Saturday, March 25, 2006


As possibilidades

Sempre me irritou essa história bacoca da «igualdade de oportunidades», ou do «todos podemos lá chegar com mais ou menos esforço». Acho que isso pertence às tais coisas do politicamente correcto que solenemente me transtornam, e nada têm que ver com esforço ou força de vontade. É evidente que o esforço e a força de vontade são muito determinantes naquilo que conseguimos. Mas não são tudo. Quem o disser é porque não observou bem à volta. Aliás, esse é um problema que grassa. Só observamos a futilidade, não observamos o que as coisas significam. Observamos as ciganas no metro e as roupas que trazem, o tom de voz, as crianças ranhosas, não observamos o que isso significa, socialmente. Ou pelo menos a maior parte de nós não o faz, a menos que seja sociólogo, psicólogo, escritor, actor. Mesmo esses, muitos desses, vivem do que os livros dizem e chutam banalidades para o ar.
O blogue é uma das realidades da expressão do meu pensamento. Há muitos mais meios. Mas a expressão do meu pensamento traduz uma observação, mais ou menos atenta. A maior parte do tempo passamos a trabalhar, não a traduzir pensamentos. Por isso vivemos entupidos em pensamentos. E a qualidade deles depende muito do que somos, do que vivemos, da nossa experiência. Paris Hilton passa o dia como muitas portuguesas, a pensar: «o que vou vestir amanhã, para causar boa impressão?». A mim chateia-me gastar neurónios com isso. Quando tenho de vestir algo mais elaborado, apetece-me pedir os neurónios de volta, preciso deles, preciso de energia gasta em pensamentos e na escrita. Apesar disso, não escapo á fatalidade de quase adoecer de tanto pensar em coisas supérfluas, como as palavras dos outros e a sua repercussão na minha vida, e a mania que os outros têm de tentar controlar o que sou. Fora dos meus pensamentos melhores, poucas vezes sou livre.
Há sempre possibilidade de pensarmos além do que aprendemos como «correcto», mas poucas vezes utilizamos bem essa dita possibilidade. É um risco ser-se inteligente. Um risco muito grande. Poucos homens apreciam mulheres inteligentes, por vezes sentem-se ameaçados, por vezes nem isso, apenas não gostam delas porque questionam muito, pensam muito, e normalmente não querem papéis secundários na vida, nem atinam com a opinião dos outros. Eu sou um desses estranhos seres. Confesso que é difícil aturar-me e sobretudo viver dentro de mim, quando vivo presa a tantas coisas aspirando liberdade.
Mesmo que tenhamos todos a possibilidade de expressão (o que em certos países não é verdade, a expressão livre é punida por lei), nem todos a utilizamos da melhor forma possível. E nem todos sabemos ou queremos fazer uso dela. No outro dia, dizia-me um amigo, que muito do que somos e da forma como interpretamos a vida depende da nossa educação, por exemplo, daquilo que foi exigido de nós, em pequenos. Tínhamos responsabilidades? Fazíamos a cama? O que fazíamos mal tinha repercussões, castigos? Ou toda a gente nos desculpou e nos incitou a seguir a vida por meio da «cunha»? O que somos hoje depende disso, mas não só. Depende, em grande parte, do que fizemos com essas informações. Muitos de nós somos exactamente a cópia dessas informações, mas outros de nós não. Muitos desresponsabilizam-se, ao longo da vida, para seu próprio benefício, outros vão ganhando problemas e dificuldades aparentemente insuperáveis. E a vida é isso mesmo.

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