Bino, o conquistador
Alguns sabem do que falo quando falo do Bino. Outros nem por isso. Mas o Bino sou eu. Ou melhor, é a minha faceta pseudo-cómica, o Parvo que existe em todos nós. O Bino é uma personagem do filme «Balas e Bolinhos» que vive na lixeira, não tem qualquer importância na história, mas tem imensa graça. Para além disso, é o típico atrapalha-tudo, porque não tem capacidades para nada. Sinceramente, e deste ponto de vista, não é bom ser o Bino, porque o Bino é um incapaz. Creio que quem me chama Bino não o faz com esse intento, mas com o intento de me retirar do mundo sério e hermético onde às vezes mergulho sem dar conta.
O Bino é a minha parte infantil e medrosa, que receia muito o novo, que prefere ficar na sua lixeira encantada, tipo Floribella, a evoluir pouco e a sonhar com uma vida perfeita. É ainda o menino, neste caso menina, que não gosta da escola e precisa de tudo e de todos para respirar.
Quando eu era miúda, eu era beata, uma daquelas religiosas que temia, acima de tudo, o pecado. Não sei se essa educação me foi transmitida pela minha avó (mas duvido, porque ela gozava comigo), se fui eu própria que me interessei por um mundo novo. É engraçado que, quando somos nós próprios, apanhamos severamente na cabeça. Quando era católica, apanhava na cabeça porque era católica, quase ninguém apoiava essa convicção e graças a isso nunca frequentei uma igreja como deve ser. Agora que sou ateia e estou no pólo oposto, oiço muitas vezes as críticas da minha avó, como ouvia as da minha mãe. No fundo, a pergunta é sempre a mesma, o que é que os outros, afinal, querem de nós, sobretudo a família? Eu nunca entendi, mas estou ciente de que cada um segue as pisadas que deseja, pelo menos no que diz respeito a fé, crença, religião.
Aquilo que mais me agradava quando acreditava em Deus era o facto de achar que era protegida, que estava sempre acompanhada, que Deus me ajudava de alguma maneira. Talvez isso diminua a capacidade depressiva das pessoas. Deve ser um conforto acreditar que estamos a ser vigiados. Uma igreja parece sempre ser segura. Tenho alguma saudade do tempo em que acreditava em anjos da guarda, santos, santas, milagres, profecias. Tenho saudades do tempo em que tudo era a preto e branco e eu dividia o mundo entre luz e trevas. Hoje não é assim. Tudo se relativizou, por um lado ainda bem, significa que há o direito à diferença, mas por outro lado isso deixou-nos perdidos: afinal onde é que está o bem e o mal? Em qual deles escolhemos habitar?
Eu não sei se é perceptível a todos, mas um dia nós escolhemos qual dos caminhos vamos trilhar. Nem sempre um caminho de luz é um caminho constituído só de felicidade, mas é certamente um caminho onde procuramos a lucidez de opções, isto é, tomá-las de corpo, cabeça e espírito. Também não é sempre um caminho de coerência, porque erramos muito. Mas não pode ser um caminho que só tenha em conta a nossa existência e os benefícios dela, sem percebermos que, seja qual for a nossa existência, ela interage com outras de muitas maneiras. A nossa existência pode ser modificadora do outro, ou manipuladora do outro, exploradora do outro, ou eventualmente potenciadora do outro. Um professor, por exemplo, deve ter uma existência potenciadora, deve ser alguém que puxa pelos outros para fazerem melhor. Um médico tem uma existência apaziguadora (ou mesmo salvadora) das doenças. Um advogado defensora. E assim por diante. Mas à parte da nossa profissão podemos ser pessoas muito diferentes: com pouca ou muita sabedoria.
