Thursday, November 23, 2006


Dos recontros aos reencontros


Já pensaram que só um «e» muda o sentido das palavras e a relação que temos com os outros? Muitas vezes somos nós que decidimos quem os outros são para nós, como os outros nos tratam, e o que querem os outros de nós. Se nunca alimentarmos falsas expectativas, talvez não tenhamos desgostos. Mas se alimentamos a sede e a fome que as pessoas têm, não nos vai sobrar se não mais fome e mais sede. É natural que as crianças não saibam dosear o que podem ou não querer dos outros, mas com a vida vão aprendendo. Uma criança pedinchona que vê todos os pedidos satisfeitos num ápice vai-se tornar num adulto igual. Como diz a Júlia Pinheiro, e me recordou a Lisa no outro dia, a função de uma mãe é que o filho não precise dela para nada. Devemos estar dispostos a ajudar, mas nunca a sufocar. Se pensarmos bem, resulta para todo o tipo de relações: de amor, de amizade e até no trabalho. Não devemos nunca fazer as nossas tarefas dependerem dos outros, os nossos gostos, as nossas viagens, as nossas escolhas. Se for assim, pouco sobra do nosso ego.
Com as pessoas temos recontros e reencontros. E uma coisa devemos ficar a saber: não é possível ter um só. Não podemos ter só reencontros com as pessoas nem só recontros. Não podemos estar sempre à espera de pessoas. Não podemos estar sempre a embater nelas. Das duas uma: ou fingimos que não é nada connosco, quando nos dão um encontrão ou reagimos. E por vezes nem uma nem outra são o ideal. Por vezes temos de ser gentis com a vida, estrategas inteligentes, perceber no que e em quem é que devemos tocar e como. Porque por vezes não tocamos só em pessoas, tocamos numa fileira delas, e quando damos um encontrão numa caem as outras todas, peça por peça, como no dominó. Mas às vezes, na vida, é esse o preço a pagar para sermos pessoas de bem, justas e compreensivas. Se formos, temos de ter recontros em cadeia. Também temos de nos lembrar que, no final, compensam os reencontros, sobretudo com as pessoas que estão de braços estendidos à nossa espera.
Nestes últimos dias. Roma tem estado chuvosa e eu tenho estado triste e desanimada. Não com Roma, que é sempre fantástica, mas com a angústia desgraçada deste espírito desassossegado e das decisões que tomei dentro dele, para ser mais feliz. Além disso, essas decisões são tomadas a dois, são tomadas em parceria com o meu marido. Porque é que é tão difícil sermos justos, sermos humanos, sermos pessoas? Porque há decisões que custam muito e são penosas. Normalmente não me custa passar tempo aqui em Roma. Mas agora às vezes custa, porque carrego um peso comigo, não vim liberta dele, e o inferno é esse peso, do não-ter-dito. Vamos adiando palavras e decisões porque isto e aquilo, vamos adiando recontros e reencontros. Neste momento a Patrícia já está farta e só me diz «Fernanda, move on», e tem toda a razão, como sempre, a coitada já não me deve ouvir. Todavia, faço o que acho bem, pois claro, não posso estar à espera que ninguém decida por mim. Roma tem esta força, de me fazer embater nos problemas. Dói-me acordar com este frio todo e pensar «não resolvi aquilo, pá». Esta noite sonhei com a minha mãe doente, tinha bulimia (coisa que nunca teve) e vomitava sucessivamente, e dizia que não tinha nada, que era um dieta que estava a fazer. E eu tentava perceber se ela tinha cancro ou bulimia. Quando eu sonho com a minha mãe assim sei uma coisa: é insustentável continuar com os problemas que estou, com a minha angústia medonha. Tenho de os resolver, doa a quem doer, mesmo que tenha de cortar relações com pessoas, se o preço for o recontro, venha ele, se o preço for o (mau) reencontro, venha também. A vida é mesmo assim.

Tuesday, November 21, 2006



A minha honestidade


Hoje pensei nisto. Pensei nisto seriamente. Sou bastante honesta, porra, «uma verdadeira pérola», como diria o meu marido. É que é raro, vocês nem sabem…Hoje de manhã lá estava eu, dentro do arquivo secreto, a marcar uns trinta números para conseguir telefonar ao padre Chaves a dizer que, contrariamente ao esperado, eu não tinha autorização para entrar no arquivo de tarde. É sabido, franceses, espanhóis e alemães entram quase sempre porque coordenam projectos de luxo, mas esta pobre investigadora, rica em sonhos mas pobre em ouro, lá estava de computador em punho a ouvir o senhor-que-manda-mas-não-tem-poder-nenhum a dizer em italiano que entendia as minhas motivações mas o arquivo de tarde não tinha empregados suficientes e tinham entretanto entrado muitos estrangeiros. Fiquei sem pinga de sangue, com tanto trabalho, o que vou eu fazer? Então liguei à dita cunha, o padre Chaves, falei em italiano, ele atendeu em italiano, qual coisa ridícula, somos ambos portugueses. E aí estava ele, muito zangado com um italiano que lhe tinha pedido algo invulgar, uma autorização, vulgo cunha, ao Papa, para se poder divorciar. Devia ser alguém ali do Vaticano, o divórcio estava complicado. E eu muito sã de espírito, como diria a minha avó, disse: “ Padre Chaves, isto é chato, é verdade, mas você não pode fazer mais nada por mim, era só para lhe dar um cumprimento “. E é que era mesmo verdade, ele já me tinha explicado que, com hierarquias religiosas não se brinca, com o Prefeito não se brinca e toda a gente, dentro do arquivo, é sempre impecável comigo, por isso não há razões de queixa. Não falo italiano mas vou aprendendo e vou-me divertindo ensinando-lhes a dizer «treze», que os faz rir muito, porque eles dizem uma coisa estranha como «trédechim» que a mim me soa a «espadachim». O Gianluca e a Katja, recentes amigos, italiano e finlandesa (combinação estranha mas deliciosa) já me disseram que português é uma língua erótica, que quando o Pedro e eu falamos é sensual. Será isso? Dentro do arquivo eles riem-se ou ficam atordoados, do género «que língua falou a gaja, pá??». E quando vim à recepção disse em português, com lagriminha no olho «olha, não tive autorização para entrar de tarde». E o recepcionista lá me explicou, em italiano, claro, que já se tinha apercebido que eu não ia ter autorização para entrar, mas que realmente lamentava, e só depois atendeu as três chamadas que deixou penduradas para me ouvir falar em português.
E estava eu naquilo «ó padre Chaves desculpe o incómodo» e ele sai-se com esta que eu adorei de paixão: “ Gosto imenso do teu carácter. És honesta, não és de esquemas! Gosto disso! Vem visitar-me! “, e eu atordoada, «posso levar o meu marido?». E sim, levarei o meu marido, era meu namorado quando o padre Chave o conheceu em Fevereiro. Já gostava do padre Chaves, mas fiquei a gostar mais (como diz a Patrícia e o filósofo Schopenaeur, gostamos dos outros pela opinião que têm de nós) e, curiosamente, coisa que não costuma acontecer em manhãs chuvosas e de Inverno, fiquei a gostar um pouco mais de mim. Porque agora vou todos os dias para o arquivo a armazenar informação no cérebro para falar com uma pessoa de que preciso muito de falar e dizer-lhe uma verdade que há dois anos estou para dizer. E o padre Chaves deu-me esse incentivo para eu ir em frente. Naquele dia de manhã, eu precisava dele e ele de mim. E as nossas palavras cruzaram-se em Roma à velocidade luz. E quando eu voltei fui ler os documentos e correu bem, consegui fazer isso e em paralelo organizar a minha cabeça. Vou em frente. Sou corajosa e honesta, ao menos isso.
Com tantos defeitos, tantas manhãs em que acordo mal disposta, tantos dias nervosa e com a cabeça noutro lugar menos bonito: derrotar o demónio com as minhas próprias mãos talvez não seja possível, mas ao menos afastá-lo, arredá-lo de ao pé de mim para outro lugar, dizer a um amigo, põe-te a pau. Porra, custa! São dois anos e tenho isto entalado na garganta com violência. É verdade que sempre que falamos com as pessoas as nossas palavras têm repercussões inimagináveis. É verdade. Mas nem sempre isso é mau. O padre Chaves é a prova. E a Patrícia. Recebi carta dela aqui em Roma, trazida pelo meu carteiro pessoal, o Pedro, e tenho-a na cabeceira. Diz que às vezes as minhas palavras têm mais força do que eu, e eu nem sei, nem sei a força que tenho. Nem a Patrícia sabe. Diz que lê parágrafos meus seguidos sem se cansar (é ela que é boa leitora). A diferença entre ela e o padre Chaves é que ela vai arder no Inferno e ele não, porque é padre (lol). Mas a avaliar pelo frade franciscano do arquivo que me empurra todas as manhãs para assinar primeiro a folha de presenças, não sei se o clero é santo. Nem sei se gosta de pessoas. Hoje estavam aqui duas freiras medonhas à porta das pizzas que nos fizeram, a mim e ao Pedro, tremer da cabeça aos pés. Podiam ser boas pessoas, mas aquela fatiota (hábito) assusta e afasta qualquer ser humano…
Nestes dias lá andei eu, tenho certeza e tenho certeza, mas não posso fazer nada, ai posso, posso, ai não posso. Os meus leitores não sabem do que estou a falar. Mas eu sei. O que interessa aqui é a força das palavras. Do padre Chaves. Da Patrícia. Idades e vidas tão diferentes, trabalhos tão diferentes, experiências tão diferentes e dizem o mesmo: sou honesta. Eu também acho. Não sei é se adianta. É como ter razão: é uma maçada, diz o Lobo Antunes. E é. É uma merda. Porque se não falamos ficamos com a angústia presa, mas se falamos podemos estar a dar impressão errada ou mesmo a dar cabo da vida de uma pessoa, ou provocar efeitos em cadeia terríveis e nunca mais superáveis. E como isso já me aconteceu: quem sou eu para fazer isso às outras pessoas? Mas é a minha costela de Arcanjo São Miguel. Eu tenho de derrotar o demónio. É essa a minha função no mundo. Está bem, é difícil, mas não está acima das minhas capacidades. Também vi a morte com os meus olhos e achava que não era capaz. Porque não agir de frente para o demónio? Porque o demónio ataca, porque magoa outras pessoas, porque não melhora o mundo, porque não muda nada, porque também nos magoa, etc. Todos os dias há uma desculpa. Mas há muitas coisas de que não me achava capaz e agora sou. Às vezes choro de raiva: de impotência, de dor, e, muito provavelmente, de honestidade. Também choramos quando somos honestos mas nos deparamos com um mundo filho-da-puta sem honestidade nenhuma, mas, acima de tudo, com pessoas que nos magoam e magoam amigos nossos, mesmo quando eles se acham as pessoas mais felizes do mundo, melhor, sobretudo quando eles se acham felizes e estão a cavar um buraco fundo para caírem. Deixamos? Não faz mal? Ou o universo está a desafiar-nos a não deixarmos?
O sonho desta noite fez-me suar e dormir mal, mas consegui ficar um bocadinho mais livre depois de falar com o padre Chaves. Sonhei que não tinha pernas, sonhei que tinha duas próteses. Primeiro uma, depois outra. Quando as tirava eu era meia pessoa. Era essa a metáfora: eu sou meia pessoa, não consigo andar. Preciso de andar. Tenho de andar. É urgente andar.
Então uns esforçam-se e outros têm a barriga cheia mesmo antes de serem gente? Como é? Dizemos que é a lei da vida, mas não pode ser. Há que fazer a nossa parte. A nossa parte. Não é deixar andar, deixar andar, deixar andar, a ver o que dá, como se resolvem as coisas. Temos de ser fortes, bravos, destemidos. Porra, temos de ser. Então eu vi a minha mãe morrer, que é tão difícil, e agora fico quieta?? Como os gregos, assimilei as características positivas dela: a força, a coragem, a sensatez, a ponderação. Mas estou há dois anos a ponderar onde ela já teria virado o jogo todo. Estou há dois anos a ver uma burguesa de barriga cheia, qual porco a viver num apartamento (como na história do Manuel Rui, Quem me dera ser onda) e ainda pondero? Pondero o quê? Se fosse filha da minha mãe já teria apanhado na cara. Quando eu tinha boas notas a minha mãe dizia-me «agora mantém ou faz melhor», mas não me fazia cócegas na barriga, nem dizia «coisa linda, quando cresceres vais casar com um bom partido». Então nós mulheres andámos séculos a lutar pela nossa independência, financeira e emocional, e agora aparecem burguesas de salto alto, armadas em boas psicólogas, a quererem casar por dinheiro e não por sentimentos? A serem recompensadas só por existirem e respirarem? A terem categorias e títulos comprados a granel? A acharem que podem humilhar os outros, sobretudo a acharem que podem humilhar esta investigadora honesta, com o casaco sujo de pizza de tomate, que não fala italiano mas faz amigos italianos? Em que mundo vivemos? Temos sempre de arriscar: ou queremos fugir ou queremos enfrentar o bicho. Porque o bicho às vezes não está bem, porque é como diz o Bruno Nogueira, a galinha tem asas e não voa. Assim sou eu: tenho asas e não vôo. Sou um bicho que não está bem. E não pode. O Vaticano inspira. O Arcanjo São Miguel está aqui perto e diz «Fernanda, avança». E o padre Chaves diz «gosto de pessoas como tu». E a Patrícia diz «Nem sabes a força que tens». E o meu marido diz «És uma pérola». E eu vou acreditar neles ou nas burguesas, acumuladas algumas delas num canto da minha memória? Outras por aí andam, a ver se magoam, se chateiam, se transtornam, mascaradas de pretensões altruístas e egoístas.
Um dia escolhemos. Escolhemos se queremos ser tolas e fúteis e arranjar um palerma qualquer para nos suportar os custos da existência, ou se queremos ser pessoas inteligentes e determinadas e lutar a sério, com armas sérias. Um dia escolhemos. Mas o final não tem muito a ver com isso. Na verdade não faltam atrasos de vida com bons empregos e boas vidas, sem pedras no sapato alto. E não faltam investigadores de casaco sujo na miséria, com botas de caminhada cheias de lama. Só que, na vida, temos visto que só há dois percursos: o rápido e o vagaroso. No caminho rápido, o preço é a nossa alma, vamos em frente e não olhamos para os lados. No vagaroso, tropeçamos em tudo e vamos aprendendo com os escolhos no caminho. Há ainda o caminho da Floribella, que fala com as árvores e anda a contar as pedrinhas. Esse é o caminho dos tolinhos, que acham que tudo é cor-de-rosa e corre bem, que vivem numa banda desenhada, à margem da realidade. Tenho aprendido outra coisa, nesta vida: um mentiroso nunca é derrotado. Se for diz que não. Mente.
Em Roma, não adianta. Fico cheia de dores, massacrada mesmo. Sou eu que transporto o meu computador às costas, meio dia ou todo o dia. Porquê? Porque fui eu que escolhi andar assim. Ninguém tem a culpa, só eu. Responsabilizo-me pelas minhas escolhas. Logo, ninguém tem de transportar o meu computador, nem de fazer o meu trabalho. À transparência, sou bastante honesta. A minha antítese é que não. Mas o mundo constrói-se assim: de antíteses e transparências.

