Os puzzles da vida
No outro dia, na minha milionésima conversa marital acerca do sentido da vida, entrei novamente em confronto com a teoria pessimista que o meu marido tem do universo. Não que eu alguma vez tenha sido uma optimista, porque sei que nunca fui, mas não sou de ficar parada a olhar, isso nunca. Tudo se muda com atitudes e palavras e essa sempre foi a minha filosofia. Como diria a minha amiga Diana, quando alguma coisa não está bem para mim, ao menos esperneio. Não sou de desistir, embora, quando estou desmotivada, desista em definitivo das coisas, dos projectos, das pessoas. Preciso de motivação para chegar às pessoas, estar com as pessoas, começar um trabalho. Sei que há sempre uma altura de desmotivação, mas sou obrigada a encará-la como passageira. Feliz ou infelizmente, acho que há coisas que deixei para trás há muito tempo, e outras acho mesmo que deveria deixar, mas não consigo. É sempre assim, suponho eu.
Condeno-me muito pelas minhas fraquezas. Não me condeno excessivamente por estar triste ou descontente com a vida. Condeno-me por deixar que sejam os outros a definirem esse meu estado de espírito. Há pessoas que são como as enchentes, arrastam-nos para uma maré de pessimismo. O seu espírito, a sua energia perturbam-me porque são suicidários. É como se as pessoas se estivessem a suicidar lentamente, mas estivessem tristes porque não arrastam os outros com elas. Claro que do lado de lá a coisa não é bem vista assim. Do lado de lá é sempre «só há esta maneira de viver, vive-a para estares connosco». E não é nada verdade. Não há só maneiras tristes de se viver. E também não temos de ser arrastados para o negativismo, embora às vezes custe.
Enquanto o Pedro acha que não há justiça divina, eu procuro uma solução de compromisso. Para mim tem de haver, senão eu construo-a com as próprias mãos. Não se trata de vingança, trata-se de remeter as pessoas ao lugar que merecem, doa o que doer. Trata-se de dizer o que se pensa. E depois agir em conformidade com isso. Não é tão simples como descrevo, mas eu vejo a minha vida como um puzzle: as peças estão misturadas, são imensas, mas tem de haver uma arquitectura. Se realmente não houver, como diz o Pedro, faço-a eu.
Uma das maneiras que eu tenho de viver a vida é pensá-la como um tabuleiro de xadrez com três tipos de peças: brancas, negras e cinzentas. As brancas são as peças que me permitem avançar, e a estratégia de jogo é rodear-me delas para ganhar, fortalecendo-me e fortalecendo os outros jogadores: são os amigos, naturalmente. As peças pretas são as pessoas que não me permitem avançar. Delas fazem parte uma panóplia de gente que brinca com a minha honestidade e tenta atrapalhá-la. Não têm de ser pessoas más, podem ser só pessoas depressivas a beber veneno que querem que eu vá beber do mesmo cálice. Podem ser familiares desesperados por atenção que não me deixam respirar. Podem ser alunos mal educados. Podem ser patrões desonestos. Podem ser pessoas injustas que simplesmente me distinguem por motivos subjectivos, como ser mulher. Depois há as peças cinzentas. São as pessoas de transição. As que eu não sei bem se me ajudam ou desajudam, mas que muitas vezes representam um perigo potencial, ou, ao contrário, as que já deixaram de ser perigosas porque fugi delas, já não me atingem nem magoam, nem perturbam mais o caminho. O jogo é sempre ludibriar as pretas, rodear-me de brancas, ter cuidado com as cinzentas. Um jogo fez-se para ser ganho, não para perder.
Ontem fiz uma coisa que queria fazer há muitos anos: comprei um puzzle gigantesco de mil peças. Escolhi a companhia de centenas de bonecos da Disney, entre eles o Mickey, a Minnie, a Pequena Sereia, o Winnie, The Pooth, a Cinderela, a Branca de Neve e os Sete Anões, a Dama e o Vagabundo, etc. Adoro-os. O Walt Disney dizia que amava mais o Mickey do que poderia amar qualquer pessoa. É um bocado doentio, mas se pensarmos no Schultz e o Charlie Brown percebemos isso. Schultz deixou de desenhar os bonecos quando se despediu da vida. Aquilo era a vida dele. Amava-os profundamente.
Levei a minha infância a ler o Pateta e o Mickey, a odiar o Bafo de Onça, a sonhar uma história como a da Cinderela (que me fez odiar madrastas, mesmo sem saber que um dia ia tê-las), a achar todos estes bonecos lindos por preconizarem o a preto-e-branco que já não temos na vida comum, de todos os dias. Estes bonecos pareciam saber distinguir o bem do mal melhor do que qualquer ser humano.
De ontem para hoje percebi que o stress se desvanecia mais facilmente construindo um puzzle do que indo ao Pilates. Não desculpa as minhas faltas ao Pilates, bem pelo contrário, estou sempre dobrada sobre a mesa e sobre mil peças, o que não me faz nada bem. Só que adoro. Adoro escolher peças, tentar encaixá-las, fazer os bonecos. Tão bom como pintar anões com acrílico. Mói um bocado e torna-se uma obsessão fazer aquilo, mas ali estão a figuras da Disney, partidas em mil pedaços, quase a falarem comigo, quase a pedirem para serem reconstruídas. Lentamente, elas vão aparecendo. A família dos Dálmatas foi a primeira a aparecer. Quem dera que a vida fosse assim, que lentamente percebêssemos onde colocar cada peça para poder tudo fazer sentido…
No outro dia, na minha milionésima conversa marital acerca do sentido da vida, entrei novamente em confronto com a teoria pessimista que o meu marido tem do universo. Não que eu alguma vez tenha sido uma optimista, porque sei que nunca fui, mas não sou de ficar parada a olhar, isso nunca. Tudo se muda com atitudes e palavras e essa sempre foi a minha filosofia. Como diria a minha amiga Diana, quando alguma coisa não está bem para mim, ao menos esperneio. Não sou de desistir, embora, quando estou desmotivada, desista em definitivo das coisas, dos projectos, das pessoas. Preciso de motivação para chegar às pessoas, estar com as pessoas, começar um trabalho. Sei que há sempre uma altura de desmotivação, mas sou obrigada a encará-la como passageira. Feliz ou infelizmente, acho que há coisas que deixei para trás há muito tempo, e outras acho mesmo que deveria deixar, mas não consigo. É sempre assim, suponho eu.
