Sunday, June 03, 2007

Dar ou não dar opinião

Há muitas coisas na vida sobre as quais não temos opinião porque simplesmente não sabemos do que tratam. Muitas pessoas abstêm-se de comentar seja o que for quando não sabem. Todavia, há muitas pessoas que não sabem e comentam. É do pior possível ouvirmos «devias fazer assim», e contra-argumentarmos «mas eu faço assado» e não adianta. Há coisas, nas outras pessoas, que nos deixam estupefactos e quase doentes. «Porra, mas não entendes?». De nada vale.
Acontece muitas vezes olharmos e não gostarmos do que vemos. A questão é: mas temos de gostar? Racionalmente não. Só que vemos centenas de vezes amigos nossos fazerem asneiras que já fizemos e queremos dizer-lhes «não vás por aí». Às vezes, pouco tempo depois de tomarmos uma decisão, achamos que devíamos ter ponderado muito mais sobre ela porque acarretou inúmeros aspectos negativos e pesados para nós. Mas a vida é mesmo assim…
A partir de certa idade, e se fizermos parte do grupo de pessoas azaradas (como eu) que só muito tarde arranjam sustento próprio, escoceamos para arranjar o «nosso» canto, a «nossa» casa. Porque não queremos pais atrás de nós a vida inteira a perguntar «onde vais? A que horas voltas? Vais com quem?». E mesmo depois de respondermos a tudo isso, eles ficam com dúvidas. Até aos vinte ainda vá. Mas depois disso, ó meus amigos, não dá… Todavia, como dizia a minha amiga Diana, não há outro sítio como a nossa casa, e muitas vezes descobrimos isso da pior forma possível, porque fugimos de um problema e vamos dar com outro muito semelhante. Ou é karma ou é simplesmente um problema mal resolvido dentro de nós. Estou convencida que é o meu caso. Tenho um problema dentro de mim de excesso de independência, mas ao mesmo tempo uma vontade enorme de que alguém tome conta de mim. E isso nunca acontece. Sinto-me sempre por minha conta e risco, pelo menos nas situações que implicam resposta. Pior do que isso, tento educar as pessoas à minha volta para não dependerem de mim, e elas dependem imenso, o que é estranho. Em suma, vou sempre no sentido contrário àquilo que pretendo.
Muitas pessoas vivem assim mesmo a vida delas: sem saberem quem são. Os problemas de identidade são os maiores causadores de tristeza, cansaço, abatimento e até catástrofes. Vazios por dentro, vamos à procura do que nos preencha. Uma vezes é um carro, uma casa, uma pessoa, ou então há um acumular de experiências negativas que vão ter a um sítio péssimo: a raiva. Ter raiva é como andar atrás do próprio rabo, sem um espelho não o conseguimos ver na totalidade. Andamos pateticamente atrás do que não podemos ter, basicamente porque não o encontramos dentro de nós próprios. Pode ser amor, realização, decisões certas, que são as pensadas, sentidas e experienciadas. Temos de saber para agir. Mas muitas vezes nada sabemos e temos de agir na mesma, certo? Quando somos pais, o que sabemos sobre ser pais? O que os outros dizem. E nunca chega. Há muito da vida que somos nós que temos de encontrar sozinhos. Não há, muitas das vezes, hipótese de dizermos a um amigo «olha melhor para essa decisão, vais cometer um erro», porque um erro é subjectivo, tem muitas faces, muitas interpretações e nem sempre os outros vêem um erro como nós.
Este tem sido um ano de desmoronamento e reconstrução. Tive de abandonar para viver, viver para experienciar, partilhar para compreender e finalmente acho que subi um degrau, se bem que muito pequenino, no entendimento do ser humano. Já não é só o cepticismo que me domina, o que é capaz de ser positivo. Agora também me domina a ambição de ser optimista e não permitir que a derrota dos outros e as suas opções me derrubem. Mas também aprendi outra coisa muito importante: nem sempre a nossa experiência pessoal é «comunicável», no sentido em que nem todos vão entender, nem perceber e alguns nunca chegarão a dizer-nos «afinal tinhas razão». O caminho individual de cada um é isso mesmo: individual. Sinto que acompanho os meus amigos até à beira da porta, mas não passo a porta com eles.
