O oportunismo e o dom da oportunidade Sem dúvida que este blogue é dedicado às antíteses, aos opostos. A verdade é esta, eu estou sempre a julgar as pessoas. É impossível fugir a isso, não me venham com tretas de que «julgo muito». Constato o que vejo com o que tenho na minha cabeça. Mais vale isso do que nada, eu acho. Além disso, não fujo à minha natureza, estou sempre a julgar, a observar. Mesmo que não tenha nada a ver com isso. Mas, regra geral, tenho alguma coisa a ver com isso. As pessoas atravessam-se no nosso caminho. Aleatório, coincidência ou predestinação, não quero saber. Atravessam-se, eu vejo o que fazem, avalio as consequências, mesmo que elas não estejam a ver nada nem a avaliar nada. Eu acho isto normal. Só que ninguém assume. Toda a gente diz «não tenho nada a ver com isso», «não é da minha conta». E realmente muita coisa não é da nossa conta nem da conta dos nossos vizinhos. Ninguém tem nada a ver com quem andamos, com quem dormimos, o que vestimos, o que comemos, qual é o carro que usamos. Essencialmente porque nada disto influencia a vida do próximo. São escolhas nossas, pessoais, sociais e até educacionais. Agora no cômputo geral, muita coisa influencia outras pessoas. Se eu deitar lixo para o chão estou a prejudicar o próximo. No dia em que eu não julgar, ou entrei em estado zen ou enlouqueci de vez. Esclareço que, para além de apreciações comuns, não me interessa nada o que os outros fazem que não tenha qualquer influência prejudicial de terceiros. Mas a maior parte das pessoas nem entende o quanto prejudica terceiros e quartos e quintos. Deve ser uma tristeza sairmos incólumes desta vida com imensos actos prejudiciais ao próximo. Uma tristeza vista de fora. Quem lesa, acha-se sempre do melhor. O oportunismo é um destes aspectos que mais considero prejudiciais à sociedade e lesadores do próximo. Se de facto formos pessoas empenhadas em qualquer coisa, mais que não seja ser feliz, ou mesmo arranjar emprego, procuramos oportunidades para isso. É normal. Às vezes surgem oportunidades que são verdadeiras armadilhas, mas isso faz parte da intensa aprendizagem que é viver. É mesmo assim. Por vezes esperamos a vida inteira por uma oportunidade. E isso também tem o seu valor. Mas uma oportunidade não implica nunca mandar abaixo os outros. O oportunismo sim. É o que eu chamo «ter olho», «ser esperto», em suma, saber a quem convém lamber o cu, saber quem tem de gostar de nós para conseguirmos o que queremos. Tudo o resto é paisagem. Todas as pessoas que estão em redor são meros espectadores deste triste espectáculo, porque não contam, a menos que se metam no caminho. Vemos isto no trabalho inúmeras vezes, pessoas que nos falam «só quando convém». Até na faculdade tínhamos colegas que só vinham ter connosco e só sabiam o nosso nome quando queriam os apontamentos. Lembro-me de uma colega que me dizia «ó coisinha, desculpa que não me lembro do teu nome…» quando queria alguma coisa. A estas pessoas a vingança era servida num prato frio: simplesmente não entendiam a minha letra nem nada do que eu escrevia. É curioso, mas se eu fizer as contas, só os meus amigos conseguem ler o que escrevo. Deus escreve direito por linhas tortas. Há também um grande oportunismo na vida social, por exemplo a promoção social por via de falsas amizades, falsos contactos que facilmente se deitam no lixo quando se atinge a «fogueira das vaidades», o flache dos fotógrafos. Numa situação mais quotidiana, é também assim. Os adolescentes aprendem isso andando nos grupos mais «cool» para serem populares. Essa é uma aprendizagem para a vida. Eu por exemplo nunca fiz essa aprendizagem. Não me lembro de alguma vez ter tido uma amizade por interesse – e não me estou a exibir, porque o que estou a dizer é sinónimo de ingenuidade, ser parva mesma. Recordo-me que os meus amigos eram as pessoas que não pertenciam ao «grupo», portanto os piores alunos, os inadaptados, os que mais se isolavam. Portanto, nunca fiz parte da mole de adolescentes sedentos de popularidade. Na vida, percorri um caminho semelhante. Não tenho interesses exploratórios em relação aos meus amigos, e não vou ter com eles só quando preciso. A vida pessoal é que mais se ressente com o oportunismo. E a mim parece-me incrível que as pessoas o pratiquem sem despudor. As relações amorosas ditas interesseiras são muito comuns. Namoramos, ou casamos mesmo, com pessoas que nos oferecem as condições que pretendemos, como se se tratasse de um automóvel, de um seguro mais barato, de um bem material ao qual aspiramos. Essas relações têm um prazo, como todos os bens materiais. Expirado no prazo, sai-se dessa relação e constrói-se outra com a mesma base de hipocrisia. Ao menos nunca se morre à fome. Normalmente são relações pensadas, demoram a começar. Há um dos intervenientes, o mais esperto, que engendra um plano elaborado «como é que hei-de conseguir isto? O que é que ele/ela tem para me dar que me interesse? Tem dinheiro? Carro? Faz tudo o que eu quero?». Respondido este questionário, começa-se a arte de sedução. Havendo sexo, está conseguido. Depois é só manter o plano até ao objectivo. E esperar que não falhe. A regra é acabar em divórcio. Rapidamente as coisas perdem interesse. Como pode continuar a ter interesse uma pessoa que pensa que gostamos dela, mas nos está só a «prestar um serviço»? Como pode resultar uma relação fingida, sem sentimentos envolvidos? Aí, houve alguém que confundiu oportunidade com oportunismo. Nem sempre a gravidade dos nossos actos é punida. Muitas pessoas oportunistas acham-se só oportunas, boas pessoas mesmo. Não se tocam nem se vêem com um olhar crítico distanciado. Não ouvem uma voz dentro da sua cabeça a dizer «que ando eu a fazer a este tipo/a esta tipa?». Afastado este tipo de consciência, que rege todo o nosso comportamento pessoal e social, a vida reduz-se à bestialidade, à força bruta das nossas acções que tanto achamos «oportunas» e que têm como fim a exploração do próximo. Sem questionação interior, que o mesmo é dizer, sem inteligência emocional, somos os tais «cadáveres adiados que procriam» (Fernando Pessoa). |
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