Condeno-me muito pelas minhas fraquezas. Não me condeno excessivamente por estar triste ou descontente com a vida. Condeno-me por deixar que sejam os outros a definirem esse meu estado de espírito. Há pessoas que são como as enchentes, arrastam-nos para uma maré de pessimismo. O seu espírito, a sua energia perturbam-me porque são suicidários. É como se as pessoas se estivessem a suicidar lentamente, mas estivessem tristes porque não arrastam os outros com elas. Claro que do lado de lá a coisa não é bem vista assim. Do lado de lá é sempre «só há esta maneira de viver, vive-a para estares connosco». E não é nada verdade. Não há só maneiras tristes de se viver. E também não temos de ser arrastados para o negativismo, embora às vezes custe.
Enquanto o Pedro acha que não há justiça divina, eu procuro uma solução de compromisso. Para mim tem de haver, senão eu construo-a com as próprias mãos. Não se trata de vingança, trata-se de remeter as pessoas ao lugar que merecem, doa o que doer. Trata-se de dizer o que se pensa. E depois agir em conformidade com isso. Não é tão simples como descrevo, mas eu vejo a minha vida como um puzzle: as peças estão misturadas, são imensas, mas tem de haver uma arquitectura. Se realmente não houver, como diz o Pedro, faço-a eu.
Uma das maneiras que eu tenho de viver a vida é pensá-la como um tabuleiro de xadrez com três tipos de peças: brancas, negras e cinzentas. As brancas são as peças que me permitem avançar, e a estratégia de jogo é rodear-me delas para ganhar, fortalecendo-me e fortalecendo os outros jogadores: são os amigos, naturalmente. As peças pretas são as pessoas que não me permitem avançar. Delas fazem parte uma panóplia de gente que brinca com a minha honestidade e tenta atrapalhá-la. Não têm de ser pessoas más, podem ser só pessoas depressivas a beber veneno que querem que eu vá beber do mesmo cálice. Podem ser familiares desesperados por atenção que não me deixam respirar. Podem ser alunos mal educados. Podem ser patrões desonestos. Podem ser pessoas injustas que simplesmente me distinguem por motivos subjectivos, como ser mulher. Depois há as peças cinzentas. São as pessoas de transição. As que eu não sei bem se me ajudam ou desajudam, mas que muitas vezes representam um perigo potencial, ou, ao contrário, as que já deixaram de ser perigosas porque fugi delas, já não me atingem nem magoam, nem perturbam mais o caminho. O jogo é sempre ludibriar as pretas, rodear-me de brancas, ter cuidado com as cinzentas. Um jogo fez-se para ser ganho, não para perder.
Ontem fiz uma coisa que queria fazer há muitos anos: comprei um puzzle gigantesco de mil peças. Escolhi a companhia de centenas de bonecos da Disney, entre eles o Mickey, a Minnie, a Pequena Sereia, o Winnie, The Pooth, a Cinderela, a Branca de Neve e os Sete Anões, a Dama e o Vagabundo, etc. Adoro-os. O Walt Disney dizia que amava mais o Mickey do que poderia amar qualquer pessoa. É um bocado doentio, mas se pensarmos no Schultz e o Charlie Brown percebemos isso. Schultz deixou de desenhar os bonecos quando se despediu da vida. Aquilo era a vida dele. Amava-os profundamente.
Levei a minha infância a ler o Pateta e o Mickey, a odiar o Bafo de Onça, a sonhar uma história como a da Cinderela (que me fez odiar madrastas, mesmo sem saber que um dia ia tê-las), a achar todos estes bonecos lindos por preconizarem o a preto-e-branco que já não temos na vida comum, de todos os dias. Estes bonecos pareciam saber distinguir o bem do mal melhor do que qualquer ser humano.
De ontem para hoje percebi que o stress se desvanecia mais facilmente construindo um puzzle do que indo ao Pilates. Não desculpa as minhas faltas ao Pilates, bem pelo contrário, estou sempre dobrada sobre a mesa e sobre mil peças, o que não me faz nada bem. Só que adoro. Adoro escolher peças, tentar encaixá-las, fazer os bonecos. Tão bom como pintar anões com acrílico. Mói um bocado e torna-se uma obsessão fazer aquilo, mas ali estão a figuras da Disney, partidas em mil pedaços, quase a falarem comigo, quase a pedirem para serem reconstruídas. Lentamente, elas vão aparecendo. A família dos Dálmatas foi a primeira a aparecer. Quem dera que a vida fosse assim, que lentamente percebêssemos onde colocar cada peça para poder tudo fazer sentido…
1 Comments:
... e é! Lentamente, vamo-nos conseguindo encaixar da maneira como desejamos. Pode demorar uma vida, mas esse momento chega. Chega,sim!
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