Monday, May 29, 2006


Tembwa, a estrela

Costumo pensar que todos os meus amigos, por serem meus amigos – ou assim terem sido escolhidos – são cromos irrepetíveis na minha caderneta das amizades. Há aqueles amigos que surgiram logo, os primeiros cromos. Os que vieram depois, os segundos cromos. Os cromos que, por não serem coerentes com a moldura da caderneta, saíram. Os cromos muitos procurados por serem raros. Os cromos porreiros, que estão lá de coração, mas pouco colados à caderneta, escorregam muitas vezes para fora dela. Os cromos diários (como o pensinho higiénico «pequeno, pequeno, dobrado em bolsinhas, suave, suave»). Os cromos inesquecíveis, os novos cromos lançados no mercado, originais e cómicos. Sempre adorei cromos. Sempre adorei terminar uma colecção de cromos, mas, que me lembre, nunca consegui terminar nenhuma. E na vida é o mesmo. Deixo sempre espaço aberto a novos cromos, sem esquecer os anteriores, os que mais gosto, os que e marcaram a sair das bolsinhas, reportando à minha analogia, não esqueço a forma como algumas pessoas surgiram na minha vida, repentina e eficazmente, e lá ficaram.
Por exemplo a Tembwa. É um cromo daqueles que toda a gente gosta de ter na colecção: divertida, simpática, mimética, anedótica. O palhaço da turma, mas inteligente nas piadas, não se limita a debruçar e cuspir da janela, como os miúdos-palhaços fazem. Felizmente a Tembwa conhece consequências. Pelo nome os leitores diriam que ela é preta, mas não. As origens dela são do Lubango (Angola), mas é madeirense, e branca, claro, ou nem tinha nascido na ilha do Alberto João (sim, a ilha é dele).
A Tembwa diverte imenso. Tem piadas tão boas que até os mortos se levantam das suas campas para aplaudir! Conhece realidades estranhas (como pessoas que introduzem coisas estranhas nos órgãos – isto para não ter de dizer que metem pepinos e garrafas de cerveja Sagres no cu ou na vagina), que conta e completa com muito sentido de humor, e, apesar de não suportar agulhas, conta os desmaios dela como se fossem espectáculos do Seinfeld. A Tembwa tem muito mais graça do que o Herman José. Ah, já agora, é Tem-bw-a ou Tem-bwa, não Tômbola, Tábua, Tébola, Tubo, Tomba, Tômboa, Tromba, Trampa, Trompa…ok? Tembwa significa Estrela, o que só mostra que a mãe dela a conhecia bem antes de ela nascer e dignificou o seu nascimento desse modo soberbo. Quem dera eu chamar-me assim…já ninguém me confundia mais com a Fernanda-da-Muleta. O nome português é Bárbara, mas ela jura que nada tem que ver com Tembwa. Bárbara é mais negativo, porque Santa Bárbara é uma mártir (como todos os santinhos), morta numa torre (é representada com uma torre na mão) numa noite de trovoada, por isso ficou como sendo a protectora das pessoas em noites de trovoada (contou-me a minha avó). Tembwa e Bárbara são a antítese uma da outra. A Tembwa é a estrela e a Bárbara a rainha da trovoada (Tembwa e Tricia, esta interpretação só prova que fui a todas as aulas de pessoanos! Pessoa…Pessoa…Pessoa). Portanto, em última análise, a Tembwa terá um lado mais luminoso e outro mais chuvoso, como toda a gente. Só que nem toda a gente desenvolve o lado luminoso com a mestria com que ela o faz. Até foi ao programa do Goucha contar anedotas, o que, quanto a mim, desvirtua um bocado, mas faz parte da maneira de ser dela. Tanta extroversão acaba sempre nos programas do Goucha…
É difícil sermos tão engraçados como ela, num mundo escuro e obscuro, de cinismo e de hipocrisia. Eu sei que digo sempre isto dos «cromos» que me rodeiam. Mas são perfeitos. Cada um com o seu enquadramento específico. Ou eu sou uma pessoa muito organizada nas minhas amizades, ou creio ter tudo o que preciso, pelo menos nesse campo. Sinto que cada uma das pessoas que me rodeia faz parte de uma ordem (divina, superior ou normal, eu não sei, nunca falei com Jesus Cristo, nunca lhe perguntei). Não que as pessoas sejam perfeitas ou tenham vidas perfeitas. Eu também não sou assim, nem tenho essa pretensão. Mas os meus cromos fazem sentido num mundo (exterior e interior) cada vez mais confuso e dilacerante, cada vez mais hipócrita, cada vez mais assente em relações «que dão jeito», o que em Portugal significa «relações-cunha».
Os meus amigos não são como prédio pré-fabricados, feitos de materiais de merda, a abanar por todos os lados (boa metáfora para os meus dentes!), construídos para ocupar espaço e alguém lucrar com isso. Têm bases, têm estrutura e conteúdo. São prédios de luxo, de muito (a)preço, caros (em todos os sentidos), situados em jardins no paraíso. Espero que estejam sempre onde eu os conheço, onde eu os sei existentes, porque a vida é demasiado curta para os amigos tipo prédios pré-fabricados, ou para os conhecidos, ou para quem se aproxima de nós por indiferença, interesse ou qualquer outro sentimento mesquinho. Por isso, num mundo de construções desmesuradas e frágeis por dentro, os amigos, mesmo que poucos, são um luxo a manter. O tempo para eles nunca é desperdiçado nem amaldiçoado. É um bem precioso.

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