Wednesday, May 16, 2007

Desaparecimentos

Hoje deu-me para fazer investigação policial. Aliás, era carreira que muito gostava de ter seguido na vida, vá-se lá saber porquê, mas quando se é míope, muito míope, encontramos caminhos vedados logo à partida. Há uma amiga minha míope que andou na aviação e me disse que os miopes encontram estratégias magníficas para tudo. Do último lugar na lista na prova de tiro passou para o topo depois de encontrar uma estratégia que lhe permitisse nunca falhar o alvo. A maior parte das pessoas determinadas é assim, encontra uma estratégia de salvação para fazer o que realmente quer. Todavia, encontrei nos livros aquilo que procurava e não fiz carreira na investigação policial, faço só na investigação científica.
Sempre achei que teria de haver pelo menos duas qualidades nas pessoas que fazem investigação policial: força de vontade e um carácter incorruptível.
Ontem via o programa da Fátima Campos Ferreira, que detesto – o formato do programa e a própria apresentadora, que fala como se o mundo desabasse sobre a cabeça de todos nós a cada segundo – programa que falava em crianças desaparecidas. O enfoque dado ao caso da menina desaparecida no Algarve extrapolou para outros casos portugueses não resolvidos. Os desaparecimentos são, tanto quanto sei, raros em Portugal e as nossas redes de pedofilia estão montadas em consonância com as estrangeiras, caso contrário seriam facilmente desmontadas, visto que os pedófilos por aqui parecem formar uma espécie de associação de tarados que se conhecem todos uns aos outros.
Então apareceu o caso que sempre me chamou mais a atenção, não só pelos estranhos contornos mas, e acima de tudo, pelo sofrimento da mãe do rapaz, a Filomena Teixeira, que tentou tudo e mais alguma coisa para recuperar o filho. Hoje fui ler tudo o que havia nos jornais sobre a notícia e fiquei chocada com a quantidade de pistas, aparentemente negligenciadas pela PJ, que surgiram logo no início do caso. E a questão é mesmo essa: as primeiras horas são cruciais na resolução destes casos. E não só passaram essas horas, como passaram meses até aparecer uma foto do rapaz na Caras e um vídeo pornográfico em que era espancado. Em ambas, a mãe reconheceu o filho, hoje não com onze anos, mas vinte, apesar de a foto que circula ser a de uma criança e não a de um adulto.
Filomena Teixeira é daquelas pessoas que apetece ajudar, não só por solidariedade, mas pela compaixão mais profunda do que é ser mãe. Quer dizer, eu não sou mãe. Mas suponho que, se um filho me fosse, ainda criança, roubado daquela maneira, seria como ela própria se auto-descreveu «uma pessoa revoltada». Há nove anos não se falava tanto em desaparecimentos e talvez a PJ nem tivesse meios suficientes para seguir pistas como tem hoje. A família investiu tudo o que tinha na descoberta de Rui Pedro, sobretudo o avô, que o Correio da Manhã descreve como «pessoa de posses». Eu pergunto se é mesmo preciso ser-se «pessoa de posses» para alguém fazer alguma coisa por nós e nos prestar a ajuda mínima, em caso de doença, acidente, crime. Quando vou para o hospital só sou atendida se tiver posses? A história das posses irrita-me. Todavia, nem mesmo assim Filomena Teixeira e o pai conseguiram as pistas certas que os levassem ao rapaz e ainda hoje permanece o mistério: onde está ele? Com tanta mediatização e reconhecimento poderá ter acontecido o inevitável, alguém o ter morto. Mas será que uma mãe não prefere saber, seja lá o que for que tenha acontecido ao filho?
Outros casos de desaparecimento existem por este país fora sem resolução, e outros com tristes resoluções. Lembro-me bem do gang do Multibanco, assim se chamava ao conjunto de cinco (acho) elementos, também com uma mulher pelo meio, que raptava mulheres sozinhas que estas iam às compras. Metiam-nas na bagageira, extorquiam o código Multibanco, por vezes amarravam-nas e violavam-nas. Uma coisa do outro mundo aqui mesmo ao lado, na Costa da Caparica. Aconteceu há uns anos atrás. Uma jovem de vinte e poucos anos desapareceu num jipe durante quatro anos. Chamava-se Ana Cristina e não lhe esqueci mais o rosto e o sorriso. Depois de os pais e a polícia seguirem dezenas de falsas pistas, sobretudo em Espanha, apareceu o corpo da jovem, enterrado ali perto. Nunca tinha saído dali da Costa. A história foi que um dos assaltantes era seu conhecido da escola e isso definiu o seu triste e fatal destino. O pai, completamente abalado, disse que embora tivesse perdido a filha, tinha ganho uma certeza: a da sua morte. Do gang do Multibanco, um elemento suicidou-se e dois foram linchados na prisão.
No outro dia lia um daqueles jornais grátis, o Destak ou o Metro e deparei-me com um colunista que dizia, e muito bem: na escala de sofrimento, onde fica o desaparecimento de um filho? Provavelmente acima de um terramoto…
Filomena Teixeira é o rosto da determinação, mas também do abatimento e da tristeza, com uma juventude e beleza roubadas pelas circunstâncias atrozes da vida. Pergunto-me muitas, mas muitas vezes: Deus escreve mesmo direito por linhas tortas?

1 Comments:

At 2:53 AM, Blogger Brisa said...

Essa mulher também me comove. Pela história triste de ter perdido um filho, mas principalmente por viver na constante dicotomia está-vivo-ou-está-morto. Não faço ideia do que será ficar-se sem um filho. Deve ser algo muito forte, porque tantas vezes os pais se esquecem de que têm outros filhos e, nem que seja por eles, a vida tem de continuar.

 

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