Friday, March 31, 2006


O Segredo

Estreado há pouco tempo, «O Segredo» é um filme que conta a história de uma jovem, Eve, cuja mãe andou num colégio de freiras em Barcelona. Até aqui tudo bem. Mas a mãe, tal como outras colegas, frequentaram uma turma cuja professora – freira, pois claro – não era propriamente uma simpatia de pessoa, e castigava as garotas só porque elas fumavam charros à janela, o que, na adolescência, é o mais normal (os meus aluno apreciavam mais os linguados à porta da sala dos professores). Mas a freira, estúpida e nada ligada a afectos, classifica tudo como «SIN» (pecado), palavra que grotescamente escreve no quadro, a giz. Um desses dias faz uma das meninas engolir um bilhete de amor, quando a menina gostaria muito mais de engolir outras coisas (a grotesca agora fui eu, perdão). Deixem-me só dizer uma coisa acerca de colégios de freiras. Ninguém sai de lá completamente são. As freiras e os padres, regra geral, são pessoas frustradas, cujo único sorriso é dirigido a uma entidade desconhecida: Deus. Não podem regular bem. Como é que pessoas assim ensinam os alunos? Por isso, das duas uma: ou há freiras e padres competentes, que saibam, de facto, o que é o mundo real dos afectos, ou não vale a pena ensinarem. Não podemos pregar sem saber o que dizemos. E muito menos reprimir adolescentes. A sexualidade reprimida gera falhas graves de comportamento. Isto sem contar com os padres e freiras que soltam os seus instintos sexuais nos alunos, caso do filme «Má Educação», de Almodôvar. Nesse filme, os abusos sexuais geraram homossexuais travestis.
Continuemos o périplo pelo Segredo. A freira volta dezoito anos mais tarde para se vingar das ditas alunas, matando uma por uma. A primeira é a mãe de Eve, e depois seguem-se as outras, com mortes cruéis, à semelhança de cada uma das mártires às quais corresponde o nome (há uma chamada Zoe…há uma mártire com esse nome? Só em Espanha, mesmo, ou nos EUA).
A freira é o ser sobrenatural mais engraçado que já vi. Deve ser algo pertencente ao imaginário do realizador: aparece na água, provocando enchentes e inundações nas casas, vem vestida de freira (tantos anos depois da sua morte e não larga o hábito, isso é que é amor a Deus), ataca por detrás (quase sempre, pois quem vê aquilo de frente morre de susto), e tem uma carinha de múmia nojenta, branca, com dentes feios. Mas quando é que deixamos este imaginário de sermos perseguidos pelos mortos? Quando é que as pessoas se convencem que almas penadas não vêm nos canos, nem nos esgotos, estão sim nas nossas cabeças, bem poluídas e desgraçadas com tantos mitos sobre a morte? Gosto da ideia de ser uma freira a andar neste disparate. Mas raios partam, uma freira não deveria estar na companhia de Deus, depois de morta? Não somos aquilo em que acreditamos? Em que é que acredita uma freira? Achará que, depois de morta, vai voltar para assassinar alunas? Não conto os motivos dela para que vocês, leitores, vejam o filme com o entusiasmo da primeira vez, no entanto, sou honesta: que ideia tão estúpida. Mais valia ser Deus a vir pelos canos assassinar pessoas. O pior é ninguém saber se Ele é brasileiro ou preto. Se Ele é ele ou ela. Enfim…
Tanta coisa que a Madonna fazia espectáculos com dançarinos vestidos de padres e bailarinas vestidas de freiras (como ela própria), tanta coisa que ela simulava a estigmatização com as chagas de Cristo no teledisco do «Like a Prayer», e afinal aparece um filme destes, que não é do Almodôvar, a contar a história de uma freira com problemas afectivos, vingativa e má pessoa, que se move nos canos da água depois de morta. Eve ainda conclui, com a ajuda de um seminarista que se apaixona perdidamente por ela, que a freira se «materializa» debaixo de água. Expliquem lá isso outra vez…Porquê? Porque é que um espírito se materializa debaixo de água? Depois de morto o povo anda a materializar-se debaixo de água…mas a que propósito? Então ninguém praticava mergulho com medo de encontrar a minha tia Olímpia, essa múmia já morta, gananciosa e pouco amiga do seu amigo. Ou, se quiséssemos encontrar as pessoas que já perdemos, mergulhávamos todos, pertinho do cemitério, à procura de mortos.
Não vos conto o fim do filme, que é original. A freira tem uma explicação, meio lógica, meio ilógica, que não lembra a ninguém, nem ao Menino Jesus. Vocês vejam e depois digam-me o que é que acham.

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