Os educadores Para muitos de nós, e segundo Freud, o que vou dizer é absolutamente normal, foi normal desejarmos, vezes sem conta, a morte dos nossos progenitores, de modo a que não ouvíssemos mais raspanetes, não levássemos mais palmadas por comermos doces antes do jantar, não os tivéssemos sempre à perna, a chatear os meninos. Mesmo que não tenhamos histórias complicadas com os pais (como violações, agressões físicas e psicológicas, etc.), os pais são o fulcro da nossa relação com o mundo, são eles que definem as nossas interacções. Em todo o caso, quem nos educa, o que é mais abrangente, e tem em conta os avós, irmãos, e os primeiros professores. São pessoas marcantes na nossa vida futura, sobretudo se a nossa vida futura for vivida com eles em constância, permanência, por opção ou não. Há muitas coisas que certos pais, certos avós e até certos irmãos nunca entenderão: é que filhos e netos não são projecções fantasmagóricas da nossa própria pessoa. Isso advém de uma coisa chamada apego, que por sua vez deriva da solidão e da frustração pessoal. Se uma pessoa tem um filho só para não estar sozinha na velhice, vai ser o cabo dos trabalhos para o filho dizer «eu quero fazer a minha vida», pois vai-lhe ser exigido que esteja sempre disponível para cuidar dos outros. Nenhum filho se deveria sentir forçado a seguir o caminho dos pais. Eu acho que muitos filhos não saem aos pais, degeneram completamente, e também não vejo mal nisso, a não ser que estejamos a falar de uma degenerescência totalmente patológica: alguém que se tornou um crápula, contra todas as expectativas. Também há casos desses, de pessoas que, com a desculpa de quererem uma vida melhor, arranjam esquemas para se safarem da vida que tinham. Também não concordo. É importante termos valores morais, podem é não ser os dos nossos pais, e sim os nossos. Podem até ser valores novos, os tempos mudam, é natural que sejam. Nunca gostei de ver apego. Acho que gera solidão, desamor, frustração. Na velhice, os pais e avós prendem-se aos filhos em estilo «cobrança pela vida que te dei» que não traz liberdade nem felicidade a ninguém. Nem aos pais, que afinal fazem isso porque estão sozinhos castrando a vida dos filhos, nem aos filhos que, castrados, nunca vão ser eles próprios. Sempre fui muito defensora do sair cedo de casa, exactamente para não gerar apegos deste género. Salvo excepções, quem sai tarde de casa sai frustrado e amargurado, porque deixa pais a caminho da velhice (quando mais precisavam) sozinhos. Se saíssem mais cedo, deixavam pais novos com uma vida pela frente. Claro que depende dos pais e dos filhos. Contrariamente ao que estou a afirmar, estou já em provecta idade para sair de casa. Isso amargura-me, entristece-me, e faz-me ver que, embora as minhas opções se tenham justificado, cobram de mim o que dou e o que não quero dar, para além de continuar a ser tratada como se tivesses dez aninhos feitos ontem, com pessoas a controlarem horários, dormidas, fins-de-semana e boleias. Quanto mais tarde, mais difícil é colocar um travão nos pais-galinha e nos avós-galinha, sempre convencidos de que a descendência é para ser tratada como criadagem. Depois é difícil um filho ou neto dizer que não. Mais até um neto, porque a um velho nunca se diz que não, é como a um maluco. O impasse das sociedades actuais é imenso: paralelamente a uma cultura que incita à juventude eterna, parecemos querer ser jovens e inconsequentes toda a vida, sem tomar responsabilidades nem rédeas nas coisas em que participamos. Passou tudo a ser um jogo: um jogo de dívidas, sobretudo, de endividamento com cartões de crédito e telemóveis de última geração. Esse jogo perigoso, em que todos queremos ter dinheiro, gerou um monstro muito grande, que vai proliferando: as relações de interesse. Primeiro ficamos o mais possível em casa, interessados em viver à conta dos pais, sem grandes chatices e sem grandes responsabilidades sobre a vida, depois arranjamos um namorado ou namorada com dinheiro, para nos sustentar os vícios, depois casamos e ficamos novamente à espera que o conforto nos caia do céu, sem esforço em demasia. Grandes paixões agitam as almas, e isso não queremos. Um grande amor exige esforço e dedicação ao outro, exige capacidade de encaixe de muitas coisas. E isso não queremos. Somos a sociedade do conforto. Queremos trabalhar sentados, com horário fixo, fazendo pouco ou nada. Queremos ter relações que não dêem trabalho, em que o namorado nos venha buscar a casa e nos pague viagens e jóias caras, não queremos trabalhar por uma relação – isso gasta energia. Somos a geração da rapidez de emagrecimento, de bronzeado «rápido e duradouro», de resultados «imediatos», como se nada desse trabalho desde que tenhamos dinheiro. Estamos a começar a ter vidas pouco originais, quase maquinais e com grande falta de originalidade, em que nos copiamos para superar a falta de imaginação. Estou muito farta da «betice» dos pais que não querem que os filhos partam de casa, e farta da betice dos filhos que não querem partir para não magoar os pais. Parece-me injusto que não funcionemos como na natureza, em que os pais ensinam os filhos a andar, nadar, caçar e os mandam à vida. Se é verdade que nunca nos divorciamos do papel de pai/mãe e acompanhamos toda a vida os nossos filhos e netos, também é verdade que deixá-los voar me parece frutuoso, a bem da felicidade dos pais e avós, que vêem filhos e netos felizes e têm a possibilidade de apostar noutras áreas da vida sem ser a maternidade ou a paternidade. Aconselho todos os pais a se inscreverem nas danças, em aulas de culinária, em línguas e informática e a deixarem os filhos seguirem livremente a sua vida. Podem não ajudar mais a pôr a mesa em casa dos pais, mas ao menos têm uma ínfima possibilidade de saberem fazê-lo sozinhos, mais do que isso, a comprarem a sua própria mesa com o dinheiro que ganharam. Pode ser que assim anulemos mais vezes a vontade de esganar os nossos pais e avós, todos de uma vez só. |
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