Saturday, May 13, 2006


Memórias de Sofia

Não me lembro do 8º ano com muitas saudades, mas tenho de ser franca, foi uma época engraçada. Eu nunca gostei da adolescência, nem de ser adolescente, nem de me enquadrarem na «idade do armário» ou «idade parva». Mas a verdade é que, à distância, e bem vistas as coisas, eu era muito estúpida. O que eu lia nas revistas estava certo. Por isso mesmo cheguei a lavar o cabelo com azeite e ficar a escorrer óleo o dia todo. Coisas da idade…
Nada se compara àquele 8º ano, e a Sofia lembra-me disso sempre que estamos juntas, porque é das poucas amizades que mantive desde esse tempo. As nossas vidas deram voltas e mais voltas, mas curiosamente, ainda somos amigas. Ou talvez possa dizer voltámos a ser amigas, porque as pessoas mudam muito. Todavia, há qualquer coisa que se manteve dentro de nós, desde esse tempo. Talvez dentro dela com mais persistência, se calhar porque tem mais saudades desse tempo do que eu, ou se calhar porque é uma pessoa mais coerente do que eu. Mas a nossa ingenuidade, em muitos campos da vida, manteve-se intacta.
Nessa altura das nossas vidas, em que consequência era só uma palavra difícil do dicionário, todos tiveram alcunhas, algumas menos simpáticas, e algumas bastante parvas, como convém à idade. O Luís Peixoto era o «biomassa» porque o cabelo dele parecia uma mistela diversa de gordura e porcaria (logo eu, que punha azeite no cabelo, a gozar com o rapaz), a Luísa era a «leguminosa», graças aos «nódulos» em que o cabelo da rapariga terminava. E depois havia o aparelho fixo que ela tinha nos dentes e que não lavava. Mesmo depois de tirar o aparelho o cheiro perdurou. Eu e a Sofia éramos péssimas, ainda hoje gozamos, mas tivemos o castigo merecido, ela usou aparelho e eu perto fiquei (o meu cabelo também não evoluiu grande coisa desde esse tempo). O Pró-alimentar também nos seduzia: gordinho, fartava-se de correr de um lado para o outro e de suar em bica. Era de fugir…E O Gabriel abria a mala e arrotava lá para dentro, queixando-se à directora de turma das «gotículas mal-cheirosas e do bocado de carne assada» que o prof de história lhe lançava logo pela manhã. Lembramo-nos sempre da profª de Português e Francês, com sotaque afrancesado e ainda por cima do Porto a dizer ao rebelde da turma, o Nuno: "Vais pra fora da sola de oula plas unhas!"
Temporalmente passaram mais de dez anos. Tínhamos 14 e já estamos quase nos 30. Mantemos a garotice, a parvoeira, a idade do armário. A Sofia ainda é mais divertida do que eu. Deixei-me levar pela amargura da vida, mas confesso que me sei divertir quando quero. Ela é um pó compacto e eu um pó solto. Ela é a base e eu o blush. Dou cor às memórias dela. Há outra coisa que eu sei: ela ainda me cospe ice-tea em cima quando se ri…

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