Monday, August 21, 2006


Os médiuns

Esforço-me por ser uma pessoa racional. Acho que num mundo caótico e desordenado, cheio de desgraças e intempéries, coberto de atrocidade e pejado de pessoas imbecis, não resta senão um de dois caminhos: virarmo-nos para a crença desenfreada ou não acreditar em nada. Claro que podemos seguir um caminho alternativo e menos radical, como acreditar só em algumas coisas, mas se formos inteligentes vamos perceber que não serve de muito acreditar em espíritos ou em Deus e ficar por aí, sem andar mais para a frente. É correcto procurar e indagar quem somos. Eu sempre achei que qualquer crença, por mais absurda que seja, revela quem somos e a nossa honestidade na vida. Volto à carga naquilo que disse no post anterior: se somos budistas temos de exercer a nossa capacidade de budistas, se somos católicos, crentes, temos de praticar, mais não seja em actos bondosos, mesmo que não sejamos frequentadores assíduos da igreja. Há certamente pecados maiores do que não ir à igreja, mas devemos conhecer os seus preceitos e perceber o porquê de sermos católicos e não budistas ou hinduístas da Igreja Adventista do 7º dia, ou da Igreja Maná, ou da Igreja Universal do Reino de Deus.
A crença também pode revelar a nossa ignorância. Não chega pagarmos uma avultada quantia ao pastor ou à igreja, temos de perceber o contexto, e muitas vezes, por ignorância, isso nem é questionado.
Há coisas em que tenho uma postura mais politicamente correcta do que outras. Acho que devemos ler o mais possível acerca daquilo que nos assusta ou deprime. Quando comecei a ler livros sobre a depressão, também não gostava muito daquilo que lia, mas achava que esse era o caminho melhor: saber para evitar, combater, lutar com armas significativamente mais sensatas. Até sobre o cancro da mama, ando informada, em cima do acontecimento, dos tratamentos, das evoluções. É preciso identificar, perceber, combater. Mas isto é a teoria. Na prática, estaremos algum dia preparados para um cancro? Ou até para uma depressão (que também é daquelas coisas que «acontecem só aos outros»)? Não estamos, não. A menos que, como dizem os budistas, percebamos a lei da impermanência e saibamos lidar bem com a mudança, não só de casa, de estado civil, mas também de condição física e espiritual. E muito poucos de nós reagem bem quando mudam para pior. Geralmente achamos que mudar é sempre para melhor. Eu sou muito prudente com a mudança. Mesmo que se assemelhe ao paraíso, a mudança comporta riscos grandes, desafia-nos enquanto seres humanos. E, regra geral, quanto mais medo tivermos, pior vivemos. Porque ter medo é a base para não fazer, não mudar, não conseguir, não passar ao degrau seguinte. Eu tenho medo de muitas coisas e reconheço isso. Não vou dizer que gosto de andar de avião, ou andar sozinha à noite, ou ir à ginástica, ou cozinhar, ou ficar doente, ou saber à partida que vou aturar pessoas chatas que me destroem muitos neurónios por segundo. Todavia, faço-o, ou porque tenho de fazer ou porque quero, ou simplesmente porque as circunstâncias ditaram que assim fosse.
Muitas vezes a mudança não parece ajudar nada. Não dizemos, ao perder o emprego «ai que bom! Agora é que a minha vida dá a volta que eu precisava!». Provavelmente sentimos primeiro a frustração de a vida não ser o que esperávamos, ou de vermos pessoas a conseguir o mesmo que nós com menos capacidades, ou de simplesmente não termos dinheiro (que é muito muito frustrante). Assim como não chegamos ao médico, diagnosticam-nos um cancro e dizemos a sorrir: " Obrigada. Fazia-me falta perder o cabelo todo para mudar de visual. Esta mudança até ajuda ". Não é assim, até porque, se formos inteligentes, evoluímos, não estamos à espera que nos mandem evoluir, mas à nossa velocidade, não àquela que os outros nos pedem para termos, porque isso não existe. Não andamos aqui para sermos o que os outros querem que sejamos, nem para termos a personalidade que esperavam que tivéssemos. Ao longo de vida, tenho sido uma frustradora de expectativas muito grande, porque quase sempre tenho seguido o caminho que eu quero e não aquele que os outros gostariam que eu seguisse. Acho que quando faço as coisas que os outros querem é mera coincidência. Nunca percebi muito bem, mas parece que toda a gente gostaria que eu conduzisse, por exemplo, «para meu bem». Menos eu. Não percebi porque é que deveria ficar sentada todo o dia, visto que não posso, por razões de saúde, estar sentada muito tempo. Digamos que não nasci para ser marioneta, e chateia-me muito sê-lo. As conveniências e a superficialidade irritam-me solenemente. Parece que nunca descemos ao mais fundo de nós, para entender porque é que estamos sempre a dizer aos outros que sejam como «nós». Teremos assim tanto medo da diferença?