Saturday, November 18, 2006

As coordenadas

Recebemos milhares de coordenadas todos os dias, às quais estamos habituados. Se está frio levamos casaco, se chove levamos um guarda-chuva, comemos porque temos fome, bebemos porque temos sede. Tudo tem o mesmo objectivo: garantir a nossa sobrevivência física. Do mesmo modo, tentamos garantir a nossa sobrevivência psicológica, uns de uma maneira outros de outra.
Como seria nos campos de concentração nazis? Como se sentiriam pessoas acossadas num sofrimento atroz? Muitas vezes tinham de viajar com a mente para outro mundo diferente, por exemplo Eu própria aprendi a fazer isso, num estado de stress pós-traumático muito diferente do dessas pessoas. Pensava nas viagens que gostava, nos sítios que gostava. Invariavelmente ia ter sempre ao mesmo sítio: o meu sofrimento pessoal, a carregar aos ombros a vida, os dias, a falta de sol ou a falta de chuva. Sou uma insatisfeita por natureza, embora tenha, há muito tempo, acabado com os perfeccionismos abstractos. Tenho algum rigor na vida, no trabalho, nos meus valores. E confesso que em muitas coisas sou fundamentalista e antiquada. Por exemplo, não concordo em garantirmos a nossa sobrevivência à pala dos outros, nem mesmo quando isso é uma troca de serviços directa. O amor, por exemplo, não é um gabinete de serviços a prestar ao consumidor. Não tem, verdadeiramente dito, um gabinete de reclamações. Podemos respingar com o amado ou a amada, mas não podemos pedir coisas de volta, sentimentos de volta, ou a vida toda de volta. Se fôssemos espertos, pensávamos que a reencarnação é como o Pai Natal: um mito. Mas como diz a Patrícia, temos de acreditar em alguma coisa, por isso possivelmente é um mito que nos adocica a alma, que suaviza as coisas. Pronto, nada de gozar com o gordifanfas do Pai Natal e muito menos, mas muito menos, com o presépio… São mitos confeccionados com amor, quanto a mim, mas, para algumas pessoas são verdades absolutas. Há que respeitar isso.
Muitas vezes dá-me aquele baque absurdo de pensar como vivem as pessoas, aqui em Roma e em Portugal, ou em qualquer parte do mundo que, por motivos de força maior, tiveram de emigrar e vendem coisas ao preço da chuva. Portanto, este é o manifesto anti-xenófobo. Indianos, chineses, paquistaneses devem sofrer imenso nas mãos de portugueses mas, sobretudo, de italianos (ai o fascismo!). Estão segregados e a sua missão é chatear os outros para comprarem produtos que garantam a sua sobrevivência. E se me acontecesse isso? E se eu fosse obrigada a emigrar? Eu sou emigrante, mas por pouco tempo, eu volto para Portugal, pagam-me a viagem e a estadia e, apesar de não entender a língua, estou num ambiente selecto, onde me ajudam a perceber umas palavrinhas. Ser investigador é uma coisa. Mas emigrar por outros motivos deve ser terrível. Deve ser uma perda de coordenadas muito grande, como quando alguém nos morre, quando perdemos a casa, o emprego, a saúde. Eu hoje sou uma pessoa e amanhã sou outra, não sei bem quem…é o olhar no espelho e não se reconhecer, de que o Vergílio Ferreira falava na sua obra Aparição.
Que coordenadas orientam a nossa vida? Existem mesmo ou são fictícias? Será que as inventámos, que as suposemos, que são falsas, que afinal não há hipótese alguma de as aplicarmos ao mundo real, cruel e determinado por coordenadas também nossas desconhecidas?
As nossas coordenadas também constituem a nossa essência, aquilo que realmente somos, quando retiramos a ganga usual do que está fora: daquilo que parecemos, daquilo que vestimos, da nossa profissão, das nossas palavras, até. As nossas coordenadas são o resumo da forma como vivemos a vida: com coragem e determinação, com cobardia, com estratégias manipulativas do outro. Somos uma mescla. Uma mescla de coordenadas: as nossas, as dos outros, as que fomos aprendendo, as que nos dão mais jeito. Todavia, no final da vida está o resumo de tudo. Todas as coordenadas se resumem a um ponto convergente, no infinito, que resume o que somos.

Piadas racistas/xenófobas (mesmo contra o próprio país)

O que faz um madeirense numa ilha deserta? Emigra porque já não sabe viver sem o Alberto João Jardim, o Cristiano Ronaldo ou a Patrícia França.

Quem pede esmola na ilha da Madeira? O próprio governo, porque ali não entram chineses nem ciganos…

O que faz um chinês nas horas livres? Constrói casas com pauzinhos para vender no estrangeiro ou frita crepes no cabelo seboso…a propósito, chinês não tem tempo livre, isto é o que ele faz da vida.

O que faz um japonês quando cai uma bomba? Fotografa e filma tudo.

O que faz um americano numa ilha deserta? Procura hambúrgueres no supermercado, mesmo que não haja supermercado e escreve uma carta ao Bush a reclamar, mesmo sem haver correios (vai pelo oceano, chega lá de certeza, duuuhh!). Se tiver o dinheiro da Paris Hilton, compra a ilha.

O que faz um mexicano quando há um furacão ou uma tempestade? Nada. Ele nunca faz nada mesmo…

Qual o pensamento mais frequente de um cubano? Tentar perceber porque é que nasceu em Cuba…

Quais os filmes favoritos dos espanhóis? Isso pergunta-se? Filmes espanhóis, tal como as comidas, as bebidas, os livros e etc.

Qual a maior aspiração de um português? Coçar os tomates e ganhar dinheiro para ter a reforma assegurada.

O que faz um esquimó nos tempos livres? Escorrega no gelo, atira gelo aos ursos polares e foge, puxa o rabo aos pinguins, no gelo…

Quando é que um russo não bebe vodka? Quando desmaia em coma alcoólico…

Qual o indiano mais inteligente? O Gandhi, porque ao inventar a paz no mundo não mexeu mais uma palha.

Quando é que um italiano guia bem? Quando as ruas estão fechadas ao trânsito.