Quando a minha mãe morreu, eu visualizei isso: os meus amigos suspensos, à porta, à espera que eu aprendesse a lição na minha nova viagem, na minha descida ao interior profundo, ao que eu sou. Ainda estou em busca e em reconstrução, mas volto muitas vezes à beira da porta para lhes pedir ajuda. Do mesmo modo, sinto que acompanho os meus amigos até esse ponto: o ponto em que não devo mais dar opinião e fico só à espera das consequências. Elas existem, nisso eu acredito. Só que nem todos as vêem como tal. Muitos acham que são só obstáculos que aparecem para serem contornados (os mais obstinados), outros percebem que deveriam ter feito de um outro modo, mais responsável e adulto e crescem.
Não experienciamos a subida no degrau de forma palpável. Não dizemos «ah, exacto, foi agora!». Nos anos subsequentes à morte da minha mãe, acordar era infernal e impossível, porque tinha stress, ansiedade, ou porque me lembrava dela. Ficava doente, tinha taquicardias, chegava quase a desmaiar. Ia sempre trabalhar esgotada, cansada, desiludida, à espera que algo mudasse a minha vida, à espera de conseguir sair de casa sem me perguntarem onde ia e se podiam ir comigo, e me acompanharem à porta só para verem onde eu ia. Parecia que me movia com sombras fora e dentro de mim. Nesses anos raros foram os momentos que não acarretassem alguma espécie de dor, psicológica ou física. Quando consegui o trabalho que queria isso mudou um pouco, e mais tarde, quando saí de casa, mudou ainda mais. Progressivamente fui tendo vontade de acordar, levantar-me e até voltar a dormir no comboio, apesar das dores nas costas. Para mim foi uma subida no degrau ninguém me perguntar nada, poder dar uma volta sozinha, ir tomar um café comigo, sem ouvir «olha, ali está ela!» (eu nunca poderia ser uma estrela de novelas ou cinema!). Odeio vigilâncias apertadas, odeio o «estou de olho em ti!», lutei fervorosamente para mudar isso. Se mudei? Não, há sempre alguém à espreita, vai melhorando com o tempo, vamos arranjando armas para lutar contra isso, mas nunca muda tudo, muito fica suspenso, é assunto por resolver dentro de nós.
Na maior parte das vezes, pensamos que os problemas são extrínsecos, que convivemos muitas vezes com atrasados mentais prontos a rebentar connosco em cinco segundos e ficarem direitinhos, no seu lugar, sem uma nesga só que seja de arrependimento. Pior. Somos «obrigados» a viver a vida inteira com pessoas assim, quer dizer até termos independência, que hoje em dia quer dizer, vinte e cinco, trinta anos. Podemos ter sorte e só descobrir a lama humana fora de casa, ou podemos ter a infelicidade de sermos, também nós, tratados como lama, e por isso obrigados a «virar o jogo» muito cedo. Eu sou daquelas pessoas «entaladas», quer dizer, não vale a pena fugir para lado nenhum. Ou assumo e luto com força ou não consigo, porque mesmo que eu fugisse daqui para fora, iria encontrar pessoas iguais às que encontro, igualmente palermas, igualmente derrotistas e prontinhas a dizer-me que não sou capaz. Portanto, o problema sou eu.
Também nem sempre gosto de ouvir a opinião das outras pessoas (sobretudo se não pedir). Ao contrário daquilo que achava, a opinião dos outros tem peso e às vezes nem tem medida, dentro de mim. Outras vezes peço opinião e gosto de ouvi-la, mesmo quando sou confrontada com as minhas fraquezas. No fundo, preciso disso. Preciso de frieza e racionalidade para resolver disputas com o mundo exterior. Preciso que me digam «desiste», para que eu não persiga cegamente objectivos impossíveis, como por exemplo querer mudar um milímetro a cabeça das pessoas sem me chamarem nomes feios. Preciso que me digam que me esteja a cagar para situações que me parecem insolúveis, mas que me atingem como balas. Preciso sempre dos meus amigos. Da opinião deles, de lhes dar a minha opinião ou simplesmente ficar calada quando é preciso.

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