A rota dos sentimentos Digo sempre que as minhas viagens são sentimentais, emocionais, mais do que geográficas. Em primeiro lugar, porque não percebo nada de mapas nem de geografia, perco-me em qualquer lugar e nunca sei onde ficam os locais. Com o tempo fui melhorando, porque investi muito nessa capacidade, dada a utilidade que é nunca estarmos perdidos (perdemos menos tempo, não nos cansamos tanto, não gastamos energia no desnecessário, etc.). Ao longo de muitos anos, deixei-me guiar por outras pessoas, é muito mais confortável. Mas a realidade é que, desse modo, nunca aprendemos caminhos novos, só sabemos os velhos, só dominamos as coisas antigas. Claro que existem pessoas estupendas que nos levam a passear e sabem os caminhos todos, mas devemos aprendê-los. Com um bocado de força de vontade, chegamos lá. Eu não sabia onde ficava Logroño, lamento a minha ignorância, mas conheço pouco de Espanha. Também nunca tinha ido à região de La Rioja (tem uma estranha pronúncia, esta palavra). E nunca fui a Saragoça. As viagens que tinha feito a Espanha foram aquelas que todos os portugueses, sem excepção, fazem: Badajoz e Ayamonte (comprar caramelos e pôr gasolina no carro mais barata). Recentemente conheci Barcelona, de que muito gostei. O que me marca mais nos locais não são os jardins, os edifícios, os museus. Por defeito de profissão, talvez, é a língua e as pessoas o que mais me marca. A viagem a S.Tomé marcou-me porque se falava português. A nossa presença estava lá. Como S.Tomé não viveu uma guerra colonial, as pessoas eram muito simpáticas e tratavam-nos por «brancos» sem qualquer conotação racista. Claro que cheguei a ouvir «Branco, volta para a tua terra», mas foi da boca de pessoas que viviam na grande cidade. As pessoas que viviam no campo eram genuínas, simpáticas, cordiais, e pareciam gostar de nos tocar, de falar connosco. Viviam numa grande pobreza, da qual não me consegui abster assim tanto, como me fora recomendado, porque é triste vermos tanta riqueza de um lado do mundo e do outro lado aquele espectáculo de crianças cheias de malária. Por isso mesmo, há olhares e palavras dos quais me lembro muito bem. Se é verdade que nunca devemos generalizar as pessoas, e por uma julgarmos um povo, eu nunca fui muito de ir a Espanha porque, há anos atrás, me desentendi com uma espanhola (castelhana) para quem trabalhava. Essa experiência fez de mim uma pessoa bastante desconfiada, com os espanhóis e com as pessoas em geral. A espanhola (cujo nome vou omitir, obviamente) estava casada com um português. Eram duas pessoas pouco inteligentes, mas ele tinha bastante dinheiro. Os filhos falavam uma mistura de castelhano e português, o mais velho era meu aluno, tinha imensos problemas de aprendizagem. Apesar de eu não ser psicóloga, alguns dos meus conhecimentos pareciam encaixar naquele estranho caso de dislexia: a falta de auto-estima do miúdo tinha muito a ver com a atitude da mãe, que infelizmente interrompia as minhas explicações (dadas lá em casa) para lhe dar chapadas, normalmente pela má caligrafia do miúdo (uma coisa absolutamente normal para um disléxico). Metido na confusão daquela casa caótica, de uma mãe desadaptada a Portugal e aos portugueses (com os quais fazia questão de não se misturar), de um pai ausente, de um irmão mal comportado, mas bom aluno na escola (ao qual era sistematicamente comparado) o miúdo passou a gostar muito de mim, das minhas histórias (tristes e alegres). Hoje sei que dei muita confiança, coisa que não faria novamente, por isso as fronteiras professora-amiga foram-se diluindo e a confiança a aumentar. Naturalmente, a história acaba mal. A mãe do miúdo achou que me podia dar aulas a mim, de como ensiná-lo, as coisas foram-se tornando insuportáveis, e cheguei a ouvir todo o tipo de insultos. Fiquei a saber que, segundo a mãe do miúdo, eu era orgulhosa, não queria aprender com os outros, não era humilde e nunca iria ser ninguém na vida. Como nunca achei isto de mim própria (só o orgulho é verdade, poucas vezes peço ajuda a outras pessoas), e sempre me achei humilde em todas as coisas que fiz na vida, aquela injustiça, absolutamente exemplar para mim, mostrou-me o quão traiçoeiras podem ser as pessoas, o quão mal intencionadas e até mentirosas conseguem ser. Hoje em dia eu sei que me teria despedido daquela casa a tempo de isto ser evitado, mas nessa altura a falta de experiência e também a minha própria falta de auto-estima, bem como a amizade ao miúdo, fizeram com que se gerasse esta situação de impasse. Curiosamente, há bem pouco tempo uma italiana teve uma atitude semelhante comigo, com arrogância acrescida porque trabalha num meio universitário (supostamente deveria ser mais bem educada). Por vezes penso que a culpa é minha, há algo que me faz chocar, ao longo da vida, com este tipo de pessoas, altivo e arrogante, que despreza o próximo, que mente por sistema, que vive metido no seu próprio umbigo, com frustração e vontade de humilhar quem se esforça (e por vezes é melhor e mais simpático). Com a experiência, e passado o choque inicial de perceber que o mundo não é a preto e branco, entendi que estas pessoas não são exemplos de nada. Em Itália, Espanha, Portugal, existem boas pessoas, más pessoas, pessoas assim-assim, pessoas excepcionais. Descobri que o amor, o ódio, a fraternidade, a amizade, bem como a inteligência e a estupidez são completamente universais. Com esta descoberta, que parecendo simples não o é, abri o meu coração a experiências enriquecedoras e práticas, como juntar diferentes línguas até ser entendida pelo meu interlocutor, criando um pidgin estranho e absurdo, aprender asneiras em mexicano (o que me servirá de muito, certamente), aprender que em Espanha há quem defenda a «União Ibérica» que, embora eu seja ideologicamente contra, me surpreende muito (que interesse poderá Portugal ter para Espanha??), aprender que há quem goste de fado e do Cristiano Ronaldo em Espanha, e, acima de tudo, aprender que a palavra «saudade», belíssima em português, mesmo sendo diferente noutras línguas, é a mesma no coração das pessoas. Há uns anos atrás eu nunca viria a supor que Espanha e os espanhóis que conheci me deixassem saudades tão fraternas e quentes…como eu disse à minha (nova) amiga Sylvia, «Never say never». |
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