O vegetarianismo e a Patrícia Mânfia A Patrícia Mânfia faz parte do meu grupo de amigos mais chegados. Faz parte da fornada 1977: como eu, a Paula, a Lina, a Ângela, a Tembwa, o Jorge, a Diana. Eu acho que foi uma fornada espectacular. Até 1977. 1978 já foi um ano de merda. Depois os anos 80 são bons. Foi a fornada da Patrícia Patrícia, amiga muito mais recente. A Patrícia Mânfia é muito especial, desde a faculdade que noto isso. Mas o especial dela foi-se refinando, como ela própria, foi crescendo, e também se foi radicalizando. Gosto quando as pessoas não cedem e se radicalizam. Parece-me inteligente, desde que não fiquemos inflexíveis e não deixemos de acreditar. Mas quer eu quer ela deixámos de acreditar, há muito tempo, em muitas coisas, a saber: a) que todas as pessoas são bem intencionadas ou «não fazem por mal». A vida provou-nos exactamente o contrário. Quanto mais velhos, mais gente cínica conhecemos, mais traídos somos nas nossas expectativas de vida, pelas pessoas e por muitas outras coisas. b) que um dia tudo fica bem. Eu e a Patrícia sabemos que não existem tesouros ao fundo do arco-íris. Talvez não faça mal acreditar nisso. Mas nós não acreditamos que velhas ordens se recomponham. Podem aparecer, isso sim, em forma de uma nova ordem pós-caótica, mas que nada tem a ver com a anterior. Por isso não temos vidas nada parecidas àquelas que tínhamos na faculdade. c) que perder as pessoas é das maiores lições de vida que temos de aprender a gerir, sobretudo se essas pessoas nos orientavam e eram parte integrante do nosso coração. d) que podemos perder tudo de um momento para outro, e isso é muito difícil de aprender. Mais uma vez, aprendemos que rapidamente a ordem estabelecida, ou a tentativa de o fazer, pode gorar, ruir. E) não acalentamos grandes expectativas quanto às pessoas. Só dá desgostos desnecessários. Sabemos que as outras pessoas nem sempre pensam ou sentem o mesmo que nós. Para além de tudo isto, sabemos que a carne faz mal à saúde, que vai podre para o estômago e demora dias a fazer a digestão. A diferença é que a Patrícia se fez vegetariana, e eu (ainda) como carne. A Patrícia tem princípios que a orientam bastante saudáveis, ao contrário de mim, que com joanetes e escoliose fico o dia todo (mal) sentada, por isso vou piorando e fazendo as coisas cada vez mais cansada como se fosse o fim do mundo. Mesmo agora, que gosto muito do que faço, que puxa pelas minhas capacidades intelectuais. Este tipo de rectidão da Patrícia agrada-me muito, e não são falsos elogios. Nunca gostei de hipocrisia. Ela é recta em tudo, até mesmo no que come. O que ela come é o espelho dela própria: escolhido a dedo, alimento a alimento, para fazer parte dela. Tenho o maior respeito por quem se disciplina a este ponto. Tudo o que esteja sujo a Patrícia limpa (casa-de-banho da Ângela incluída, mas isso foi há muito tempo…), não vive na porcaria e na desarrumação, como eu. Com as pessoas é o mesmo: detesta a mediocridade. Não vive na coscuvilhice, na arrogância, no falso pudor. Diz o que pensa. A coerência dela é uma mais-valia. Hoje em dia muito pouca gente é coerente. As pessoas agem conforme lhes dá mais jeito. A casa da Patrícia revela o interior dela: a ordem. O que nela é desordenado e imperfeito está bem arrumado no seu canto. A Patrícia não aspira à perfeição de carácter, nem gosta das pessoas que aspiram a perfeições (uma vez que é uma hipocrisia), nem gosta de ser exemplo para ninguém (é inimitável). Num mundo virado do avesso, em que cada um faz o que pode para vencer sem olhar a meios, ela faz as coisas com a mestria e a rectidão que empresta à vida. E eu gosto muito disso. Por isso ela é minha amiga. Por isso tantas outras pessoas não são nem nunca serão minhas amigas. Porque sem carácter, sem coerência, somos um poço sem fundo. |
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