Sunday, June 03, 2007

Palavra de homem

Às vezes os homens têm razão. Por exemplo o meu pai. O meu pai é dono de quase toda a razão do mundo e tem um sentido de humor fantástico. Dizem que os pais são para as meninas o seu modelo de homem para o futuro. O meu não é bem. Gosto de sentido de humor e de razão, mas também gosto que um homem esteja do meu lado, me defenda e apoie e que saiba fazer qualquer coisa em casa. Será pedir muito? Não, acho que hoje em dia os homens já têm de vir com esse pacote, ou então molda-se.
Os homens são muito filhos de mãe. Não filhos da mãe. Um filho de mãe é um bebé grande e mimado, que joga playstation e vê pornografia no computador em vez de ir pôr a mesa, mesmo depois de seis berros da mulher (lembra-vos alguma coisa?), aos trinta, quarenta anos. O bicho homem é muito engraçado, mas ficar sozinho tá quieto, precisa sempre da sua Eva ao pé para lhe dizer «é desta árvore que deves comer maçãs». Um homem precisa muito de uma mulher. Uma mulher também precisa de um homem, naturalmente, até porque não se reproduz sozinha e os bancos de esperma não têm piada nenhuma. Mas uma mulher, mesmo quando é dependente, sabe ser independente. É o que eu acho. A minha avó toda a vida dependeu financeiramente do meu avô e nunca fez nada do que ele lhe disse. Digamos que uma mulher saber manipular um homem com uma habilidade inigualável.
Então vamos começar pelo meu pai. Não posso dizer que a minha mãe não se queixasse das suas ausências. O meu pai nunca soube fazer grande coisa na cozinha e na casa. Hoje em dia, quando o visito, as panelas têm teias de aranha. Quando a minha mãe lhe dizia para aspirar a casa, ele fazia isso, mas pelo meio via televisão e contava anedotas. Eu devo ter saído a ele, porque a lida da casa, hoje em dia, diverte-me. A minha mãe não achava piada nenhuma à lentidão do meu pai e aspirava a casa novamente, melhor e mais rápido. Mas isso era a minha mãe. E isso eram outros tempos. A minha mãe trabalhava aos Sábados de graça para a Segurança Social da Amadora funcionar decentemente, vinha para casa fazer o almoço, a lida da casa e muitas outras coisas. Quando um dia a vi em casa aos Sábados soube que era mau sinal. Estava doente.
Quando a minha mãe morreu, o meu pai reuniu a família, mãe, filhos e ele próprio (só quatro) e disse uma frase que me marcaria para sempre: “ Ninguém comete o erro de ir atrás da mãe. Cada um tem a sua função no mundo. Ninguém comete disparates “ Quer dizer, a minha mãe ia morrer e nós estávamos proibidos de segui-la. Palavra de pai, sempre disponível, porque quando eu era miúda e chamava pela mãe vinha ele e dizia “ Pode ser o pai? É que estou disponível “. Claro que o vi chorar. Imagino (ou não imagino) o que é perder a companheira de uma vida inteira. Mas nunca o vi vacilar muito, manteve-se firme, quer-me parecer que sempre acreditou no amor, na paixão, no enamoramento (do mais ingénuo que há), e acima de tudo na vida que ainda tinha para levar. O meu pai é daquelas pessoas a quem ocorre a piada mais estúpida no momento mais solene. Passados dias da morte da minha mãe passou por nós uma carreta funerária. Em vez de ficar triste, ele virou-se para mim e comentou com um sorriso: “ São confortáveis lá dentro, não são? “. E desatámos a rir.
