Sunday, July 30, 2006


Os idiotas

Costumo dizer que sou uma perfeita idiota. Contida, na verdade uma idiota profissional, pois divirto-me com conta, peso e medida, sem extravasar fora das medidas estipuladas e subentendidas na sociedade. Costumo dizer: " Ainda bem que sou uma idiota! ". E na verdade, isso tem-me salvo largamente de muitos mais desgostos que eu poderia vir a ter na vida. A idiotice fica-me bem. Invento anedotas e piadas secas enquanto vou no metro e observo as pessoas, sonolentas, tristonhas, acabrunhadas, desentendidas com a vida, com vidas falsas, enfiadas em escritórios medonhos com pessoas medonhas todo o dia. E penso muito que, apesar de todo o esforço que me exigiu estar a fazer investigação entre quatro paredes de uma biblioteca rígida e espartilhada em valores católicos (que não são os meus), isto é que é vida. Na verdade, adorava dar aulas, mas nestes últimos anos dava só explicações, e estava cansada e triste com a minha vida.
Lutei sempre pela minha liberdade: de visão, de decisão, de vida. Dar aulas começou a corresponder a frustração e pouco dinheiro, e eu caí na amargura das pessoas que via no metro, algumas mais pobres do que eu e com filhos (como, meu Deus?). Portanto, procuro tomar conta da minha vida o melhor possível, tentando lucrar com o que tenho de positivo, tentando aceitar aquilo que me aconteceu de pior e, acima de tudo, tentando que os pensamentos negativos do estilo «ai que qualquer dia volta tudo a ser com era dantes!» não me deitem abaixo. Sou muito negativa e as pessoas no metro contaminam-me. E não volta nada a ser como era dantes, o pior que pode acontecer é piorar.
Sempre vivi no meio de pessoas muito absorventes, qual papel higiénico da Renova ou penso higiénico. Uma pessoa absorvente é aquela que nos diz o que comer, quando ter fome, o que fazer, onde ir, para onde ir, o que pensar a toda a hora, todos os dias, até apetecer pegar numa Smith and Wesson e desfazer os miolos. Por muito que me falem em «distância», viver com pessoas assim é não ter distância de coisa nenhuma, porque estas pessoas quando não sabem perguntam até à exaustão, senão vigiam e sabem de outros modos. Portanto, sempre desejei sair de casa, em nome da minha liberdade, do meu livre-arbítrio e da minha felicidade. Acredito que esta espécie de controlo absoluto sobre tudo não seja por mal, e até se lucra muito com isso porque, em momentos de aflição, as pessoas estarão sempre lá, mas os dividendos, as tristezas, a revelação tácita que, na boca dos outros, somos sempre uns incapazes, deixa de rastos qualquer um que passe por isto.
Admito que, para algumas pessoas, viver em casa é uma espécie de bênção. Poupa-se imenso dinheiro e está-se sempre protegido, sobretudo se nos dermos bem com os nossos pais. Mas uma pessoa que queira isso, tem, acima de tudo, medo de arriscar, não tanto por motivos económicos (raramente os pais negam ajuda económica, sobretudo se o filho for trabalhador), mas por motivos emocionais, afectivos, «e agora? Que faço eu sozinho?». Também por preguiça. São raras as pessoas que gostam de chegar a casa com trabalho para fazer. E quem mora fora da casa dos pais (sozinho ou não) tem sempre trabalho para fazer, a menos que arranje criados. Por isso, algumas pessoas mais espertas só saem de casa se tiverem um criado ou criada ao seu dispor, alguém que lave, passe, arrume, cozinhe para elas. Afinal, ninguém vai deixar o quentinho da casa dos pais para o trabalho de estiva. Normalmente, quem faz trabalho de estiva já o fazia antes de sair de casa. Quem nunca fez também não vai fazer.
A vida trouxe-me algumas surpresas e revelações. E uma delas é que a idiotice dá muitas vantagens. A mim fez-me superar a tristeza de ter uma cabeça madura numa vida de criança. Mas para muitas pessoas a idiotice é basicamente a razão da sua existência. Atrapalhar-se-iam se não fossem umas idiotas declaradas. Na realidade, a sociedade raramente premeia a inteligência ou a sensatez. A sociedade dá sempre mais importância ao jogo de cintura, à cunha, à capacidade de transformarmos dificuldades em vantagens neste duro jogo que é a vida. Uma pessoa inteligente tem de ter jogo de cintura. Mas uma pessoa com jogo de cintura não precisa da inteligência para nada. E inúmeras pessoas são bem sucedidas por causa disso. Porque dormem com as pessoas certas. Costumo dizer que há pessoas que devem ser muito boas na cama para ocuparem certos cargos de luxo. Ou fazerem mestrados e doutoramentos. Porque há muitas pessoas completamente burras a conseguir fazê-los e até a conseguir empregos com eles. Mas há muitas pessoas inteligentes que não têm sequer essa possibilidade de progressão. Este factor social causa-me imensa amargura.
O Pedro diz que é um problema educacional. Não concordo. Há belíssimos pais que acabam com os filhos/filhas na cama com alguém por dinheiro, todavia não os educaram desse modo. Se fosse taxativamente a educação a predominar eu vivia para as aparências, que foi sempre assim que os meus avós viveram e os meus pais pouco saíram disso. Tudo bem que tenho um curso superior, mas e depois? Há muitos cursos tirados à pala de outros colegas. Há muitos cursos mauzinhos tirados em privadas, nos quais se pagaram notas acima de 17 valores. E há muitas pessoas com curso superior que não evoluíram um milímetro. E também há muitas pessoas que tiram cursos para a aparência (nunca percebi porquê, a maior parte dos licenciados está predestinada ao desemprego).
Ao longo da vida tenho aprendido a odiar (quase sem controlo da minha parte) uma corja de gente muito específica: os empata-vidas, verdadeiros idiotas em todos os sentidos. São aquelas pessoas que, por muito budista que se seja, não se entende bem o que andam por aqui a fazer sem ser empatar a vida ao comum mortal. É mais ou menos a espécie de gente que atrapalha no emprego, criticando e estipulando regras para os outros que elas próprias não utilizam, ou as pessoas moralistas que põem os cornos aos namorados. Portanto, é alguém que inventa regras que não utiliza para si próprio, muitas vezes sem dar conta disso (dada a burrice), outras vezes percebendo que o faz, mas sem perder o sono ou a consciência «limpa». Não sei bem em que animal deveriam reencarnar, mas talvez nas moscas, naquelas verdinhas que poisam nos cagalhões fedorentos (quem não trabalhou já com pessoas que mereciam reencarnar em moscas destas mande a primeira pedra). Há pessoas que são merda no sapato de qualquer pessoa. Muitas destas pessoas também se auto-consideram excepcionais: boas pessoas, solidárias, perfeccionistas, inteligentes, boas amigas e…muito modestas. São as pessoas ultra-idiotas. Porque a maior parte dos idiotas tem consciência de que está sozinho, só tem do seu lado pessoas igualmente idiotas.
Por muito que leia livros acerca das relações humana e da gestão do stress inerente às mesmas, há muitas atitudes que nunca vou compreender. Sabemos sempre que os outros são diferentes de nós e que devemos tentar aceitar isso cedo e o melhor que nos é possível. Mas aceitar os idiotas tem sido muito duro, e conviver com eles, nem que seja dentro da minha cabeça, ainda mais…

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