Sunday, July 02, 2006


O comércio do casamento

A TVI tem um programa que, embora num formato comercializável, é muito estúpido no seu conteúdo. Isto, só por si, definiria o produto mais comum da TVI, como o Big Brother, as novelas apalermadas e outros tantos programas que muito deixam a desejar. Falo do meu «Odioso noivo» ou algo parecido. Por aquilo que entendo, uma rapariga de boas famílias (ou algo lá perto), tem de fingir que se casa com um rapaz que não conhece. Durante os dias que passa com ele, fechada num hotel, terá de aprender a gerir a relação e a mentira que os envolve, e que mais tarde contará à família.
É uma história absurda, é verdade. Mas mais absurda se torna porque o rapaz e respectiva família são todos actores, alguns profissionais, dispostos a tudo para sabotar a vida à rapariga. Portanto, este «odioso» noivo desde o início que se comporta como um atrasado mental, comendo como um porco, arrotando e dizendo à rapariga que a família dele é igual.
Não se sabe até que ponto tudo isto é gerido nos bastidores, ou seja, se a rapariga é ou não uma actriz e estará também a representar o seu papel, sob falso nome. Mas a ser verdade, tem a sua graça vê-la completamente em pânico perante o tal «Bruno», um rapaz gordo, borbulhento, porco e desinteressante, que ao pequeno-almoço esmaga cubos de açúcar nas mesas e se engasga brutalmente com croissantes. A dita «Joana» morre de horror, e reclama perante as câmaras «ele podia ser gordinho, mas uma pessoa normal» ou diz ao rapaz «se não existisses, tinhas de ser inventado».
Quando aparece a dita família dele, está o caldo entornado (ainda mais). A mãe fala de sexo com a «Joana», o pai arrota e descalça-se, a irmã é gótica e anda com facas pela casa. Tudo neste estilo. Emotivos, divertidos e muito pouco inteligentes, não se inibem de dar chapadas na «Joana» e beijinhos no «Bruno». Depois aparece a família dela, muito compenetrada e avessa às câmaras, família composta pelo pai, mãe e irmão, que pensam que a «Joana» está só num programa de TV, mas que afinal a vêem a casar com um estranho com maus modos, e uma família ainda pior.
A questão que coloco é: a ser verdade que a dita «Joana» não é actriz, como teve ela coragem para confrontar a família com uma mentira deste calibre funesto só por dinheiro? Organizar um casamento exige estaleca, e casar exige força interior, vontade, e isso transparece. É estúpido ganhar dinheiro a fazer exactamente o contrário do que se deve: a mentir. Por vezes temos tanto trabalho a convencer os pais de que somos crescidos, temos cabeça, sabemos decidir e até tomamos decisões certas. Eu levei a minha vida toda a tentar provar que a minha cabeça é soberana. E afinal a «Joana» tem trabalho a armazenar informações sobre o «Bruno» para mentir aos pais acerca de uma das decisões mais importantes da nossa vida: casar. É uma escolha séria, cuja base são sentimentos, partilha de vida, partilha de preocupações. E é nisso tudo que ela se mete a fingir. Na verdade é um jogo. Mas será que uma pessoa que tem ou que aparenta ter as ligações familiares da «Joana» deverá entrar nele deste modo egoísta? Como ficarão os pais depois de uma mentira destas? Voltarão a confirmar e a dar apoio à filha, quando esta disser um dia que se quer casar de verdade?
À semelhança da «Joana» e do «Bruno», muitas pessoas fingem que sabem tomar decisões, fingem que se sabem casar. Procuram o «partido» com mais dinheiro e dizem aos pais que é paixão ou amor. São decisões estúpidas, de perda de tempo para ambas as partes. A relação constrói-se, e também são as dificuldades que a animam. As pessoas confundem dificuldades com oportunidades em aberto. Acham que há homens e mulheres em saldos, mas o que se compra barato sai muitas vezes caro.
Estamos no século XXI. Cada vez mais as raparigas querem ser cinderelas quando não passam de gatas borralheiras, e os rapazes querem ser príncipes quando não passam de «Brunos». Que se passa connosco? Será por isso que andamos sempre tão acabrunhados nos metros e nos comboios? Porque não casamos por amor? Ou porque somos infelizes no amor? Ou porque queremos só dinheiro?

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