Quando é que um brasileiro é interessante? Quando está a «sambar» e não diz «besteira»…

Qual a função dos ciganos no mundo? Ninguém sabe, nem eles. Desde os primórdios que vendem pensos rápidos e pedem esmola no metro, mesmo quando não havia metro.

Qual a melhor invenção dos finlandeses? Sem dúvida o Pai Natal, que dá um dinheirão.

Para onde vai um israelita de férias? Onde não caia bombas, por isso Jerusalém está fora de questão…

O que é que um árabe faz quando não explode? Fabrica a bomba e anda a estudar os sítios com mais gente para se sacrificar a Alá e ganhar as virgens todas a que tem direito.

Porque é que os franceses tanto gostam de perfume? Experimentem os queijos deles que percebem…

Porque é que os índios têm cabelo comprido? Porque se não fosse isso não os distinguíamos dos chineses e dos pretos.

O que é que um inglês faz às suas poupanças? Dá à rainha, essa atrasada mental forreta.

Quais os maiores defeitos dos australianos? É difícil dizer, mas o primeiro deles é terem eleito a rainha de Inglaterra como «sua» rainha, pagando impostos à dita cuja, e o segundo é o canguru. Quem é que tem como símbolo um bicho daqueles? O canguru é um bicho que não está bem, parece um cão com duas pernas partidas, é ridículo, mais ridículo do que o Batatoon.

Qual a aspiração dos canadianos? Serem iguais aos americanos, o que faz deles um dos povos mais estúpidos do planeta.

Qual a maior aspiração de um pigmeu? Chegar a uma árvore, é tão pequeno que tem de trepá-la. Não tem mais aspiração porque desconhece a existência do resto do mundo. Que poderá querer mais um pigmeu? Uma coca-cola?...

Thursday, November 16, 2006

O mundo da investigação

O investigador, aqui em Portugal, não existe. Tal estatuto foi abolido há muito tempo – ou talvez nunca tenha havido. Há professores investigadores, há doutores, há mestrandos e doutorandos. Não há investigadores, ponto, sem vírgula. Como diz a minha amiga Diana, a vida do investigador é confundida com a de um parasita social, com a de um sem abrigo sem tecto. Aqui em Portugal, em primeiro lugar, não há estruturas para suportar a investigação, seja do que for e onde for e para que for. Já agora, para que serve um investigador e a investigação? Normalmente, é para deitar para o lixo. Aqui em Portugal, basicamente queremos coçar os tomates, dizer que pertencemos à Europa, que somos «produtivos» e, acima de tudo, não fazer nada. Por todos os motivos e mais alguns, mas sobretudo porque cansa (ou porque somos mal pagos, ou não somos pagos, ou não gostamos, ou não queremos, ou não temos tempo) não queremos fazer nada. Queremos estar atrás de uma secretária o dia todo e dizer que «produzimos», «descontámos», «tivemos lucro». Só existem estas palavras na mente materialista de governantes e do povo, que quer reforma, e muito bem.
Agora o investigador. O investigador trabalha, tem horários, tem objectivos, como toda a gente. Mas, acima de tudo, não tem direitos, só deveres. O investigador não tem férias, nem 13º mês, nem subsídios de coisa nenhuma, e para além do trabalho dito «normal» (que normalmente é uma anormalidade), tem de fazer trabalho de graça. Ora este é um ponto sensível na cabeça das pessoas, porque, como é óbvio, ninguém gosta de trabalhar de graça e é algo que de ético nada tem. Mas vejamos. Se toda a gente pensasse que só por dinheiro é que o mundo funciona, iríamos ter um mundo construído sobre betão, com empresas e nada mais. Na realidade, estamos a caminhar nesse sentido. As nossas vias espirituais e espiritualizantes têm vindo a perder significado. Gostamos todos de dizer que damos importância ao que vale a pena, mas isso varia de pessoa para pessoa, e muitas pessoas simplesmente nunca aprenderam o que vale ou não a pena, porque orientaram toda a sua vida em função de um ponto só: sucesso material. Se isso existir tudo o resto compensa, mesmo que esmaguemos meio mundo. É evidente que num mundo assim, não há lugar para a filosofia, a história, a cultura, a arte, a literatura, e quem se quiser aventurar por aí ou tem dinheiro ou tem de se preparar para penar muitos anos. Porque há certos investimentos que nos vêm do bolso, e com toda a força do mundo. Não se faz mestrados ou doutoramentos sem dinheiro, por exemplo.
Até aqui, sempre tive um certo desgosto pela situação portuguesa. Achei sempre que tínhamos uma cultura rica, mas somos um povo acabrunhado, triste, espiritual (o fado é a prova disso), mas que se perdeu completamente. Não somos lá muito competitivos em nenhuma área. Os nossos especialistas, seja no que for, devem ter passado fome, frio, sede, ou então ganharam bolsas. Chegámos a um ponto meu conhecido. O que é uma bolsa? Uma bolsa é uma quantia de dinheiro, tipo saco do Patinhas, com euros lá dentro, em forma de contrato (normalmente) mas sem qualquer valor jurídico. Uma bolsa é o Estado a dizer «toma lá, miserável, vai estudar mais uns anos porque não tens emprego». O dinheiro vem todo da CEE, fundos comunitários, etc. O fundo comunitário paga ao Ministério ou departamento, este paga à Universidade e esta paga ao bolseiro, depois de pôr a render.
Mas nos outros países europeus parece ser bem pior. Em Itália ninguém é pago por nenhum trabalho de investigação. Na Alemanha é-se obrigado a pagar a própria tese de doutoramento ou não é publicada, nem aprovada. No arquivo do Vaticano andam polacos, franceses, ingleses, alemães, indianos, congoleses, mas só um tuga: eu. Dantes eram mais, e de vez em quando lá aparece outro tuga, um paleógrafo de qualquer coisa. Os documentos estão velhos, podres e mal amanhados com cordéis, não há caixas decentes, dá a sensação que os empregados fazem carrinhos de mão com elas e as põem no lixo (será?).
A forma assassina como tratamos a cultura é o espelho do que somos, enquanto país. É um bocado triste. O arquivo ainda espera que publiquemos alguma coisa. Enquanto os outros trabalham, ficamos a coçar os tomates. Há falta de financiamentos, é verdade, mas também há falta de fé nas nossas capacidades, há falta de crédito em nós próprios e há a mentalidade ultra-mercantilista de «não me pagam para isto». Se os alemães e os japoneses pensassem assim, nunca teriam reconstruído os seus países depois da guerra. Somos de vistas curtas. Achamos que, se não for pago, se não pudermos poupar uns tostões para a reforma, então não é bom, não é produtivo. É evidente que não estou a defender o trabalho de escravo ou o trabalho para patrões corruptos. Estou a defender um investimento pessoal que pode ser cultural, que pode levar mais longe a pátria. Que seria de nós se a Amália dissesse «vender limões é mais seguro do que cantar fado, que não vende, não vou nem tentar». Que seria de nós se os músicos dissessem que a música não dá dinheiro, se os pintores dissessem que a pintura não dá dinheiro, se os escritores deixassem de escrever porque, sem dúvida nenhuma, não dá dinheiro? Não teríamos uma base cultural tão rica e magnânime, certo? Um país produtivo não é só aquele que vai ao topo do ranking empresarial e investe no estrangeiro.
Palermas como eu, que vêm isoladamente investigar, a troco de uns tostões (que me deixam profundamente feliz, mesmo assim, e que, segundo os italianos, fazem de mim uma sortuda, porque eles nunca são pagos…), não são o orgulho do país nem nada disso. Não permitem as empresas crescerem, nem o PIB do país engrossar, mas porra, são palermas como eu que permitem que Portugal tenha uma história para contar ao mundo sem ser alvo de chacota. E todos os dias tenho de lutar, não fico à espera que lutem por mim, que escrevam por mim, que construam por mim. Faço eu. Não tenho medo.
Acho sempre que é difícil fazermos uma destrinça da nossa vida profissional e pessoal. Ou melhor, é possível fazer uma destrinça, mas em muitos pontos tocam-se profundamente. Quando vejo pessoas cuja ambição galga por cima dos outros, percebo que, pessoalmente, essas pessoas não podem ser boas esposas ou boas mães. Quando vejo pessoas incompetentes, percebo que essa é também a postura delas na vida, o desinteresse pelos outros. Quando vejo pessoas muito convencidas e egocêntricas no trabalho, percebo que as pessoas estabelecem com os outros uma relação interesseira e egocêntrica, cujo único interesse é a garantia de que o seu umbigo será bem tratado. Pessoas assim há aos pontapés, mas aos pontapés mesmo. Assim como há pessoas tão rígidas e espartilhadas no trabalho, que só sabem ser assim na sua relação com os outros: rígidas e espartilhadas. Seja como for, e bem sei que quase ninguém percebe o que ando a fazer aqui no arquivo, Binos há poucos, e muito menos ainda Binos estudiosos dos documentos antigos (atados com fios desfeitos), que passam o dia enfiados num arquivo a cheirar a mofo, com janelas abertas nas costas, num país muito diferente do seu, com uma língua diferente da sua (apesar de isso ser comum e perfeitamente usual para os franceses, espanhóis, ingleses, alemães e polacos). Qual é a importância disso? Pois um mercantilista, um oportunista, não irá ver. Mas qualquer pessoa sensível perceberá algo muito importante: sou responsável, numa ínfima parte, pelo meu país, e é isso que anima todas as minhas manhãs, de sol e de chuva, aqui em Roma. Não é só Roma que é bonita, nem os passeios que dou (que são muito poucos), nem as pessoas que conheço (poucas também) que animam a minha estadia. É o meu sentido de responsabilidade, de defesa de uma causa que é uma ínfima parte do mundo, e que, ao menos isso, é parte do meu mundo. Talvez a minha honradez não destrone gente interesseira, mas prova que o bem, às vezes, tantas vezes, também compensa…