Não sei quais as capacidades do ser humano, e verdadeiramente ninguém sabe, mas calculo que haja pessoas muito bem informadas acerca daquilo que somos e que conseguimos atingir. E enquanto alguns de nós ficam aquém seja do que for, outros têm capacidades muito fora do normal, muito extraordinárias mesmo, que sinceramente admiro. Estamos habituados a achar que quem conhece o próximo é o médico ou o psicólogo, que estudaram especificamente o que «é» o ser humano, num conjunto corpo-espírito. Mas muitas pessoas transcendem esta descrição. Conhecem o próximo intuitivamente, até de uma forma inadvertida, furtiva, um bocado a rasar. Têm uma dimensão muito para além do superficial. Umas pessoas exploram isso mais do que outras.
A capacidade mediúnica ainda vai além disso, o médium é um veículo deste mundo e do «outro» (para quem acredita noutro mundo para além deste). É ainda mais sensitivo, mais aberto ao intangível.
Eu nunca soube muito bem lidar com essas capacidades – que julgo ter. Tenho sempre tendência a classificar o que sinto como sintoma depressivo ou pós-traumático, de forma a explicar racionalmente aquilo que me parece ser. Mas se fosse um problema cerebral seria diário, constante, regular. E não é. Parece haver uma hora, bastante escura, em que me levanto e tenho muito medo daquela sensação fria e desconhecida, de ter gente à volta a olhar para mim e até a querer falar comigo. Nunca consigo avançar na direcção dessa sensação, avanço logo para a cama e escondo-me por entre os lençóis. Muito raramente também pareço estar a ser observada no quarto, mas é mais raro. Pronto. Assinei o meu contrato de demência, aqui no blogue. Mas eu fui a primeira a dizer que tudo isto é cientificamente explicável. Além disso, odeio monotonia e tenho um trabalho monótono, por isso o meu cérebro deve dispersar e inventar esta coisa criativa que é sentir o inexistente. Não sou nada monótona, todos os dias sou diferente.
Mas assim como alguns de vocês estarão a chamar-me demente, outros dirão que esta percepção fora do vulgar é comum e é um dom. Eu também acho que sou doida, e que sinto o que impulsivamente quero ter. Mas há uma diferença abissal entre os desejos e a realidade que é a vida. A frustração de expectativas acaba por ser constante, sobretudo em quem tem percepção a mais, a dita extra-sensorialidade. Acabamos por perceber que há uma parte do nosso cérebro permanentemente ligada ao que nos frustra, quer isso seja simples ou complexo, quer passe por saudades (conceito já de si complexo), quer passe por coisas mais específicas, como detectar impostores.
Uma das minha amigas contou-me esta história. Foi com outra amiga à taróloga (a dita «bruxa»), muito céptica e incrédula. Ficou num canto e qual não é o espanto quando a taróloga lhe diz: " Estás mentalmente a mandar-me à merda! ". Na verdade, quem manda à merda tem uma expressão específica, não é preciso ser bruxo para adivinhar. Mas é preciso cuidado, há sempre alguém que nos lê os pensamentos, adivinhos, mágicos ou extra-sensoriais. Talvez tenhamos uma energia qualquer, a aura, o karma mais visível. Não sei. Mas há coisas que sinto e não sei como lá chego. Há conclusões lógicas, às quais chego pelo cérebro e pelos sentidos que todos conhecemos. Há conclusões sem lógica, embora muitas vezes certas, às quais chego pela perspicácia e por um sentido que escapa à razão humana.
Na definição dos espíritos, ser mediúnico é estabelecer um contacto entre cá e lá, ser uma espécie de corrente comunicativa. Mesmo que não se queira, pode-se ter essa capacidade, ser inata, mas simplesmente não lhe dar atenção, não estudar o que fazer com ela, como é ela, para que serve de facto. Ou pode-se aperfeiçoar, refinar-se de forma a melhorarmos a nossa perspectiva das coisas. Muitos de nós possuem uma omnisciência oculta. Ser omnisciente é um poder muito grande. Só os narradores detêm a omnisciência e Deus, mas em todo o caso Deus é considerado um narrador que conta a história do homem e do pecado no mundo. É um narrador participante, activo, elo de transmissão. Por isso a mediunicidade começa em Deus, ou no Além, e daí evolui para algo bem mais simples, porque se somos feitos à semelhança de Deus, então temos esse lado mediúnico, que pode ser activado ou recalcado.
Alguns de nós não têm tempo nem pachorra para pensar nisto, outros são simplesmente estúpidos. Penso que ninguém está muito à vontade com o seu sexto sentido. O sexto sentido é hoje aquilo que a sexualidade era há uns anos atrás: todos faziam, mas ninguém expressava opinião sobre o tema. Todos temos sexto sentido, mas muitos de nós assustamo-nos e recuamos com medo. Outros avançam em sentidos completamente errados, como a bruxaria (fazer mal ao próximo é subverter o sentido natural das coisas), e outros praticam sem se manifestarem.
Não sei se sou mediúnica ou se sou tola, mesmo, se o meu cérebro está programado para a bacoquice, a idiotice, se está mesmo programado para o trauma, para registar as quedas e com isso fazer filmes. Não sei até que ponto poderei comunicar com outros mundos, ou se eles existem. Sei que não gosto nada de acordar para o mundo real, que me parece reles, podre, hipócrita. Gosto muito mais dos meus sonhos. São completos, e talvez a verdade em si mesma esteja neles.

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