Saturday, April 08, 2006


A estranheza

Alguns pais são estranhos. Correspondem a um conjunto de pessoas que tratam os filhos como se de objectos ou lixo se tratasse. Não fazem a mínima ideia do que é educar, ou amar uma criança. Regra geral, a criança é confundida com um boneco. Os casos da «Joana» e da «Vanessa», que tanto chocaram a opinião pública, são casos paradigmáticos disto que digo. Uma foi cortada em fatias e atirada aos porcos, antes disso espancada, tudo porque encontrou a mãe na cama com o tio (agora me lembrei, havia antigamente um prédio em frente ao da minha avó ao qual eu e o meu irmão apelidávamos de «Os Fedores», com histórias muito semelhantes a esta, recheadas de droga e incesto). Vanessa não teve melhor sorte, foi metida numa banheira de água a ferver e atirada ao rio. São duas meninas, cada uma com a sua história triste, com finais infelizes e dolorosos. Mais do que ficar chocada, fico impressionada com as contradições a que somos, moralmente, sujeitos. Tanta coisa contra o aborto, porque o embrião tem vida, o feto tem vida, defendemos todos a vida, mas estas mães e estes pais, que apelidei de «corja» fariam muito bem em abortar. Gente que vive em buracos, que tem relações com os irmãos, tios, primos, indiscriminadamente, à frente dos filhos, com sete ou oito filhos que não têm o que comer, tem mais filhos para quê? Para matá-los, queimá-los, fazer deles seres tristes e depressivos, como eram estas duas meninas?
Evidentemente que entendo o argumento a favor da vida e contra o aborto. Também acho que fetos e embriões são vidas, células são vida e conjuntos de células também. Mas há um grave problema social, porque imensos pais de boa vontade, bom coração e com posses, impedidos de ter filhos por razões físicas, biológicas, não conseguem adoptar, nem ficam com meninas destas; mas outros pais, incomensuravelmente destinados a um fim triste atrás das grades têm filhos a dar com um pau, que a Segurança Social teima em não lhes tirar, às vezes depois de os vizinhos se queixarem dos maus tratos às crianças. Numa época em que se defende a vinda de uma nova era, espiritualizante, a era das crianças índigo (ideia utópica quanto baste), que têm os olhos postos no futuro, matamos essas crianças. Que futuro será o nosso?
Pouco tempo depois de ser presa, Leonor Cipriano, a mãe de Joana, vinha para a imprensa dizer que nunca faria nada disso «a um filho seu», mas a menos que haja muitas voltas na investigação em curso, ela é a presumível culpada, e só isso já é preocupante. Uns tempos depois, a senhora vinha para o 24Horas dizer que a PJ lhe tinha dado pancada, o que parece verosímil e aceitável. Somos um país patético. Estamos a falar de uma mãe drogada, que sempre bateu e espancou brutalmente uma menina, fora o que deve ter feito aos outros filhos, e depois de presa, ela ainda se queixa? No Texas já teria sido executada. Faço parte da opinião pública que não tem pena dela, mesmo que seja inocente. Mesmo que não tenho morto a Joana com as suas próprias mãos, abriu caminho a que alguém da casa o fizesse a sangue frio. Temos aqui um claro exemplo de uma menina que não teve escolhas, na vida. Acho de muito maior consciência uma mãe dar um filho para adopção. Se defendemos a vida e jamais o aborto, ao menos a adopção. Pelo menos é um mundo de possibilidades que se abre, no caminho da criança, não fica confinada a uma vida triste e desonesta.
O caso da Vanessa ainda me choca mais, porque nem a família sabe o que fez, porque toda a gente estava «sob o efeito de heroína». Portanto deram um banho a escaldar a uma menina de três anos e atiraram-na ao rio, sem dó nem piedade. Coisa de drogados, só pode. A menina foi queimada e arremessada como um objecto, talvez pela mãe, talvez pelo pai, talvez pela avó. Ainda por cima, como estava queimada, foram comprar compressas à farmácia local. Compressas é algo que adianta muito para queimaduras de segundo e terceiro grau em 70% do corpo. Toda a gente sabe que sim. Portanto, enquanto os pais tentavam salvá-la, a menina morria nos braços deles.
O que mais me choca é a falta de consciência que anda por aí. A falta de bom senso, mas sobretudo de consciência. Tão depressa há pessoas a quem qualquer coisa sensibiliza e toca, como temos outras que ignoram tudo, que nem sequer se importam de serem verdadeiros atrasados mentais. É o que está a dar. Supostamente seria a consciência que nos separava dos animais irracionais. No mundo animal, os casos raros de animais que matam os filhos significam que os filhos nasceram com uma deficiência que não lhes permitirão adaptar-se à exigente vida na natureza. Também matam os filhos por nascerem em cativeiro, por vezes (os piriquitos fazem isso). Há muito poucos casos em que se mate por prazer ou negligência. Só me lembro dos komodos (que são indonésios, é que só podia), que comem os ovos que põem, ou os ovos da mesma espécie que vão encontrando. Não é um animal simpático, nem sequer se consegue reproduzir porque injecta veneno no seu semelhante, mas parece que a língua possui um elemento precioso no fabrico de antibióticos. Já é qualquer coisa. Há quem possua bem menos do que isso.

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