Wednesday, November 15, 2006

A arte de saber respirar

Aprendi, desde que comecei a fazer ginástica, sobretudo Pilates, que respirar é uma arte que desaprendemos na correria do dia-a-dia. Achamos que respirar é algo inato, que não vale a pena estudar, mas não. Custa imenso, em todos os sentidos. Respirar custa, quando fazemos o que não gostamos. Respirar custa quando somos infelizes. Respirar custa quando temos dores. Respirar custa quando olhamos o passado, e às vezes quando olhamos o futuro. Respirar custa quando temos um ataque de pânico. Respirar custa quando somos comprazidos numa angústia inominável.
A mim respirar custa. Tive de reaprender a respirar, para meu bem. Fisicamente falando. E há bem pouco tempo apercebi-me de que, psicologicamente, há muito tempo que não sei respirar, porque me deixo ir em cantigas, como dizem os portugueses. Como é que, mais uma vez, as pessoas tentam fazer o que querem de mim? Como é que, mais uma vez, me deixei cair no mesmo buraco onde tenho vivido nos últimos anos? A resposta é esta: nunca aprendi a respirar correctamente. A inspirar pelo nariz, a expirar pela boca, a fazer isto vezes sem conta sem me comprazir nas palavras dos outros, mais do que isso, nas suas atitudes egoístas e egocêntricas, de domínio. Adoramos dominar a vida dos outros, mesmo quando não temos domínio sobre a nossa. Porquê? Porque gostamos tanto de ser uns incapazes connosco próprios, mas de achar que podemos ter poder sobre os outros? É assim que somos.
Até uma certa idade, é normal os pais terem poder sobre nós, os professores, mais tarde os patrões. A forma de exercício de poder nem sempre é a melhor ou a mais correcta. Há o poder que ajuda, o poder que humilha, o poder que compraz. Nunca há um poder simples, desinteressado, não está na natureza humana. Que poder escolhemos nós exercer sobre o outro? O poder que está em nós, que é no fundo aquilo que somos de essência. Pode ser um poder langoroso e solitário, esmagador, dependente, chantagista. Pode ser um poder autoritário e raivoso, humilhante.
O poder chantagista irrita-me muito. É quando queremos dominar as circunstâncias da vida dos outros exercendo uma pressão emocional, de dependência. Achamos que, se a pessoa se afasta uns milímetros, não temos controlo sobre ela, e isso deixa-nos desprovidos de qualquer poder. Achamos que comparando, dizendo «eu fui melhor do que tu» ou alguém é melhor do que tu conseguimos convencer a pessoa da sua fraqueza, fazê-la hesitar, entrar em conluío com a nossa opinião, uma vez que a estamos a colocar publicamente em questão. Na realidade, isso dá origem a uma só coisa, a menos que sejamos uns sortudos: solidão. Não queremos aceitar que a vida das outras pessoas não é um campo da nossa jurisdição. Achamos que temos poder sobre elas, um poder quase jurídico, sobretudo se formos pais. Mas que raio de poder podem os pais ter sobre os filhos quando eles vão à vida deles? Nenhum. Mas o certo é que têm. O certo é que querem definir estratégias de vida que muitas vezes não resultaram nem com eles.
Porque será que eu tenho sempre a ideia, mesmo sem ser mãe, de que se pode amar incondicionalmente um filho de uma forma saudável, sem estarmos sempre a rebaixá-lo, humilhá-lo, persegui-lo, querer saber o que faz, com quem faz, para onde vai e a que horas? Claro que achamos sempre que temos capacidades para sermos pais diferentes, e na realidade nem sempre temos. Quando criticava a minha mãe ela respondia-me sempre «um dia tens os teus filhos e logo vês». Mas porque será que vigiar os outros me parece uma tarefa tão obsessiva e desprovida de senso? Pais hiper-vigilantes nunca têm filhos que necessitem de vigilância. É uma das injustiças da vida. Devíamos ter esses pais para filhos drogados, mal comportados, mal educados, e nunca para seres «normais». Mas é sempre o contrário. Quanto menos precisamos de pais vigilantes, mais eles parecem querer ir dormir connosco, viver connosco, comer connosco, sugar o nosso tempo, os nossos filhos, a nossa alma, a nossa paciência.
Porquê essa paranóica do poder? De esmagar o outro, de anulá-lo, de moldá-lo ao nosso modo? É verdade que muitas vezes apetece. Apetece agarrar em atrasados mentais e desfazer-lhes os miolos. Apetece agarrar em meninos mal comportados e tirar-lhes tudo o que têm, melhor, dar-lhes consciência para perceberem quem são. Apetece mandar abaixo pessoas convencidas, de barriga cheia, que sempre tiveram alguém a resolver-lhes os problemas todos. Mas isso não é um exercício de poder, necessariamente, mas sim de justiça, de sentido da vida. Claro que muitos de nós sabemos o que é a justiça, mas outros não. Muitos temos consciência, mas muitos não temos. E vivemos todos no mesmo mundo, por isso é natural que as pessoas não gostem todas umas das outras. Em quem o disser, como a minha avó diz, é parvo, porque obviamente podemos não detestar ninguém, mas há sempre alguém que nos diz menos e por quem não nutrimos especial afecto. Eu sou uma mulher de muitos afectos e de muitos ódios. Mas quando odeio estou certa de que não odeio uma pessoa por ser feia, bonita, bem ou mal vestida, de boas ou más famílias. Odeio pessoas estúpidas, fúteis, manipuladoras, convencidas sem razão para isso e com falta de valores morais. E há a categoria das pessoas que me irritam, mas que eu não odeio, por lhes reconhecer mérito e bom fundo. Que são as pessoas que espartilham os outros, que querem evitar que os outros respirem sem a sua autorização, que, sem se aperceberem, deitam abaixo as pessoas de uma forma dura, porque lhes aniquilam capacidades não as reconhecendo nunca. Nestas pessoas a expressão de comportamento mais comum é «faz porque eu acho que está bem, independentemente da tua opinião».
Nestes dois tipos de pessoas, a resolução tem de ser a mesma: distância. Não há hipótese de destronarmos uma pessoa odiosa, mas esperta, com maus fígados e sem consciência. Assim como não há hipótese de explicar a uma pessoa intrometida e chata que ela é intrometida e chata. Podemos sempre tentar. Mas mesmo que se comprove o óbvio, que estas pessoas ficam sozinhas porque ninguém as atura, há sempre um ou outro palerma que lhes permite a segurança de existirem como são. Mas a vida e o mundo são selvas autênticas: todos têm a sua missão. O leão de caçar, a gazela de ser comida. Se a gazela não quiser ser comida não enfrenta o leão, esconde-se ou foge, ou faz trabalho de grupo e anda com outras gazelas para confundir o leão.
Eu não gostaria de saber que o meu amor sufocava alguém. Sentir-me-ia má pessoa se algum dia me apercebesse disso. Um amor sufocante é um amor virado para nós, egocêntrico. A única mensagem que transmite é «preciso de ti, sem ti não vivo». E amor é amor, oxigénio é oxigénio. Confundimos os dois. Como diria o Deepak Chopra, o amor verdadeiro é desinteressado, desvinculado do ego, não diz «eu», acima de tudo, zela pelo outro sem o fazer igual a nós. Um amante competente sabe disso. Sabe que um amor que sufoca é um amor patológico, doentio, irreversível, que não se olha num espelho de verdade, esconde-se atrás de uma mentira, que é a de pensar que nós somos mais do que os outros, que nós é que precisamos dos outros e que sem os outros somos uns desgraçados. Uma pessoa que se espartilha neste tipo de sentimentos não é uma pessoa adulta, é uma criança assustada, parada no tempo e no espaço da mágoa, que evita que os outros vivam fora da sua esfera territorial de posse. É uma pessoa que não é, que não está bem, que não existe muito nem muitas vezes em si mesma. Existe nos outros, para os outros, pelos outros, a partir dos outros. E se os outros não quiserem?

