Wednesday, April 19, 2006


Os nossos inimigos

Há uns tempos atrás, o Herman José, que sendo uma pessoa de inteligência superior está reservado, por sua opção, à mediocridade, dizia que não confiava em ninguém que não tivesse, pelo menos, um inimigo. E eu realmente concordo com ele, com total inteireza. Tenho um espírito desabrido. Com quase 29 anos, estou a cagar-me para o politicamente correcto. Quero que isso vá à merda, com todas as asneiras que há no dicionário de calão. Por isso, aprovo, cada vez mais, a existência de inimigos. Quem não os tem, ou acha que não os tem, não pode ser de confiança.
Como podemos nós atravessar a vida sem nos deixarmos intimidar por alguém? O medo faz parte de nós, da vida, dos sentimentos. Não é insuperável nem incontornável. Faz parte. Nesse processo criamos «ódios de estimação». Uns coerentes, outros incoerentes. Uns justificados, outros injustificados. Devíamos ignorar mais as pessoas. Mas as pessoas têm efeitos negativos sobre nós que são indescritíveis. É melhor falar a nível pessoal. As pessoas têm efeitos sobre mim indescritíveis e lamentáveis. Não falo só do bestiário que se passeia no metro e no comboio, das pessoas que se atropelam violentamente, ou que não me deixam passar na passadeira. Falo das pessoas que se cruzam no meu caminho e das quais não posso fugir a sete pés. Que fazem parte do meu quotidiano familiar, social, de trabalho, pessoal. Há um grupo de pessoas que me deprime sobejamente pela capacidade de ferir o próximo e ficar-se a rir como se nada fosse. Há pessoas estúpidas que, com o tempo, se tornam inimigos.
Ao longo da minha vida tenho tido inimigos. E não são poucos. Cada qual mais malcriado e perverso do que o outro. Trabalhei com gente mentirosa, inescrupulosa, mal-educada, rude e invejosa, de línguas afiadas e viperinas. Convivi com pessoas com maus fígados, preparadas para lixar o próximo. Sem falar na capacidade que algumas pessoas têm de massacrar, que é uma coisa que não exige curso superior, mas há quem o tenha. Toda a minha vida me irritei muito. Sou dada à raiva. Não sou resignada nem passiva. Se fosse, dificilmente escreveria como escrevo. A raiva impulsiona e dá o toque, se não for em excesso. Às vezes também adoeço de raiva e desacelero. Penso para comigo «mas que raio de efeito é este que as pessoas têm sobre mim?». Com o tempo, com a idade, pensei que suavizasse, que fazer inimigos fosse dado adquirido e não custasse tanto. Mas não. À medida que o tempo passa, mais inimigos faço, com mais ardor e raiva. Vivo nessa espiral. De facto, não fui talhada para o budismo, que procura sempre encontrar uma parte boa em todas as pessoas. Estou-me a lixar para isso. «Isso» é o politicamente correcto que as pessoas gostam de invocar. Ou então são genuinamente budistas.
O que é preciso para se ser meu inimigo? Fácil. Todas as características referidas nos outros postes servem: egocêntricos vaidosos, arrogantes inescrupulosos, mentirosos, gente convencida e trapaceira, gente fingida, gente corrupta, gente fútil e banal, gente má, gente incompetente. Tudo serve para ser meu inimigo. Se houver um destes defeitos, convém que se compense com outras qualidades de interesse. Agora ser burro e mentiroso. Ou ser arrogante e convencido. Ou ser fingido e fútil. Ou ser medíocre e mau. Não dá. Ou simplesmente ignoro, ou são inimigos. A diferença está no quanto me prejudicam e na intenção que têm ao prejudicar.
Muitos inimigos são criados por mal-entendidos, ou por situações adversas. Não são assim tantas as pessoas que nos tentam prejudicar de livre e espontânea vontade. Muito do que se faz, faz-se por inconsciência ou até perturbação mental. Não se faz por maldade pura e dura. Isto tem um toque naif, é verdade, mas que eu tenho de manter a fim de compensar o meu lado mais pessimista. Não quero acreditar que todos façaos as coisas premeditadamente, para lixar a vida aos outros. Quero acreditar que isso decorre de uma deficiência qualquer de julgamento que nos tolheu a razão naquele preciso momento. Porque se eu não acreditar nisso desse modo, então perdi a esperança no ser humano…

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