O Bino, apesar de toda a sua fragilidade, escolheu uma existência potenciadora, mas nas horas livres tem a mania que é herói e vê o Arcanjo S.Miguel, usa a sua espada, como o Eurico, o Presbítero. A sua arma potenciadora são as atitudes e as palavras. Vá, digam lá que o Bino é um beato, como o Santo Condestável. Não tenho muitas crenças. Vou sempre querendo acreditar mais e mais que tudo faz um sentido e que o Pai Natal de presente vai afastar xoxas velhas da minha vida. Mas outras virão, certamente…quem disse que a vida era perfeita? A dureza é sermos felizes com a imperfeição das coisas. A dureza é sermos coerentes quando custa e não o contrário.
O Bino odeia viajar sozinho. É como o primeiro dia de escola, é retirarem debaixo dos pés um mundo conhecido e baralharem tudo. Mas vai. Tanto gostei da escola que ainda lá estou, ainda estudo, ainda gosto, por isso desde os seis anos que o Bino é corajoso, porque não desistiu, mesmo podendo desistir, das coisas que lhe metem medo.
Roma é linda, bem sei. Mas estar em sítio desconhecido um mês, às vezes a olhar para paredes, com um frio de rachar, com poucos meios de comunicação (e caros), sem o pilates, sem a biblioteca que eu conheço, sem as pessoas que eu conheço e a língua onde me sinto confortável, com pouco dinheiro e prazos apertados…é dose. Está bem que tenho uma espécie de sos aqui em Portugal, que me fornece o que eu preciso, mas como pessoa empreendedora, tento fazer as coisas sozinha e aprender por mim. Os outros são sempre uma boa desculpa para não fazermos nem aprendermos as coisas. Tem-me custado muito aprender isso. Confesso que em Fevereiro houve coisas da viagem que me correram tão mal e eu não disse a ninguém. Houve dias desesperantes. Nunca tive aquelas saudades de morrer, das pessoas, nem nada disso, mas tinha muitas saudades de poder falar português sem ser dentro da minha cabeça, ir a um Multibanco qualquer, saber pedir uma comida, comer barato e bem, e conseguir fazer o meu trabalho sem dificuldades de maior. Além disso, passa rápido, mas os dias são sempre iguais. Não tenho como ir seja onde for, trabalho todo o dia. Acho que toda a gente fica mais entusiasmada do que eu com a ida a Roma. Eu já sei o que me espera. Dias frios e curtos, que acabam cedo, quando me vou deitar, manhãs gélidas e chuvosas e um trabalho duro para os meus olhos e costas. Alguma solidão, apesar de o Pedro ir lá ter comigo.
Na verdade, sei que tudo tem um preço. Sempre quis fazer isto, tenho uma certa devoção por tudo o que seja investigação, academia, universidade. Dantes era só um ponto de passagem, mas com o tempo tornou-se clara esta minha opção de viver e respirar na universidade. Seria difícil voltar ao que estava, ao que era, ao que fazia. Só que o preço é este: a distância, o trabalho árduo e muito solitário, a escrita como companhia. Naturalmente que de fora este parece um trabalho aventureiro e sem futuro. Eu própria não sei classificar, mas é bem possível que seja mesmo isso.
O Bino no meio disto tudo é pequenino e só se faz valer do que sempre se valeu: da sua cabeça de alho-xoxo, que felizmente consegue fazer algumas coisas, do seu coração, da ajuda dos seus amigos. O Bino tem pavor de aprender coisas novas, são difíceis e não se chega lá rápido. Estudo italiano todos os dias, mas qual quê…mais facilmente aprendi latim, quando tinha dezasseis anos. Só prova que quanto mais avançamos na idade mais difícil se torna aprender coisas novas. É assim mesmo, toda a aprendizagem se faz de muito esforço e dedicação. A vida faz-se de duras provas.
2 Comments:
O Bino é aquele personagem que aparece muito discretamente no cenário. A princípio, quase não damos conta da sua presença. Mas quando nos apercebemos dela, enche e enriquece a história. O Bino-Tininha é isso mesmo para o RES. Apareceu com pezinhos de lã, até se insurgir na Casa Pensalinho com tanta força que quando passa muito tempo sem aparecer sente-se cá um vazio...!
Lololo...não acredito! Vocês agora estão tipo sagrada-família, não ligam ao Bino. Mas o Bino pensa bués em vocês.
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