Monday, November 13, 2006


Povos-ainda-mais-estúpidos

Palavra que os há…há povos ainda mais estúpidos do que estes de que falei. Sabem onde? Numa zona mundial conhecida como «Oriente». Está bem, já falei da Índia, olha que belo exemplo, mas há muito muito pior. O Oriente é a prova viva de que Deus, Alá ou o raio que o parta, não existem de todo. Se Deus existisse não dava petróleo a atrasados mentais sem cérebro, a sheikes (é assim que se escreve?) atrasados que trocam camelos pela Britney Spears (por acaso ela vale isso?). Estou farta dos árabes, do Oriente, e dessa coisa infame e eufórica do ecumenismo. Sabem o que é? É levar no cu. Ou então é comunismo mal escrito. Os cristãos inventaram as Cruzadas, que mais não era do que dizer aos outros «temos um Deus cristão, não sabemos para que serve, mas apanhem com Ele que até dói!». E toma, começaram as Cruzadas. Depois vieram os árabes, que disseram «temos um Deus, Alá, tem menos letras do nome do que o vosso, e prediz coisas melhores, que são: devemos morrer por Ele, colocar bombas em todo o lado, e mesmo assim ganhar mil virgens no paraíso». Ora entre o Deus cristão, que tudo castiga, tudo vê, que desanima qualquer um, e o Deus-Alá, que é um filho-da-puta mas promete coisinhas boas, qual deles é melhor? Como se diz em bom português, venha o diabo e escolha!
Não me venham com tretas orientalistas, teorias do Outro, como o Edward Said, que vemos tudo pela nossa perspectiva e fazemos do Outro um alvo a abater, porque nós fazemos isso uns aos outros todos os dias, sem dó nem piedade. Abatemo-nos uns aos outros por tudo e mais alguma coisa, acotovelamo-nos, atropelamo-nos, somos sacanas. Agora os árabes…ó meus amigos, aquilo não é cultura, aquilo não são povos, aquilo são uma corja de deficientes a lutar por estatuto no mundo. O único motivo pelo qual olhamos para eles é o petróleo do Iraque e Koweit (ainda existe este país merdoso?). Eles vivem para fabricar bombas que colocam à cintura e fazem-se explodir. Jovens que se fazem explodir são o orgulho dos pais. Aqui, jovens que ganham prémios, que se licenciam, que são bons desportistas são o orgulho dos pais. Lá, o orgulho é ver um filho rebentar. Um árabe rebenta e diz o pai: “ É o meu filho, caraças, fui eu que o ensinei a explodir assim! “, e cai-lhe uma lagriminha saudosa dos tempos em que, já no triciclo, ensinava a atropelar meninos da escola e bater nas perninhas da mãe. Um árabe chega-se ao pé da mulher e diz-lhe: “ Maria, anda aqui ver o teu filho a explodir num casamento! Matou 345 pessoas! O gajo é um espectáculo! Porra! “. Ó coisa mai linda! Se Deus fosse inteligente não fazia árabes, fazia-os explodir.
Mais do que isto: as mulheres andam com burcas, que as tapam de cima abaixo e caminham atrás dos homens. Sempre, senão são apedrejadas ou queimadas vivas. Ó meus amigos, qual é a vantagem de um gajo andar com uma gaja tapada atrás dele? Pensem bem. Fazer-lhe sombra? Escondê-lo quando ele urina às escondidas na mesquita? Opá, não tem vantagem, nenhum gajo quer curtir com a mulher do outro, valha-nos Deus, ou Alá, porque a gaja anda ou não tapada com burcas. E que raio de nome é esse? Burca parece arroto. «Burc!!».
E África? Já falámos dos povos africanos, Patrícia? Acho que não. Um povo africano não é negro, necessariamente, porque, a certa altura da história mundial, achámos todos por bem invadir África, fazer filhos às pretas, fazer mestiçagem e miscigenação, ou sei lá o quê, e, melhor ainda, rebentar com as culturas deles, ou, porque somos bonzinhos, misturarmo-nos. Os tugas são mesmo um povinho filho-da-puta. Apropriámo-nos daquilo, demos-lhes nomes, a eles e aos países deles. Nós, os ingleses, os franceses, os holandeses e uma série de outros atrasados mentais que nada tinham para fazer. Porque não devíamos ter invadido aquilo. Não, não. Em primeiro, porque ninguém devia viver ali. Quem é que quer ir viver para um sítio que sofre seca e que não tem água potável? Ninguém. Nem os animais fazem isso. Até as girafas e os elefantes se dirigem para onde há água e comida. Então porque raio os africanos foram para sítios ermos, sem água nem comida, nem luz? É preciso ser parvinho, boçal mesmo. E que lá fomos fazer? Roubar diamantes que eles penduravam na pilinha e que para eles não tinham valor nenhum, sem ser o brilho? Porque será que gostamos tanto de esmifrar os outros, sobretudo se forem estúpidos e se se deixarem esmifrar? Depois da mestiçagem nada mais foi o mesmo.
Há povos africanos que são um perfeito abuso em burrice. Por exemplo os pigmeus. Para já, são muito pequenos. Depois, têm um aparelho fonador que não lembra a ninguém, porque dão cliques com a garganta e a língua (quem faz isso são as crianças, e as crianças não têm o cérebro desenvolvido). Como muitos outros povos, são recolectores, o que até está bem, se calhar por isso é que são pequenos, para subirem às árvores. Mas e aqueles desenhos no corpo? Aqueles furos nas beiças e no nariz? Ó meus amigos…os pigmeus são feios, muito feios.
Diz a lenda que Deus, quando criou os pretos, estava a fazer pãezinhos. Então, como queimou os pãezinhos, atirou-os fora, mas o Diabo aproveitou-os. Portanto, vejam que lenda bonita e tirem as vossas conclusões. Já agora, escuros não são só os pretos, são os indianos, os turcos, os índios…
Os turcos e os índios. Alguém falou neles, ainda? Este é mesmo um assunto inesgotável, não me peçam mais para falar de coisas sérias. Os turcos limpam o rabo com a mão esquerda porque comem com a direita. Deviam conhecer a Patrícia Torres. Ela desfazia-os por não lavarem as duas mãos – a intenção deve ser essa, não? Poupar sabonetes. Olhem, e já agora, porquê cortar uma mão a quem rouba? Por acaso isso aumenta o PIB de um país, evitar que uma pessoa volte a bater uma punheta com as duas mãos?
E os índios? Há povo mais feio e mais nojento? Para já, são produto de uma mestiçagem feita às três pancadas entre dois povos horrendos. Um, os chineses, outro, os pretos. Depois, vivem no Brasil, na Amazónia, alguns vivem algures nos EUA. Acho que nada joga a favor dos índios. Têm cabelos compridos e sebosos, cheiram mal de certeza, são como os Amish, vivem isolados do mundo e usam penas na cabeça. Quem, mas quem, é que usa penas na cabeça? E os amuletos para rezarem não se sabe a quem? E os cemitérios índios, feitos de pedras? E eu que pensava que o catolicismo era uma religião estúpida, que outrora enterrava mortos nas igrejas…há povos nada higiénicos. Faltam os gritos, os gritinhos apaneleirados dos índios, celebrizados nos filmes de cowboys, com uma seta na mão, fizeram deles heróis. Mas de quê? Porque que é que um índio é herói? Porque mata americanos, deve ser. Ou porque ainda consegue viver na Amazónia, mesmo com aquilo a ser queimado todos os dias e com o Ney Matogrosso a viver ali perto (é melhor do que a Gal Costa ou a Elba Ramalho, nenhum índio atinge tamanha trunfa e voz tão aguda)? O índio tem sempre carinha de mau. É como o chinês, com a diferença que um índio é um inútil, não faz nada. O chinês ainda copia e abre lojas na Europa. Mas um índio serve para quê?
Eu acho que devíamos fazer um sistema mundial de anulação da estupidês. Por exemplo, os japoneses adoram sítios históricos, míticos, famosos. Enviávamo-los para a faixa de Gaza. Acabavam-se os japoneses. Os árabes gostam de se fazer explodir, era enviá-los para a floresta amazónica. Pegavam fogo às tribos e desapareciam eles mesmos (dois coelhos de uma cajadada só). Os portugueses, italianos e espanhóis gostam de roubar. Então iam para a Turquia. Perdia-se logo o conceito de macho latino… Já agora, tudo o que fosse povo preguiçoso era recambiado para África, tipo Sudão, Etiópia, Mali, países em que ou se trabalha para ter alguma coisa ou se morre. Acabava-se com os mexicanos, cubanos, brazucas em três tempos e com o parasitimo mundial. Era melhor não mandar os ciganos e os romenos (devem ser do mesmo estilo, mas os romenos têm o Drácula, que é engraçado), de certo eles arranjariam pensos rápidos para vender e subsídios para receber… Já agora onde poríamos os árabes e os americanos? Juntos anular-se-iam uns aos outros, não?

Sunday, November 12, 2006

Manifesto xenófobo II


A Patrícia diz e diz bem. Faltam aqui muitos povos perfeitamente anormais, que não citei. Por acaso falei dos americanos, mexicanos, indianos, chineses, russos? E por acaso terei falado desses perfeitos anormais sem nacionalidade, os ciganos? Qual povo feio e temido que nada faz na vida, qual sociedade patriarcal em que quem manda mais é o que não toma banho há mais tempo e dá mais pancada na mulher? E as mulheres? Mesmo quando se pintam muito são feias e mal-cheirosas. Ponto um. O cigano nasceu para pedir esmola e vender pensos rápidos. Ponto dois. O cigano nasceu para fugir à polícia.Ponto três. O cigano não é menosprezado pela sociedade, põe-se de lado e é um parasita declarado a pedir subsídios. Ponto quarto. Morte ao cigano, que nem à escola leva os filhos, ranhosos, porcos e mal-cheirosos que pedem esmola no metro com um cão minúsculo sobre os ombros. Se há povo pertinho do bicho do mato é o cigano. Já agora, de onde vieram eles? Eles sabem lá…
Americanos. É o que se sabe. São o cúmulo da hipocrisia. Têm tudo naquela terra de três letras E.U.A. Penso que a minha amiga Patrícia Torres definiu bem os americanos quando me disse: «andam à procura de vida em Marte? Ponham uma sonda nos EUA. Ali não falha…». Aquilo é de Et’s para Et’s. São ricos, milionários, culturalmente miseráveis e…estúpidos. Tremendamente estúpidos. Pensam que Europa é um país (a começar pelo Bush) e que a comunidade latina fala latim (a começar pelo Bush). Foram invadidos por povos ainda mais estúpidos, vulgo comunidade hispânica, entre eles a Jennifer Lopez e o marido, que viviam no Bronx a falar espanglês. Agora cantam e, qual terra afortunada, são milionários, enbanjadores e uns perfeitos atrasados mentais. Os EUA…terra da Paris Hilton, que nada teve de fazer senão tirar a cuequinha para se tornar mais rica do que os pais, donos do império Hilton, dos hotéis. Dêem umas cuecas à menina…Os EUA. Terra da Britney, que nasceu com uma corruptela no nome, sendo, toda ela, uma corruptela. Terra de pornógrafos e assassinos que se tornam famosos. Leiam o Tom Wolfe, que ele diz-vos o que é a América dos EU…
Os mexicanos. Tiveram de bom uma pintora como a Frida Khalo, mas fazem-se valer por um ladrão, o Zorro e por um boneco de chapéu gigante, o Spiddy Gonzalez (escreve-se assim?), um ratinho que corre como um maluco. Deve ser para contrastar com a lentidão do povo, que tem fundas (sacos) e servicios (casas-de-banho), para além de furacões quando as pessoas lá estão de férias. É um povo violento, tal como os argentinos, peruanos, venezuelanos e restantes povos colonizados pelos atrasados dos espanhóis. Não nos saímos melhor com os brazucas, já aqui o disse…
Os indianos não têm descrição possível nem imaginária. Têm uma coisa chamada castas, que os distinguem em hábitos, mas parece-me que todos são, inequivocamente, uns trolhas, um atrasado de vidinha mole. Como líder espiritual tiveram o Gandhi, um tipo anoréxico com umas cuecas sujas (podia dá-las à Paris), dentes podres e careca. Além de burro, porque dizia que a malta nunca se devia virar a uma chapada, era um inútil. Nunca fez nada, nem ir ao dentista tratar dos dentes, nem ao oftalmologista trocar de óculos. Também nunca disse ao poveco que não se deve obrar no sítio onde se põe os mortos e depois ir lá lavar a roupa. Não, no Ganges nunca se poderia filmar a Aldeia da Roupa Branca, porque aquele rio deve ser uma bela merda. Depois admiram-se de morrerem todos de malária. Se não for disso, é com certeza das pinturas feitas com aquela erva venenosa, a henna, que a Madonna também faz. Já agora…porque é que eles cheiram todos a caril?
Mais porcos só os chineses. A Paula diz que, depois de terem vindo aos magotes para Portugal, ela se tornou racista. O chinês, em primeiro lugar, é um bicho que não está bem. Em que estava a pensar Deus quando os fez, pequenos, tipo migalhas, de olhos em bico, e tão tão feios? Meus Deus…Os chineses são horrorosos. Comem em todo o lado, inclusive no metro, em tijelas que sorvem como uns doidos. Copiam tudo aos outros. São um povo copião. E copiam bem, os sacanas, o que não quer dizer que isso seja bom. São tipos disciplinados e bons naquilo que fazem, sobretudo a controlar a natalidade com o método mais natural possível: matar o que está a mais. Matadouros de crianças parece-me algo medievo, pior do que a tourada. Filhos da mãe…e de uma mãe bem feia.
Não sei se é justo terminar nos russos. Eles não merecem essa tamanha honra. Os russos são tão frios como a neve, tão antipáticos como um calhau, tão burros como as estátuas dos líderes atrasados mentais que tiveram, o Lenino e o Estaline. Em primeiro lugar, os russos são comunistas, tão comunistas que até mete nojo. Depois, quem é que vai viver para um país tão frio? Ali não devia viver gente. Os povos deviam primar pela inteligência, não podem ir viver para montanhas, Pirinéus, merdas assim, como a Heidi, dos Alpes suíços. Opa, não pode ser. No México passam furacões quando as pessoas estão de férias (perguntem à Patrícia). Não devia viver ninguém no México, poupava-se muito dinheiro se os povos não fossem tão burros e não se instalassem em sítios impróprios para viver, como o México e a Rússia. Na Rússia, quem não tiver aquecimento morre. Isso admite-se? Só gostava da Nikkita do Elton John, mas de russa nada tinha (e ele de heterossexual também não). Força…votem no povo mais estúpido, já que não me deram a vossa opinião acerca das xoxas velhas.

