Tuesday, April 25, 2006


As excursões

A maior parte de nós gosta de viajar, dar passeios. Quando somos crianças adoramos, mais não seja pela novidade. Quando somos adolescentes, temos as visitas de estudo, que servem para faltar às aulas, basicamente. Quando namoramos e casamos, as viagens servem para fomentar a relação (ou explorar o parceiro/parceira, no caso das relações de interesse). Quando temos filhos, as viagens são para agradar aos filhos, porque com filhos ninguém descansa nas férias. Quando chegamos à meia e à terceira idade, as viagens já têm uma outra utilidade, servindo para conviver com grupos de amigos, e, numa idade em que finalmente estamos sós, falar dos filhos, dos netos e da nossa vida toda (no caso das mulheres).
As excursões são um mundo à parte, divertido e instantâneo. São como os pudins instantâneos. Basta juntar água, o açúcar já vem no pacote. Como ninguém tem nada a temer – nem a perder – as pessoas são mais naturais, menos afectadas. Ninguém vai bem vestido, em primeiro lugar, o que é óptimo, porque não há a pressão dos casamentos dos nossos amigos, em que temos de ir impecáveis, a combinar, e magros, para ninguém dizer: " Ai tãooo gorda!! ". Nas excursões dos cotas, todos vão de fato de treino, camisolas rotas, casacos roçados, meias horrorosas de padrões detestáveis, e isso não preocupa ninguém. As mulheres são quase todas gordas e flácidas e vivem bem com isso. Os velhos são tão velhos que usam bengalas, muletas, amparando-se em todo o lado. E ninguém se compara porque todos são feios. Os reformados não falam tanto de trabalho como os jovens, por uma razão simples e aceitável: estão fartos. Trabalhar a vida inteira custa muito. Por isso, só falam do trabalho como uma peça histórica das suas vidas.
É evidente que também há tristeza. Todos os anos morre alguém destas associações que promovem excursões ao fim do mundo. As pessoas não duram sempre. Mas as associações continuam, porque umas pessoas chamam outras, levam companheiros ou companheiras, que também se filiam. As pessoas conhecem-se, nem que seja só de cara. Nestas viagens come-se e bebe-se bem.
Outra das desvantagens é que toda a gente tem um rol de doenças invejável, que conta pormenorizadamente aos companheiros de viagem. Toda a gente leva a sua caixa de comprimidos, sabiamente dividida pelas refeições.
Mas como eu disse, as vantagens são muitas. Como eu disse, ninguém tem nada a perder. As pessoas dançam música pimba sem vergonha, engatam sem vergonha, se forem divorciadas ou viúvas, vestem-se sem vergonha, comem e bebem sem medo de engordar (apesar de toda a gente ter o colesterol alto), e sabem coisas que não lembram aos mais novos, como o tango, o passe double, o cha-cha-cha. Só nas aldeias é que há festas assim, com grupo de animação como nomes como «Centauros» ou «Gafanhotos», que cantam em brasileiro "O Bacalhau quer alho, é o melhor tempero", ou que dedicam ao noivo a música do Quim Barreiros "Esta noite vou dar uma, vou dar uma, sim senhor". Só nestas excursões é que existe um guia com ar de doido que grita: " Fotografem! Fotografem que o padre não está a olhar agora! ", numa igreja do século XVIII com quadros destruídos. Só nestas excursões é que existem escritores reformados completamente chanfrados, que vendem ao quilo as suas edições de autor, todas «baseadas em casos verídicos».
No entanto, é disto que eu gosto. As relações já não se baseiam na superficialidade, as pessoas falam umas às outras porque querem, não para conseguir/manter um emprego/uma promoção. As pessoas relacionam-se de forma genuína e jovial, sem preconceitos, deixando os filhos entregues às suas vidas, fora do ninho. Não se julgam pela aparência com tanta facilidade, nem dizem umas às outras "És muito jovem para conseguir isto!". Todos ultrapassaram já a barreira do que comummente se chama «ser muito jovem». Todos menos eu, que os observava. Quanto a mim, também já ultrapassei essa barreira, pelo menos mentalmente. Fisicamente estou a caminho. Não estou longe das excursões da meia idade. Espero que lá chegando as faça. É meio caminho andado para aferir que fui e ainda sou (serei) uma pessoa feliz e realizada.

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