Saturday, April 29, 2006


Os casais

Não sei o que dá prosperidade a uma relação. Não sou uma estudiosa do assunto, mas, se me basear em todas as relações que conheço, posso dizer que 50% se deve ao amor e ao empenho dos próprios casais para que as coisas dêem certo, e os outros 50% se devem a saber mentir. E isso é uma arte, porque em relações duradouras mentir coerentemente durante um grande período de tempo é difícil. Não falo só de casamentos. As relações que chegam a casamento tendo como base a mentira geralmente falham. Mas de igual modo falham as que têm como base a sinceridade e o amor. Por isso, em todas as relações, dá-me ideia que depende dos participantes, que podem ser dois ou mais, conforme o número de amantes de cada um dos intervenientes.
Uma das coisas que me pareceu sempre certo é jogar com as mesmas armas. Nunca me pareceu correcto termos objectivos numa relação que o outro interveniente não tenha. Se A ama B, não me parece correcto que B ande com A pelas viagens, pelo dinheiro ou pela companhia. É melhor que esclareça, ou meio caminho andando para o sofrimento. Na realidade, o sofrimento é inevitável, dentro de um contexto de amor, recíproco ou coxo. Um amor recíproco é de A para B e B para A. Um amor coxo só funciona num sentido. A ama B, mas B gosta de ir viajar à conta de A. É provável que se sofra muito mais numa relação de amor. O amor implica riscos que o desamor, o desinteresse não implicam. Quem nunca ama, não parece ser feliz, mas na realidade não vive em sobressalto. Por uma única razão: não se preocupa com o sofrimento do outro. O outro é-lhe indiferente. Mas numa relação de amor, o outro nunca nos é indiferente. Até mesmo numa relação só de afecto o outro existe sempre.
Sou romântica com conta, peso e medida. Acho piada a pequenos gestos que surpreendem e fazem o parceiro ou parceira felizes. Mas não acho piada que morramos de amor, que façamos tudo tudo tudo pelo outro, tendo como resposta a indiferença ou uma bofetada. Não acho. Não posso achar. E considero uma ofensa à auto-estima. Também não acho piadinha nenhuma ao conceito de «sermos um só». Há limites. Duas pessoas são sempre duas pessoas. Antes de se juntarem tinham hábitos, amigos, gostos. Entendo que se conceda tempo e espaço ao amor. Mas não todo o tempo e todo o espaço. O parceiro ou a parceira não somos nós. É outro/outra. E esquecemo-nos sempre (mas sempre!) que há uma miríade de hipóteses de o amor falhar, mas os amigos ficam se os soubermos estimar e conciliar com a relação.
Nunca entendi cortes com amigos, distanciamento de tudo e de todos, fechamentos, isolacionismos nas relações. Se uma relação não é para melhorar a convivência, mas sim fechá-la, não me parece saudável. Mas é só a minha opinião. A opinião da grande maioria dos namorados é que quanto mais se fecha mais se ama, mais forte é o amor. Como o vinho do Porto: fica na cave a apurar. E se o processo falha? Será que há alguém à espera fora das caves??
Mesmo assim, atordoa-me mais relações de interesse, de utilitarismo. O que se diz às pessoas que exploram e saem incólumes, na vida? A mim lembra-me o apocalipse. Parece o fim do mundo, que se ande por aí a esmifrar um gajo ou uma gaja porque tem dinheiro, porque dá conforto, porque ajuda, etc. Mas desde há muito que a indecência tomou conta do mundo. E de facto, estas são as pessoas que menos saem punidas, na vida, que não pagam pelo que fazem.
Dantes eu não era uma pessoa tão rígida. Se calhar porque pensava que este tipo de relações «por dinheiro» (há que saber classificar as coisas) tinham caído em desuso. Pensava que já ninguém fazia isso. Mas hoje voltou-se à carga. Estamos num mundo complexo, com muita falta de emprego, de dinheiro, de oportunidades. As pessoas apostam na facilidade, no facilitismo ao virar da esquina. Acham que uma relação assim cobre os maiores problemas da vida delas. E abre um maravilhoso mundo novo. À maneira delas (em todo o caso é sempre assim) são felizes, pois claro.
Fico triste de não haver dilúvios na vida destas pessoas que lhes prove, inequivocamente, que estão erradas, que a vida sem amor nem merece ser vivida. E tenho pena da complacência de todos nós que, de boca calada, nos achamos impotentes para dizer o que achamos sobre isso.
Será que um dia o tédio assola a vida destas pessoas? Será que se chateiam da futilidade de uma vida sustentada por outrem, sem bases, sem maturidade, sem conteúdo? Ou será que vivem a vida a copiar os outros? Quem são estas pessoas? Se é certo que no amor todos podemos falhar, no que diz respeito à mentira e à falsidade, estas pessoas são mestres e acertam na muche. Há muito que fui vencida por possíveis pensamentos positivos em relação a isto. O amor só vence quando é de ambas as partes. Se não for, o amor é vencido, nós somos vencidos, a vida é um fracasso. No que diz respeito a estas pessoas, que são «empata-tempo» dos outros, parece-me bem que todos saímos dolorosamente vencidos. Neste ponto sou muito romântica. O amor é só para os vencedores. E eu sou uma delas.

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