O desperdício

Acho que há muitas pessoas, muitas coisas, muitos pensamentos, que são um perfeito desperdício. E eu desperdiço-me neles, não sei bem porquê. Um dos livros de auto-ajuda que li, um dos muitos, dizia que uma das piores maneiras de gerir o stress é acharmos que os problemas vão para onde nós formos. Ou seja, quando estamos em casa pensamos nos problemas que temos no trabalho e vice-versa, quando estamos no trabalho pensamos nos problemas de casa. É uma bela maneira de não sermos bons em coisa nenhuma. Quando estamos num lado temos a cabeça noutro, ficamos fulos com aquilo que nos fizeram e disseram há tempos atrás. Eu sou uma pessoa muito pouco concentrada. Preciso mesmo de experiências como a leitura paleográfica: um segundo fora dali e já não consigo ler nada, fico danada e não rende o trabalho. Assim é a minha vida. Estou sempre chateada com coisas que não me estão acontecer agora, mas que me aconteceram ou eu acho que vão acontecer outra vez.
Roma também tem aquela doçura que permite esquecer isso. Por todo o lado há coisas que nos chamam a atenção e há uma beleza no ar que transborda, que passa por cima de nós e esmaga os nossos problemas, um a um. Aqui é o problema da língua, que não falo; do dinheiro, que tenho pouco e acho sempre que gasto muito; do trabalho e da falta de tempo para tudo. Aqui o problema é que não me apetece nada os problemas que tinha antes de vir, que ainda tenho e nos quais penso, que vêm ter comigo. As palavras chatas e duras das pessoas que me querem magoar. Aqui, eu sou eu, e só conta a minha bravura para ler os documentos do arquivo.
Porque será que eu tenho um gosto tão apurado e indigno para lixo? Levanto-me a pensar em lixo, passo o dia a pensar em lixo, deito-me no lixo que são os meus duros e intransponíveis pensamentos. Às vezes penso: porque sou eu assim? Porque me chateio tanto fora dos momentos e nos momentos não, passo por eles como se me estivesse a defender de uma chapada dada com força, remetendo-me ao meu instinto primário de protecção e de segurança. Tenho pouca capacidade de defesa.
Com esta vida e não com outra, dou por mim em idade de ter filhos. Quer dizer, em Portugal, nos dias que correm, temos filhos por esta altura. Essa é a última coisa que quero. Porque será? Porque será que acho os filhos sufocantes e insuportáveis? Porque será que acho que nunca vou ser capaz de educar nenhum? Porque será que a simples ideia de ter filhos me deixa infeliz? E porque será que penso nisso? Aqui só estou eu, uma investigadora. Porque haveria de pensar em filhos? Porque será que acho que com eles é que não consigo mesmo ser boa pessoa, só uma pessoa irritante e irritada com o mundo? Porque será que sou egoísta ao ponto de pensar que tenho pouco dinheiro e é para mim, nunca para eles, porque mereço tê-lo, trabalho para isso, esforcei-me e esforço-me até ao limite das minhas forças, porque raio haveria de partilhar o pouco que tenho com crianças?
Com esta vida e não com outra, dou por mim a pensar que gostaria de viver longe de Portugal muito mais tempo, um ano, dois, três. Não porque não goste de Portugal, mas porque acho a minha vida invariavelmente repetitiva e negativa. Encontro-lhe sempre um pendor de desastre, de pessoas que adoram irritar-me e ofender-me só com a sua arrogância, as suas palavras, ou simplesmente com a sua presença snob.
Porque será que, a esta distância de tudo e de todos, detesto tanto a educação que tive, em algumas coisas, e gosto dela, noutras, que me faz ser diferente das outras pessoas, e talvez por isso mesmo a única investigadora que oferece bombons aos senhores do arquivo?
Porque será que, a esta distância, ainda acho mais injusto ser mal tratada? Ainda acho mais injusto ser sufocada, dia a dia, numa educação ainda pior do que a que tive? Porque sou obrigada a isso? Porque será que, a esta distância, as filhas da puta que põem os namorados a trabalharem para elas em troco de um queca (que provavelmente também dão com outro que lhes dê jeito no seu percurso existencial), ainda me parecem mais filhas da puta, e eu ainda pareço mais diferente delas? Quem, como eu, guarda dinheiro para um presente especial para a Patrícia, que é uma das minhas melhores amigas, que está na Madeira, mas merece um presente com brilho e borboletas? Porque é que, a esta distância, ainda gosto mais da Patrícia, e ela me parece ainda melhor pessoa, mesmo falando com ela todos os dias?
Porque será que, a esta distância, o meu percurso isolado ainda me parece mais digno? Porque fui eu a fazê-lo, a trabalhar para ele e não esmaguei ninguém pelo caminho, simplesmente porque não sou assim?
Porque será que, a esta distância, certas pessoas são ainda mais nojentas e medonhas (e não me estou a referir aos japoneses), e me parece ainda mais triste as pessoas estarem umas com as outras por dinheiro e interesse, quando eu, que não faço isso, sofro tanto na minha relação de amor, pelas pessoas e pela vida, e ainda oiço impropérios, ainda sou obrigada a ouvir que poderia fazer muito melhor do que isto? Mas o que é melhor do que isto? Sua Santidade, o Papa, que se rodeia de luxos, que fala da fome como se tivesse conhecimento de causa, mas expulsa os pobres do recinto do Vaticano «para não parecer mal aos turistas»?
Porque será que odeio tanto o processo de aprendizagem pelo sofrimento? Não é para todos? Porque detesto tanto sofrer, mas mesmo quando não estou a sofrer, arranjo motivo para isso? Felizmente há a cúpula do Vaticano aqui perto que, não sei por que motivo, me acalma e adoça os pensamentos. Se Deus existe, Ele anda por aqui perto.

Saturday, November 11, 2006

O merecimento


O merecimento depende de uma só coisa: da nossa interpretação da realidade. Quando vagueio no Vaticano, a fazer tempo para ver se sou a primeira a entrar no arquivo (nunca sou, são sempre os frades e os franceses, porque eu distraio-me a olhar para outras coisas), descubro centenas de pessoas que tiveram a sorte de, no meio das suas vidas atribuladas, poderem visitar Roma. Esta cidade fantástica é como uma esponja, absorve energia, absorve estrangeiros, mas é forte e poderosa, parece uma estaca. Sente-se perfeitamente que foi o centro do império romano – agora o império do Berlusconi e dos seus amigos corruptos. Mafiosos, corruptos, desordenados, expansivos, os italianos têm esta fama, às vezes justa, às vezes injusta. Todavia, são calorosos e têm o sangue na guelra, isto é, zangam-se com uma facilidade imensa e deixam transparecer o seu mau humor. Não são contidos, berram, gritam, esperneiam no meio da rua.
As pessoas que visitam Roma, amontoadas aos magotes em todo o lado, são de todo o género, brancas, altas, pequenas, orientais, ocidentais, esquisitas, aleijadas, doentes. Todavia, muitas conhecem Roma de uma maneira que eu não conheço, porque para mim não é um destino turístico, é um local de trabalho. Belíssimo e privilegiado. Por isso mesmo, levo os dias a ouvir as pessoas dizerem-me «ai que sorte que tens!», «ai que rico trabalho!», «és uma pessoa de sorte». Daí este post. O merecimento. Terei eu merecido vir até este destino feliz fazer o que faço? Como diz a Patrícia, cuidado com o que desejas. Quando viajo para aqui é o que penso. Eu desejei tanto isto, e por vezes sinto-me tão em desequilíbrio nas minhas emoções. Serei capaz?
Lido bem com a solidão, sobretudo porque tenho Internet, o que muito contribui para comunicar sem problemas. Não há o cara a cara com as pessoas, é verdade. E tenho saudades. Mas não morro por isso, não fico aflita, não me apetece voltar. Para mim o mais frustrante é a falta de velocidade com que aprendo as coisas. Quero aprender tudo de uma vez: onde é mais barato comprar, como ler um mapa, como ir de metro e de autocarro para aqui e para ali, e acima de tudo, como compreender italiano e falar italiano. Não tenho em conta que, neste contexto tão diferente do habitual, tudo é difícil para quem nunca se desenrascou sozinho, muitas vezes por preguiça, outras vezes porque nem me deixavam pensar. Se eu fosse só fruto da minha educação, e não da minha força de vontade, provavelmente ainda saberia fazer menos. Fui tão amordaçada ao medo do desconhecido, que se tivesse ficado no mesmo sítio a ouvir que porque chove não devo ir trabalhar, que devo estar sempre a comer, que devo andar sempre muito agasalhada, provavelmente hoje seria uma obesa sem futuro e sem vontade de coisa nenhuma.
Será que merecemos? Será que merecemos que as coisas nos corram mal? Será que merecemos os nossos pais, as nossas mães, os nossos irmãos, os nossos patrões? O que nos acontece, na vida?
Há teorias que dizem que somos nós os seleccionadores do que nos acontece. Escolhemos lições para aprendermos com elas e evoluirmos nas nossas falhas, crescermos. Mas será que sim? Ou melhor, será que é sempre assim? Muitas das vezes não será azar? Ou sorte e azar dependem mesmo de quem nós somos e de como interpretamos as nossas experiências? Se quisermos muito uma coisa ela acontece? E se não quisermos e ela surgir?
Há uns anos atrás não colocava sequer a hipótese de vir trabalhar para Roma, nem sequer de estudar os assuntos que estudo. Há uns anos atrás não colocava hipótese alguma. Queria sair de casa, onde me sentia entalada, a sufocar, numa vida que nunca desejei. Comigo é de extremos. Eu sou de extremos, talvez. Eu desejo muito, as coisas acontecem. Eu desejo muito que não aconteça, as coisas acontecem. Devo ter um pensamento potenciador de experiências. Talvez todos nós tenhamos, só que o usamos muito pouco. Eu uso muito. Acontece-me tudo de que tenho medo. Acontecem-me também as coisas que eu quero, mas a um outro nível, mas lento, mais langoroso, ou assim o interpreto. A mim as coisas más parecem ser como vulcões cheios de lava. Transbordam. Talvez eu potencie todas essas experiências. Talvez estivesse destinada a elas. Talvez eu estivesse destinada a Roma, quando me apaixonei por ela, aos dezasseis anos, no início do estudo do latim. Nessa altura, o meu professor de latim parecia-me ser a pessoa deste mundo que mais sabia de tudo e mais alguma coisa. Mas, mais do que nunca, todos os ensinamentos dele estão aqui, mesmo ao lado. Se eu pensar nisso, é uma emoção muito grande, fico comovida. Eu consegui. Estou cá, a ler documentos em latim. Eu já estive cá? Eu já estaria destinada a estar cá? A primeira vez que vi o Vaticano e as pontes ao pé do Castelo de Sant’Angelo pensei que estava noutra vida diferente da que tinha antes. Pensei ter renascido, reencarnado. Pensei se isto me estaria mesmo a acontecer nesta vida. Porque pensava nisto mas não achava possível.
Do mesmo modo, as coisas menos boas também são assim: um deslumbramento pela negativa. Eu sempre tive medo de perder a pessoa que mais força tinha, na minha família, que tudo suportava: a minha mãe. Tinha pavor de ser eu a eleita para o lugar dela. E infelizmente isso aconteceu. E eu estive anos a passar por situações em que me sentia triste e desanimada, humilhada pelo medo, incapaz de avançar, de pensar sequer que poderia mudar isso.
Não sei se é culpa, se se pode dizer isso ao que nos acontece. Mas há tantas coisas em que somos estupidamente culpados e nem damos conta. Temos relações sufocantes e humilhantes com as pessoas, como se elas tivessem o dever de nos dar oxigénio para respirar. E deixamos. Somos mesmo culpados. Porque o tempo passa e não educamos os outros para não dependerem de nós, nem nos auto-educamos para não dependermos dos outros. Somos tristemente algemados num sofrimento inglório, em que esperamos mais e mais dos outros. Se isso um dia muda dizemos que sofremos uma grande desilusão, que nos traíram. E provavelmente alguém nos traiu, de facto, nós próprios. Nós próprios traímo-nos nas nossas expectativas inglórias dos outros. Achamos que eles vivem para nós. Com uma função. E se essa função se perde? Se um marido ou namorado deixa de o ser? Se a mulher passa a mãe, mas embora não deixe de ser mulher, é outra diferente, uma pessoa com atenção a mais coisas?
Somos escritores e subescritores da nossa vida. A nossa assinatura está no melhor e no pior que fazemos, e nas coisas mínimas, insignificantes, toscas. Nós somos a nossa melhor biografia. Está tudo marcado no corpo, na alma. As minhas emoções estão concentradas nos mesmos sítios: nos olhos e nas costas. Curiosamente são os meus instrumentos de trabalho, entre outros, como as mãos, as pernas, e, nunca esquecer, o meu cérebro.
Quando vejo os senhores do arquivo penso em como serão eles quando eu não estou lá. Invariavelmente iguais. É um bocado indiferente quem entra e quem sai. É um trabalho um bocado triste, mesmo que o Papa lhes pague fortunas. No entanto gosto muito deles e não sei explicar porquê. Cabem dentro do meu coração. E quando saio daqui tenho saudades, até dos senhores do café, da Paola a fumar à porta a dizer-me «Ciao!» e do senhor que me diz sempre «Salve!» e do outro que me diz «mangia primo, paga doppo!» (come primeiro e paga depois). É que para eles é tudo normal, mas para mim é novidade. Não é uma biblioteca igual às outras, nem um local de trabalho igual aos outros. Mas parece que os conheço há muito tempo, só que há uma barreira e não lhes posso dizer nada, como a sereia do Hans Christian Andersen não podia falar com o seu amado. Às vezes penso «estava destinada a conhecê-los?». Talvez seja estúpido gostarmos de pessoas que mal conhecemos. Porque será que umas nos inspiram tanta confiança e outras não? Teremos falado a mesmo língua, antes da Torre de Babel? Porque será que quem me atende me inspira confiança e às vezes, mesmo noutra língua, sei que está a dizer a verdade? Não será estranho?
Muitas das vezes, apesar de eu já ter saído de depressão, penso que, na realidade, não saí do mesmo sítio, foi só uma impressão. Que há coisas queimadas na minha pele, nos meus sentimentos, na minha cabeça, que nunca vou sair de depressão e do luto, ou seja do que for, que a tristeza, uma vez por outra, toma o meu tempo e o meu espaço interior, mesmo dentro do arquivo, e eu sou a mesma de sempre: uma pessoa frágil à procura de coerência e de felicidade, que não entende nada das outras pessoas, dos seus objectivos, das suas palavras, dos seus ritmos, porque vivo noutro mundo muito diferente. Mas talvez não viva. Algumas pessoas entendem-me muito bem. Algumas pessoas eu entendo bem. Seja em que língua for. Talvez algumas pessoas mereçam o meu entendimento, e talvez eu também mereça o delas. Nunca se sabe…


