedirem os medicamentos que eles achavam que lhes fazia bem. Acho que se fosse médica, ia para a AMI, fugia de Portugal.
Temos quase todos esta mania terrível de jogarmos com as cartas dos baralhos das outras pessoas. De achar que podemos baralhar as cartas dos outros como queremos. E fazemos muito isso com os filhos, mas também com os amigos e as pessoas próximas de nós. Porque casamos e temos filhos aconselhamos os outros a fazê-lo (mesmo quando não gostamos de ser casados e de ter filhos), porque conduzimos achamos que os outros têm de conduzir, e por aí fora. Jogamos sem habilidade nenhuma com os sentimentos dos outros. É uma constante dizerem-me para ignorar esta grande mania, mas eu sou, infelizmente, daquelas pessoas talvez pouco seguras talvez estúpidas mesmo, que passa a vida a ser infernizada por pessoas assim. Muitas vezes temos de nos resignar a ouvir ou simplesmente a ignorar. É o que diz a Estela, se eu ao menos não ficasse tão chateada e realmente ignorasse…

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