Tenho poucos amigos homens. Gostava de vos dar uma razão para isso. Mas não tenho. Só se for qualquer coisa subconsciente: uma educação repressiva por parte da minha avó, por exemplo. Mas todo o meu percurso foi com mulheres, amigas, professoras, avó, mãe, que tiveram muito mais influência sobre mim do que pai, avô, amigos, irmão. Mas eles têm um segundo plano simpático, na minha vida, talvez pela relação ingénua que tenho com eles. Parece que com as mulheres sou uma pessoa mais séria, mais confidente, mais exigente, até. Sim, é isso. É porque sou uma mulher. Exijo delas o que exijo de mim: fidelidade, sinceridade, armas limpas. Talvez não fique tão surpreendida com a traição masculina, mas fique horrorizada com a traição feminina (na amizade). Talvez eu ainda seja um subproduto da minha educação machista. Que mau ter descoberto isto…
Para além do meu pai (e do meu avô) há o meu irmão. Mas é uma relação séria com superfície de brinquedo, porque geralmente encontramo-nos para dizer e fazer asneiras, contar piadas com séculos sobre pessoas já mortas, lançar à cara ofensas antigas. O que há por baixo disso ninguém sabe e nós também não exploramos muito, porque a vida é tão séria que mais vale brincar…
Mas amigos, tenho poucos. Anda pelos três, quatro homens, que posso considerar amigos e confidentes, com marido incluído. Ao contrário do que possamos pensar, sobretudo por estereótipo e imposição social, um homem pode ser um confidente sábio, sensato e muito importante para uma mulher. A sua palavra pode representar ouro, não só pela preocupação que manifesta, mas também pela perspectiva do «outro». Sim, porque a maior parte das mulheres tem problemas nas suas relações com homens e gosta de tagarelar sobre isso vezes sem conta. Gostamos de perceber se somos ou não somos a regra, se as outras pessoas têm problemas semelhantes e se há uma fórmula resolvente para cada assunto, que evidentemente nunca há, porque vemos casamentos desmoronar a toda a hora em relações fortes mas casamentos durarem em relações assentes em estacas de papel. Viver com o inimigo também é comum, o que há mais são pessoas doentes, controladoras, possessivas, que vêem nos outros um meio para chegarem a algum lado. Mulheres que se tornam objectos nas mãos de homens ou vice-versa é chapa quatro, como costumamos dizer. Tem a ver sempre com o mesmo problema universal: o problema da identidade. Se não soubermos quem somos e assentarmos a identidade no «outro», o mais provável é tornarmo-nos no outro, esquecendo que tínhamos uma identidade para procurar, melhor, enterrando a verdadeira identidade, que nunca mais fica ao alcance a menos que levemos de frente com «aquela liçãozinha de vida». Por isso é que eu acho que nem sempre uma ruptura é negativa. Dói, mas serve para um reencontro interior, e só se conseguirmos isso é que passamos à fase de um «novo» amor, porque se assim não for, o mais provável é cairmos nos mesmos erros vezes sem conta.
Gosto muito de falar com mulheres: dizem o que pensam, mas são sensíveis, ajudam, disponibilizam-se para estarem ali se alguma coisa correr mal. Mas com um homem é diferente. Talvez ele não atenda o telefone às três da manhã ou não esteja sempre disponível no messenger ou não responda durante semanas a telefonemas, mas quando fala, está certo no que diz, é exacto, objectivo, pragmático, a vida é quase matemática nas mãos dos homens, sem perderem a sensibilidade. A mulher é boa organizadora, tem sentido prático, mas tem sempre coração mole. Por vezes mostra um coração tão mole que é incapaz de dizer a uma amiga «ai que disparate! Esse tipo dá cabo de ti!». Mas um homem, mesmo que lhe custe, diz isso, até porque é homem, saberá decerto o que um parceiro do mesmo sexo anda a fazer a uma amiga.
Não acho nenhum dos homens que conheço parecido com o meu pai: nem o meu irmão, nem o meu companheiro. O meu pai é de uma outra geração, em que um homem cuidar de bebés era «uma vergonha», em que o usual era não saber cozinhar – nada supera o pai da minha amiga Estela, que torrou uma posta de bacalhau na torradeira - e claro, estar do lado da «mãezinha» que mói a nora até ao tutano. Hoje, um homem tem um mínimo de obrigações, viver com uma mulher pode não implicar tomar o seu partido, mas pelo menos perceber em que parte fica ela sem a magoar. Casar ou viver junto implica estar preparado para saber o que é uma casa, como limpá-la e organizá-la, porque muitas das vezes a mulher é que trabalha até tarde. Implica, no caso de quererem filhos, a percepção da maternidade por parte do homem, física e psicologicamente. Implica partilhar a educação da criança, não permitir que a mãe seja sempre a castigadora, a má da fita. Portanto, há papéis que se exigem de um homem, há papéis que um homem só pode exigir de uma mulher se ele também os souber desempenhar. Há uma relação o mais paritária possível. Ou assim deveria ser.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home