Thursday, November 09, 2006



Manifesto xenófobo

Há povos que metem nojo, ou não? São inteligentes mas nada sensatos. Por exemplo os japoneses. Que é aquilo? Como diz o Bruno Nogueira no anúncio «a galinha é um bicho que não está bem». Os japoneses não estão bem. Devem engrandecer o PIB de Itália, porque aqui, eles metem o cu em todo o lado, menos no arquivo secreto (aí andam chineses). Os japoneses têm chá verde, filosofias ligadas a não fazer nada e pensar positivo, samurais, bandas desenhadas, imenso dinheiro, investem, trabalham, são supra sumos na informática e, contrastando com tudo isso, são tão estúpidos que metem nojo. São infantis e vivem em caixas de fósforos para pouparem uns tostões e o país crescer mais ainda. Sim, porque eles são poucos, muito poucos. Só aqui em Roma deve estar 10% da população japonesa, às oito da matina já andam aos magotes, disciplinadamente, contrariamente aos outros turistas, cheios de câmaras de filmar e de máquinas fotográficas – eu já devo ter aparecido em milhares de filmes caseiros de japonas. As fotografias deles são todas iguais. Grupo de três ou quatro a rirem-se com cara de estúpidos. Parecem anormais e têm alfabetos gigantes que ninguém tem tempo de aprender numa vida inteira…então para que servem? Para fazer bonecos giros? É como diz um amigo meu, bombas em Hiroshima e Nagasaki novamente (pelo menos os habitantes daí nunca mais iriam a Roma).
Nunca me fizeram mal, nunca conheci nenhum japonês pessoalmente, embora já me tenham dado encontrões e eu já tenha ido contra eles variadíssimas vezes. Ao contrário dos italianos e dos espanhóis, não cheguei a odiar ainda nenhum japona pessoalmente. Os espanhóis e os italianos têm alguns defeitos comuns a nós: ferver em pouca água, gritar em vez de falar, adorar caos e corrupção, bebedeiras constantes, mandar piropos às gajas, mijar nas paredes e nos caixotes do lixo. Nunca vi nenhum japonês a comportar-se assim, a fazer necessidades fora da sanita. Mas isso nos povos mediterrâneos parece ser vulgar. Trair também. Segundo as revistas, 86% dos homens italianos fazem isso, contra 75% das mulheres. Não devemos andar longe dessa média. Somos muito engatatões, eu tinha escolhido outra palavra mas declinei-a, era ordinária. Nós portugueses gostamos de confraternizar e de fazer filhos.
Mas o povo de que menos gosto são os brazucas. Estão em todo o lado por interesse e dinheiro, querem pouco mais do que isso: não fazer nada. É verdade que alguns são muito trabalhadores, mas é um povo tenebroso e feio. Têm a mania que são «quentes». Meu deus…Não devíamos tê-los colonizado. Eles deviam ser todos índios, no máximo misturarem-se com os pretos, continuariam feios, mas ao menos não entrávamos nessa mistura, nessa coisa do «café com leite» ou cafuzo ou mestiço ou essa merda. Odeio ouvir brasileiro (português truncado e mal falado), até fujo…mil vezes os sotaques da Madeira, dos Açores, do Porto, de Viseu. Mas o brazuca assume a sua ignorância, sabe que é um analfabeto. Agora os franceses…acham que sabem tudo, são antipáticos e emproados, mal dispostos e muito porcos. As mulheres são feias, tipo lésbicas fuinhas e mal amanhadas. Como diz uma amiga minha filandesa, «everybody hates french people». Mesmo assim não ultrapassam os alemães em antipatia e sujidade. Os alemães são disciplinados e brilhantes. Mas são incapazes de deixar uma senhora passar sem pisá-la ou largar a porta na cara.
Os espanhóis nem há comentários a fazer. Comem comida espanhola e só falam espanhol, ou castelhano ou catalão. Apesar de serem bons em produtividade e crescimento económico, são uma pobreza franciscana em termos culturais. Para além do Flamenco e do Almodôvar pouco sabem. Têm touradas, que é próprio de povos medonhos, acabrunhados, maus e estúpidos que vivem na Idade Média. Como os portugueses, mas nós somos tão hipócritas que nem matamos o touro, só o gozamos, puxamos o rabo, espetamos com pauzinhos, com fitas…somos uns trolhas, uns talhantes mal vestidos, ainda a imitar as outras capitais europeias. Estamos sempre na penúria, na tragédia e temos pavor da mudança. Não investimos nada em educação. Cá fora, somos os piores investigadores de todos, os que menos publicam, sabem, estudam, os que menos se deslocam e interessam pelas coisas. Um investigador é mal e porcamente tratado, é despedido, deixa os trabalhos a meio, fica um mês a fazer coisas em cima do joelho…somos o povinho do desenrasca. Temos coisas boas, como o Fado, a equipa de futebol, os vinhos, os pastéis de Belém e os azulejos. Se quiserem saber qual é o carácter do tuga é ler Eça de Queirós. O português está lá escarrapachado, contente por ser trolha e lamber as botifarras a toda a gente.
Mesmo assim nada disto bate os cubanos. Quem pode ter como chefe político um velho porco e comunista que importa produtos da América mas diz que odeia os americanos? Além disso, ninguém lhe pode dar um tiro porque ninguém sabe onde ele vive. A música deles é dolente como eles, parece uma queca mal amanhada e vagarosa, sem força, sem pujança. Talvez não sejam preguiçosos, mas o trabalho em Cuba é para os ladrões e as prostitutas, porque a maior parte das pessoas ganha dez euros como ordenado, logo, não vale a pena trabalhar.
Pronto, está bem…os indonésios são piores. Quem é que consegue ter na sua fauna um bicho nojento chamado «dragão de komodo», que é venenoso e come os próprios ovos? Isso define o país. Quem é que é tão estúpido que consegue invadir um povo ainda mais estúpido (e feio), os timorenses?
Comecem a votar no povo mais estúpido. Alvíssaras a quem acertar.

