Monday, October 15, 2007

As revistas cor-de-rosa vs. Vida real

Amigos, vou-vos contar um dos meus hobbies favoritos, meu e da Elisabete. Ver revistas cor-de-rosa. Aquilo é so glamour, perfume, sensualidade, famílias perfeitas, casamentos perfeitos, divórcios perfeitos. Todavia, há a outra parte. Quando a TvGuia e outras tantas revistas exploram a raiva, o ódio, a ofensa, a torpeza humana. E vêm pais enxovalhar filhos e filhos enxovalhar pais. E irmãos, como Carolina e Ana Salgado que «não se perdoam». E a «Floribella» (Luciana Abreu) desmentir que disse mal do pai ou foi abusado em pequena. E os casais a declararem casamento, divórcio, custódias legais e ilegais, pessoas desavindas e outras coisas mais.
Gostamos disto porque não nos aproximaríamos disto nem que tentássemos. Temos vidas monótonas: trabalho-casa-casa-trabalho. Temos filhos muito giros mas iguais a outras crianças giras, que para nós são especiais porque são nossos filhos. Não temos todos os dias coisas para contar. Exceptuando algumas pessoas. Eu, por exemplo. Não me posso considerar assim tão turbulenta em amores como uma Elsa Raposo, tão frustrada da vida como o Zé Maria do Big Brother, nem tive um casamento com pompa e circunstância que devesse ser anunciado numa revista destas. No entanto, entre a minha vida e essas das revistas há tantas similaridades que nem posso aqui falar de todas por questões pessoais. Sou daquelas pessoas a quem só falta um processo em cima, e é melhor não falar muito nisso ou apanho com um.
No outro dia lia numa revista qualquer acerca de uma rapariga que participa num programa: «é uma vadia». Este tipo de afirmações, assim num contexto que só aquela pessoa sabe, soa mal e porcamente. Parece mesmo cheirar a esturro. Então uma pessoa aproveita uma revista para dizer uma coisa dessas?
Eu pensava que esse tipo de linguagem telenovelesco não fosse próprio de uma vida tão recatada como a minha. Não vou dizer uma vida fácil ou linear. Mas palavras como «cagalhão», «puta», o diz-que-disse-que-disseste-que-dizias pensei que nem tivessem espaço para existirem na minha vida. Não por ser «boa pessoa» - eu isso não sei se sou (mas o Paulinho Mongo e a Diana dizem que sim e eu acredito neles, ok?) – mas por ser recatada, nada show-off, nada borderliner, nada «I will survive» (grito de sobrevivência da Gladys Night).
Sou discreta. Tento passar ao de leve, oiço tudo mas não sou de responder e só enfrento em último caso. Não sou nada de saltar do cavalo para atacar touros, mas desta vez parece que sim e se calhar a minha vida é isso, agora entendo melhor o Salgueiro (não sei se é bom exemplo, afinal ele ficou inconsciente…). Sinto-me com o mesmo desamparo que sentia quando largava a mão da minha mãe na escola e ficava entregue aos miúdos, numa barafunda e num caos que não era a minha maneira de estar na vida. Aquilo não era eu. Eu queria era brincar com bonecas, ler livros, pintar. Mais tarde passei a gostar de filosofia, por exemplo. Tudo coisas calmas. Nada de fugir dos meus pais, mentir, chegar tarde a casa. Dava sempre o telefone das minhas amigas, que também gostavam dos meus pais. Nada de «toma lá na cara porque me provocaste». Agora, pateta nunca fui, nem parva, nem mansinha. Era calma, pelo menos não exteriorizava raiva – porque tinha alguma – muito selecta nas minhas relações e muito pouco ligada à opinião do próximo. Quem me dera ser tão inteligente como era nessa altura.
Por essa altura eu tinha uma amiga chamada Leonor, que era o meu oposto (não sei se ainda é): caótica. Um dia mostrou-me os cortes que tinha nas pernas e nos braços e eu não via razão para aquilo. Era uma turbulência interior, acho eu. Ainda hoje ela me inquieta, porque éramos diferentes na expressão exterior do mundo, mas ambas tínhamos um interior desinquieto, turbulento, avassalador.
Houve um tempo na minha vida em que fui esperta o suficiente para saber que se me suicidasse nunca ia chegar onde eu queria: ser escritora. E portanto, tal como Janet Frame, não morri graças à escrita. Porque nunca fui pessoa de cinzentos, e se tentasse a morte morreria certamente. Mas depois pensei numa coisa muito parva, muito fútil: o meu irmão sem mim ficaria mais egoísta e os presentes de Natal eram só para ele. As amêndoas da Páscoa eram só para a minha mãe. E o pessoal, mal ou bem, nunca mais se endireitaria sem mim. Mais tarde até fui precisa, por isso raciocinei bem na altura. Além disso, nunca gostei de sofrer e portanto calculava que, numa ínfima hipótese de sobreviver, ficaria vários dias numa cama de hospital e teria de ir a um psiquiatra. Por último, gostava de viver e, na minha ignorância, vencia pelo menos uma batalha: era a melhor aluna da turma e uma pessoa inteligente. Os meus professores gostavam de mim. Continuei.
