Monday, August 07, 2006


O que me custa

O talento é uma coisa espantosa. Mesmo que não nos enquadremos nos 100 mais cromos do mundo, é bom sabermos cozinhar bem, bordar, pintar, tocar, aprender línguas, lidar com as pessoas. Infelizmente, só serve para sermos admirados, porque neste mundo utilitarista raramente há emprego para artistas, excepto a corja hollywoodesca, que é tão rica tão rica que paga cada milímetro do corpinho que tem. É muito bonito ter talento. E inútil.
Regra geral as pessoas são avaliadas por métodos supostamente objectivos, como exames e orais, ao longo da vida, que lhes definem uma nota. Por vezes somos suficientemente patetas para achar que essa nota somos nós, que o nosso cérebro bem esprimido dá aquilo. E não tem nada a ver. Desde quando as pessoas podem ser avaliadas em função de uma nota?
Há pessoas tão imaginativas que transcendem qualquer nota. Das pessoas que fazem parte do meu círculo de amigos, são muito raras as que se formaram com notas brilhantes. Sou da opinião, um pouco estereotipada também, que de 17 para cima não há diálogo possível a manter. As pessoas já sabem tudo, mas têm uma escassa flexibilidade para se adaptarem a coisas simples e raramente têm lata, que também é muito útil em diversas circunstâncias.
Em termos profissionais é ainda mais difícil sermos avaliados por uma nota. Quem me diz a mim que não há tipos que copiaram a vida toda para ter boas notas? Quem me diz a mim que não há tipos que, embora encham uma pauta, não são capazes de falar ao telefone? No entanto, vejamos quem tem os empregos mais bem pagos: os tipos brilhantes e os sacanas. Pessoas que sabem o que eu sei, com as minhas escassas qualificações e muita imaginação não têm grande utilidade. Eu tenho emprego e acho que é quase milagre. Como não acredito em milagres, deve ser sorte. Mas eu estava bem era a escrever argumentos em Hollywood. É que bastava a minha vida…
A minha inteligência tem uma coisa boa: não é enfadonha. Não sei tudo, não digo que sei tudo, não me armo aos cágados, apenas fantasio com o que tenho. Mas também tenho de ser franca: adorava ser brilhante. Para já, se eu tivesse boas notas, metade dos meus problemas de emprego estavam resolvidos: eu tinha colocação numa escola ou podia, enfim, pedir bolsa de doutoramento (que me deve estar vedada por ser burra e ter más notas…). Está bem que nunca seria rica. Mas para se ser rico, é mais a onda da sacanice ou do casamento por dinheiro. Só que eu armo-me em parva, tenho a mania dos valores morais, como se isso me levasse a bom porto. Por isso vou morrer pobre. O esforço vai todo para fazer o que gosto, não para ganhar rios de dinheiro.
Sou uma tipa ambiciosa, do ponto de vista académico. Quero doutoramentos, pós-doutoramentos, adorava ser jubilada (já não vou a tempo, a menos que morra aos cem anos). Só que sou pouco realista. Ou melhor, sou realista, se não não escrevia o que vou escrever agora: nada disso dá dinheiro. É uma merda gostarmos daquilo que põe o bolso vazio: um doutoramento paga-se, e paga-se bem…
Na vida, temos de arranjar consensos entre aquilo que gostamos e o que nos permite sobreviver. Mas eu recorro mais uma vez à Ophra, que diz sempre que quando queremos, de facto, uma coisa, até servimos às mesas para fazer isso. E ela não estava disposta a servir às mesas. E se calhar eu também não estou, a menos que o restaurante seja meu. E olhem que um restaurante dá dinheiro…
Agora o que mais me custa, na sociedade: custa-me a quantidade de tias toscas que trabalha na Câmara Municipal de Lisboa por serem amigas do Carmona Rodrigues (a palavra competência ganha um novo significado, no caso delas), custa-me as pessoas burras que fazem mestrados à conta dos colegas e dos namorados (existe, juro!), e se acham ultra-especiais e inteligentes, custa-me as pessoas arrogantes em cargos hierárquicos superiores (nunca se sabe onde está a competência delas, porque a falta de sentido de humor e a mesquinhez são superiores a tudo), custa-me as colegas idiotas que não sabem escrever português mas são professoras de português (e às vezes de francês, de inglês, de história…), custa-me que ainda achem que ter emprego é «ser médico, engenheiro» (até já excluíram os arquitectos e os advogados, porque esses não têm emprego e estão em call-center, também, juntamente com os professores, os biólogos e – pasme-se! – até os farmacêuticos), custa-me os empregos em que ninguém se pode levantar para ir fazer xi-xi, porque se o fizer é «incompetente e preguiçoso», custa-me as pessoas que são boas pessoas, mas isso é que não são de certeza, custa-me que me mandem ter filhos e não haja emprego/carreira compatíveis (e eu não me apeteça nada ter filhos), custa-me as pessoas da função pública que são competentes, mas completamente esquecidas e desprezadas (e, ao contrário, custa-me as outras que se apoiam nestas, mas não fazem a ponta de um corno e querem uma promoção quando chegam à menopausa), custa-me o desprezo geral pela cultura, pela investigação (temos de ir todos lá para fora, a ver se percebem que os portugueses existem e alguns até são inteligentes), pela história, e, acima de tudo, odeio o falso nacionalismo da bandeirinha na janela, porque farto-me de ouvir «eu queria era ser espanhol e viver em Espanha». Então se querias ser espanhol e viver em Espanha, seu palhaço português, arruma as tuas tralhas e vai-te embora, meter a gasolina mais barata no carro porque não sabes andar de transportes públicos!! Tanto nacionalismo bacoco dói-me nesta alma de fadista sem voz, porque acho que comentários destes, no tempo do Salazar, levavam à forca. E esqueci-me de dizer: custa-me tanto as pessoas andarem de carro e queixarem-se que têm o cu gordo. Depois vão ao ginásio e param o carro mesmo mesmo à porta, porque se for um bocadinho mais longe têm de «andar muito». A seguir vão andar na passadeira durante uma hora para «queimar calorias»…Faz sentido??? Por favor, não me mandem mais conduzir, que isso também me custa.

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