Monday, November 06, 2006

Ab Roma ad Portucalem


A expressão não existe em lado nenhum – acabo de inventá-la. Significa de Roma para Portugal, como devem calcular. E é isso mesmo. Só prova que as novas tecnologias são uma maravilha, porque a esta distância toda posso continuar o meu blogue. Viva a Internet.
Antes de vir, tive o meu habitual ataque de nervos absurdo e incoerente, de menina assustada com a mudança, com a novidade. Se reajo a isto desta maneira, imagino quando for mesmo grave ou irremediável. Bem, não é assim. Como todos sabemos, vamos buscar forças onde menos esperamos. A mim também me apetece fugir de muitas coisas. E eu sou uma daquelas pessoas que pedi isto e pedi, pedi, pedi, e nunca mais vinha e blá, blá, blá. Afinal, tenho o emprego que queria. Não é um paraíso e não ganho fortunas, mas também não pedi isso. Pedi uma coisa que gostasse e com a qual, ao fim do dia, me sentisse bem, e com a qual soubesse que me poderia sustentar. É verdade que isto é instável, mas «isto» tem um nome que poucos poderão dar ao seu trabalho: investigação. E é maravilhoso, para quem gosta, como eu, mexer e remexer no passado e tentar descodificar o que ia na cabeça das pessoas para terem escrito aquela palavra e não outra, para terem uma letra tão estranha e me complicarem tanto a vida. Daqui a uma semana estarei cansadíssima e com os olhos a arder, mas são ossos do ofício. Além disso, é um trabalho de paciência estóica. Custa ao físico e ao psicológico.
Depois há a distância, que assusta muita gente. A Internet diminui isso, mas quando cá vim, em Fevereiro, gastava rapidamente o dinheiro do telemóvel, exactamente porque não tinha Internet. Não havia comunicação, e como estava num local de portugueses onde encontrava poucos, ouvia fado para continuar a coerência daquilo que ouvia dentro da minha cabeça, mas não fora, e que tanto me assustava. Nunca se assustaram em ouvir uma língua estranha? Eu assusto. É como chegar a outro planeta. Não se sabe pedir informações nem dá-las. Existe-se. Fora da língua, quem somos, se não animais sem comunicação para além do gestual? Eu também nunca tinha visto as coisas assim, até vir para aqui e ouvir «busta» em vez de saco e ficar a olhar para a empregada com olhinhos de carneiro mal morto. Essa foi uma de muitas, porque dentro da biblioteca a coisa não era melhor, e não melhorou, porque eu não falo a língua, só que agora estou mais descontraída e digo logo que me desculpem, mas não falo italiano. Como me disse um dos empregados do arquivo, na brincadeira «nós também não». É incrível, mas sou capaz de me sentir confortável com alguém que fale inglês ou francês, só pelo simples facto de entender e de conseguir responder, mesmo que atabalhoadamente, a alguma coisa. Hoje um investigador jovem, do Congo, perguntou-me se os meus pais eram portugueses, onde viviam e se eu tinha irmãos. Uma conversa despropositada, mas ao menos é uma conversa. Se não fosse o messenger, a minha conversa resumia-se a telefonemas, ou seja, era uma pequena fortuna, o meu ordenado, bem posso dizê-lo.
Nesta segunda viagem trago menos coisas comigo, estou a desenvolver sentido prático e de sobrevivência. A leitura paleográfica não ficou mais fácil, eu também não vou para menos míope, mas com os dias vai amaciando, vou lendo mais palavras, descodificando outras, de forma a não cometer erros e a fornecer aos historiadores pistas de investigação. É uma grande responsabilidade. Eu sei que ninguém leva isso muito a sério. Hão-de dizer «enganas-te paciência, o historiador que descubra» ou «há mais gente que assina o teu trabalho». Mas os meus erros horrorizam-me. Claro que às vezes tenho de desistir, ou resumo só um bocadinho, mas mesmo cansada ou cheia de fome oiço a minha consciência aos gritos «vieste cá fazer isto, quiseste, deram-te a oportunidade, agora fazes e pronto», é esse pensamento que me leva a ler nem que seja mais uma letra, às vezes em dias desgraçados de frio, cansaço, distância e janelas abertas nas costas, como hoje.
Ainda hoje eu e a Diana falávamos acerca disto: em Portugal ser-se investigador é como ser-se um sem-abrigo. Umas pessoas admiram-nos pela liberdade da escolha, outras chamam-nos loucos. Não temos subsídios de coisa nenhuma, nem direito a descontar para a segurança social, ou férias. Do ponto de vista da lei, simplesmente não existimos. Em Portugal, isto não é um trabalho, é uma coisa que alguém tem de despachar para se poderem escrever livros. Ninguém pensa que o rigor histórico é coisa séria, que os erros desgraçam muitas investigações futuras. Acima de tudo, ninguém imagina no trabalho que dá, porque há horários flexíveis e isso, na cabeça das pessoas, é preguicite aguda. É horrível ouvirmos «tu é que tens uma vida boa, viajas com tudo pago». A sério? E a minha reforma? E o meu subsídio de férias? E a minha licença de maternidade? Não existem. Só que se eu tivesse isso tudo, não tinha o que tenho: sentido de coerência. É aqui que estou bem, mesmo quando me sinto mal.
Em Fevereiro tive essa noção. Tive um recontro com uma pessoa que me desfez a auto-estima em segundos por uma porcaria de nada, por um boato, por manias e preconceitos, nem sei. Aqui, em Roma. Poderia ter sido em Portugal ou noutro local qualquer. E foi nisso que pensei, de imediato, porque de tarde, Roma era linda, deslumbrava-me com o sol, os anjinhos, o Vaticano e as pontes. Fotografei tanto, que agora em Novembro não fotografo nada. Na altura, dentro dos arquivos, eu pensei muitas vezes «os empregados são frios e distantes, ninguém me fala, sem ser para dizer bom dia, não sei dizer grande coisa; no café, não posso conversar com ninguém». Existe uma regra que nunca podemos esquecer: há coisas universais, como a simpatia, o amor, o ódio, a inteligência ou a estupidez. E somos reconhecidos por qualquer uma delas em qualquer ponto do mundo. Está bem, na faixa de Gaza seria difícil, todos se matam e fazem atentados bombistas (ou talvez seja uma imagem estilizada, orientalista, na acepção de Said). Apostando nisso, posso bem considerar que ganhei a confiança de muitos dos empregados, mesmo sem falar a língua deles, até lhes ofereci chocolates. Se fosse em Portugal, ainda hoje me lambiam as botas (não era essa a minha intenção, porque eu não compro ninguém) e diriam sorridentes «sôtora isto, sôtora aquilo». Ali, esqueceram-se de mim e tive de recomeçar do zero, porque estão novamente frios, porque não se lembram de mim, ou simplesmente porque funcionam desse modo, e está certo, porque não? Mas todos eles me aparecem na memória como em Fevereiro, a tentarem ajudar-me, a mim, investigadora perdida numa língua estranha e num trabalho estranho. Divertiam-se a tentar dizer os números em português ou a perguntar-me uma ou outra palavra. Com alguns, os mais porreiros, tenho uma imensa pena de não poder comunicar mais e só topicalizar palavras soltas. Pareço uma menina. Falar uma língua nova tem o seu encanto. É terrível, sabe-se e não se acerta na entoação, ou não se sabe e tenta-se dizer, e sai borrada. A língua neles flui tão bem, é tão doce e musical…a minha língua parece dura, parece língua de conquistador, cheia de ângulos rectos, sons nasais (que eles não têm, por isso me chamam «Ecarnacao» e não «Encarnação»), vogais abertas e fechadas a jogarem umas contra as outras. E a deles é uma música bem entoada. Falar italiano parece soberbo. Ser confundida com uma italiana também não é raro. Excepto quando tenho de abrir a boca, ando sempre descontraída. Mas parece que os italianos confundem toda a gente com italianos, excepto os japoneses e os nórdicos gigantes com filhos louros de olhos azuis.
Os japoneses são uma praga, aqui em Roma. Apetece fazer pontaria, um a um, até chegar à gaja ou gajo do guarda-chuva que comanda a tropa. Derrubado esse, ou derrubada essa, a pontuação seria máxima. Portugueses aqui são escassos, mas ouvem-se. É mais vulgar brazucas. É um destino caríssimo em todos os aspectos. Barato só as pizzas e os bolos, e quem se alimentar só disso rebola. As investigadoras do arquivo que estavam cá em Fevereiro e ainda cá estão mostram bem as roupas apertadas. Eu emagreci muito em Fevereiro. Andar com um portátil às costas é duro, mas andar num autocarro cheio de velhos, estrangeiros, freiras e padres com um portátil às costas ainda me parece pior. Atravessar nesta cidade também aparenta ser uma questão de vida ou morte premente, mas parece que não. No trânsito como em tudo, os italianos são desorganizados, mas na verdade funcionam lindamente. Partem carros mas não matam pessoas. Nós qualquer coisa é um número agreste de mortos na estrada, feridos graves, menos graves, pouco graves. E às vezes sai de lá alguém ileso. Além disso, somos claramente desorganizados e as nossas estruturas mal funcionam. E é uma pena, porque temos uma cultura rica, pessoas que são dedicadas e determinadas, com força, coragem, mas sem dinheiro para investir.
No meio disto tudo, e como quase todos os portugueses que se ausentam do seu país, continuo a ter o meu fado, potente e avassalador, cá dentro. Não sei se por ser portuguesa, se por eu ser eu, como diz a Patrícia. Mas é qualquer coisa identitária que os italianos não têm e os portugueses sim. Um pendor triste e sério, uma graça genuína mas contida, fechada, mas uma capacidade de desenrascanço que assusta o mundo. Tento não pensar muito que sou uma estrangeira, porque estou cá pouco tempo, não vou aprender a língua de uma assentada. Mas dou valor, muito valor, a quem o faz. Melhor do que ninguém, conheço a frustração de querer dizer e não conseguir, de querer fazer e não saber como, de estar sozinho, longe dos programas da televisão que conhecemos, das revistas e dos jornais portugueses. Quando regresso, no avião, leio as revistas portuguesas de uma ponta à outra, sorvendo a língua portuguesa, dizendo a mim mesma «isto é que sou eu», vendo às vezes imagens de Portugal com um sorriso sentido, de pertença, até a coisas que gosto pouco, como as danças folclóricas.
Talvez por isso agora não me apetecesse vir. Estava confortável a olhar o mar da Marginal do comboio e a ouvir as conversas das tias ao telemóvel. Quando volto até disso gosto. Das tias da linha que tratam os filhos por você. E gosto de ir ao supermercado e sorrir porque percebi uma piada estúpida dita pela empregada, mesmo que não ache graça nenhuma. Mas palpita-me que a Patrícia me vai dizer que dentro de Portugal também podemos ser estrangeiros. E é verdade…Talvez, como ela diz, uma lagosta suada não seja o ideal de toda a gente, muitas pessoas só querem a sua delícia de frango comprada no Modelo e comida no jardim do Campo Grande, em boa companhia. Evidentemente, nada de escamotear o facto de sermos ambiciosos. Devemos ser. Mas também devemos aprender a dar valor a tudo, e isso faz-se sentindo saudades.