Cheguei aos dias de hoje com a sensação de vitória. Sobrevivi e até vi morrer as pessoas que nessa altura me fizeram estar viva: a minha mãe, o meu avô. É uma vitória com alguns amargos na boca, alguns desamparos e desequilíbrios. Não acho nada raro as pessoas pensarem em suicídio. Acho é que as pessoas não confessam isso a si mesmas, quanto mais aos outros. Acho outra coisa: é preciso ser-se inteligente para se pensar em suicídio e, em certa medida, lúcido. É como a miopia: excesso de visão desfoca. Por vezes há problemas cuja lucidez acerca deles seria dispensável, e isso desfoca, faz-nos pensar «que tolice viver!».
Quando penso no meu passado, penso em quanto o meu presente se assemelha a ele, e também a forma como fui «preparada» para esta vida um tanto ou quanto insólita, nada monótona, toda revisteira e rosa-quase-choque (não fossem as cores cinzentonas de quem a amargura tanto…). Na altura, quando era adolescente, eu lia muito Platão, gostava muito da Caverna, aplicava aquilo a sangue-frio à minha vida, à vida de quem me rodeava. E ainda faz sentido, mas tanto sentido que até dói na alma. É a velha história: a literatura é reflexo da realidade ou a realidade é reflexo da literatura? No meu caso, eu já não sabia bem e ainda hoje as confundo, ao ponto de um livro me saber a pouco porque «aquilo» que ali estava, escrito não por mim mas por outro ou outra qualquer, aquilo é que era eu.
As entrevistas das revistas são das coisas mais parvas que podemos ler. Destacam palavras soltas das pessoas, retiradas de perguntas tolas. Como disse um dia a Rita Ferro Rodrigues (de quem não gosto muito), não vale a pena tentar ser inteligente numa entrevista, sai sempre borrada. E é mesmo. O Lobo Antunes parece-me ser o melhor/o pior nas entrevistas, não só ludibria os jornalistas, respondendo exactamente o contrário do que esperam dele, como subverte todas as regras do «vamos ver se transmito a grande pessoa que sou, o grande carácter que tenho, a minha família fabulosa». Ele está-se a cagar para tudo isso. E é maravilhoso por isso mesmo. O Lobo Antunes é a antítese da revista cor-de-rosinha-choque. Nessas revistas, as famílias são perfeitas, os filhos só dizem coisas inteligentes aos pais, até as casas são imaculadas. Quem acredita naquilo? Eu não. Mas acho piada.
Depois há a outra linha mais baixa das revistas cor-de-rosa, as tais que expõem tudo e mais alguma coisa de qualquer maneira. Eu vivo nessas. Há sempre alguém a dizer muito mal de mim, pela frente, por detrás, pelo lado, por mail, por telefone, por conversa. Não tenho as orelhas lá muito fresquinhas. Com a vida, tive de tomar uma decisão competente e sábia que já há muito deveria ter tomado: paciência! Ninguém é obrigado a gostar, a aceitar, a achar que sou inteligente e digo coisas bem pensadas ou com graça. Todavia, eu também não sou obrigada a aceitar as piadas dos outros que considero estúpidas só porque outros as acham «engraçadas».
A maior parte de nós é vítima de intrigas. Basta que se exponha a isso. Estou a tentar resguardar-me o mais possível, mas por vezes, tantas vezes, eis-me ali nas revistas cor-de-rosa. Por vezes somos discretos e apanhamos na mesma, é azar, mas acontece. A vida não é muito previsível nesse aspecto. Há pessoas cuja vida é feita de conflitos, mas há pessoas que, mesmo fugindo dos conflitos eles vêm ter com elas. Eu tenho dos dois. Sou imensas vezes centro de conflitos (nem sequer sou um dos lados…). Isso deve ter uma explicação, mas aquela que arranjo é esta: dou demasiada confiança a pessoas cuja estranheza me espanta. Se me espanta, é melhor não dizer nada. Quando eu assimilar posso falar, enquanto houver essa barreira é de desconfiar.
Nas revistas circula o maior número de mentiras à face da terra. Aliás, nunca se sabe o que é ou não verdade. Lembro-me de a Priscilla Presley ter contado no programa da Oprah que quando lhe disseram que a filha, Lisa Presley, se tinha casado com Michael Jackson se tinha rido às gargalhadas. Estava habituada a tantos boatos que não ligou àquele…que era mesmo verdade. Isto prova que um boato pode ser tão verdadeiro como uma verdade assumida pode ser falsa. É nessa incerteza que permanecemos, a olhar para as sombras da Caverna de Platão. Que remédio!

3 Comments:

At 2:47 PM, Blogger XaninhA said...

Fernanda dá notícias!!
Recebeste a minha msg no dia da partida?
Como estás???
Quero saber de ti!*

 
At 8:08 AM, Blogger Brisa said...

Somos mais fortes quanto mais conseguimos viver bem mesmo sabendo que à nossa volta pululam os mexericos, as mentirinhas e os corte-e-costura. De facto, todos falamos uns dos outros, com maior ou menor porção de veneno, com maior ou menor má/boa intenção. Quando aceitamos que fazemos exactamente o mesmo que os outros, acabamos por ficar imunes. E ser indiferente aos mexericos acerca de nós sabe tão bem!!!

 
At 10:14 AM, Blogger fercris77 said...

Querida Brisa, tenho sido um pessimo exemplo do fazer orelhas moucas a comentarios mesquinhos. Mais do que nunca os oico na minha cabeca e afectam a minha vida. Nao tenho feito grande aprendizagem, infelizmente...

 

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