Tuesday, June 06, 2006


Os especiais

Se acharmos sempre que todos somos «especiais», de alguma maneira, vamos sublinhar o mundo todo da mesma cor. Se é verdade que somos sempre especiais para alguém, sobretudo os nossos pais (se a relação com eles for saudável seremos sempre especiais no seu coração), não é verdade que todos sejamos pessoas especiais, no sentido em que normalmente utilizamos a palavra: especial enquanto original, especial enquanto diferente da maioria das pessoas. Se todos fôssemos especiais, não poderíamos ser diferentes uns dos outros. E somos. Muito.
Maio é um mês fora do comum, porque especialmente dedicado a todos aqueles que eu considero especiais. Há muitos amigos e pessoas especiais das quais não falei, mas fiz uma selecção baseada também nos acontecimentos do mês, porque felizmente há muitas mais pessoas de quem eu poderia falar.
Há no entanto uma grande quantidade de pessoas a quem aplicamos o termo «especial» num sentido bastante diferente: especial de mau feitio, de mau carácter, de distante, de maldoso. Não sou amiga deste tipo de pessoas, mas sou obrigada a conviver com muitas que se enquadram muito bem nesta categoria. Se ser especial é ser diferente, o que dizer de uma pessoa que só imita as outras? Calculo que ser especial não seja copiar os outros, ou passar por cima dos sentimentos das pessoas como se nada fosse e dormir à noite como um bebé, de consciência tranquila. Digamos que este «ser especial» ou esta «especialidade» não faz parte daquilo que mais aprecio nas pessoas. Melhor ainda, esta «especialidade» é exactamente aquilo que não gosto, nas pessoas. Assim como detesto comprar uma caixa de morangos lindos com um todo podre lá dentro, assim ajo com as pessoas que conheço. No meio de dez pessoas, há uma completamente podre. Por vezes as pessoas que rodeiam permanecem quem são, são os morangos intactos, no entanto há outros morangos que, ao encostarem-se, apodrecem. Desses que apodrecem, uns ficam só com uma parte tocada, outros ficam completamente podres e não nunca mais são comestíveis. Isto aplica-se às pessoas que, estando junto de pessoas «especiais» de mau carácter, desenvolvem um carácter mimético, similar, ou põem simplesmente a descoberto o que já tinham. Ou então, fazem do seu carácter o carácter do outro.
Assimilar carácter parece um conceito estranho, mas depende da nossa capacidade de sermos influenciados. O casamento é das maiores causas de assimilação de carácter, mas a educação também. Quantas vezes não nos damos com pessoas que sabemos que não são daquele modo, mas a educação transformou-as «naquilo»? Quantas vezes não temos amigos que mudam completa e radicalmente no dia em que conhecem o seu «príncipe encantado» ou «princesa encantada»? Uns mudam durante o tempo que dura a relação (e se mais tarde recuperarem os amigos vão com sorte), outros mudam de forma irremediável, para sempre. É óbvio que sabemos que tudo tem o seu tempo. Não podemos considerar sequer a hipótese de ficarmos iguais toda a vida, mas devíamos ser mais autênticos. A relação deve servir para pôr a nu a autenticidade, não escondê-la, não deixarmos nunca de sermos nós próprios, fiéis a uma natureza que provavelmente reprimimos e não querermos mostrar.
Em nome de muitas coisas não palpáveis, como os sentimentos, fico calada muitas vezes em situações desonrosas e que me entristecem. Mas poucas vezes me perco naquilo que realmente sou. Não vou abdicar de princípios para agradar ao próximo. Não me parece real. Não vou cegar porque amo. Não vou aceitar nem tolerar porque as outras pessoas querem e acham bem. Este pensamento não é do tempo da minha avó, que sempre calou, reprimiu, disfarçou, e para quem as aparências são o fulcro da vida. Odeio profundamente aparências. São como as cascas da cebola, depois de muitas camadas, lá está a cebola (hoje as analogias com comida estão a ser profíquas!), mas até lá, muitos cortes têm de desmembrar as partes de fora da cebola. Por vezes descascamo-la e lá está o âmago: podre.
Admiro profundamente quem não se perde, não se corrompe. Não se deixa cegar por nenhuma luz ofuscante. É verdade que nem sempre podemos exigir isso das outras pessoas: nem todos têm essa maturidade, essa sabedoria. A maior parte de nós é corruptível, esventrável. Mas uma minoria, aquela que mais passa despercebida, é dona de um carácter inimitável e incorruptível. Eu sou um bocado corrupta. Tenho ficado calada em nome da boa educação e do respeito para com o vizinho, mas muito angustiada, exaltada e tenho-me sentido prostituta dos meus sentimentos, muito pouco autêntica. Isso perturba-me. Não me deixa dormir nem viver em paz. A isto chama-se consciência. Nos dias que correm, tê-la também é especial.

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