Sunday, July 30, 2006


Lições sobre sacanas

Creio que, na sequência de tudo o que tenho dito, seja de aclarar algumas ideias-chave sobre sacanas. Vamos a isso. Em primeiro lugar, como dizia o autor de «Arte da Guerra» vamos conhecer o inimigo para combatê-lo. É assim em tudo, sobretudo na saúde. Conhecer as dores que temos, inchaços, alterações, batimento cardíaco, respiração, etc. previne a doença em si mesma. Conhecer o stress faz com que apostemos na prevenção. Ora com os sacanas é a mesmíssima coisa. Na verdade, crianças, jovens, adolescentes, jovens adultos, meia-idade, velhos, em todas as idades nos deparamos com sacanas. Desde pequenos que há sempre um vadio ou vadia quaisquer que nos roubam chupa-chupas e nos atiram ao chão. O que é um menino «mau», senão o tagarela que nos suja o caderno ou puxa o cabelo (ou, no meu caso, rouba os óculos?). Ao longo da vida é o mesmo. Haverá sempre um atrasado mental que nos rouba ideias, trabalho, e se acha o máximo dos máximos.
Na categoria dos sacanas temos diversas espécies: o sacana inteligente. É terrível, porque sabe bastante, manipula, é de falinhas-mansas e dá estocadas por detrás. Sempre. Pela frente sorri. O sacana arrogante. Pode ser inteligente ou estúpido, mas fala mal, grita, quer controlar tudo, distancia-se ao máximo das pessoas subalternas, considerando-as lixo. Dá estocadas pela frente, mas as mais graves por detrás. O sacana chico-esperto. Este toda a gente conhece. É o do trânsito, das filas dos supermercados, das farmácias, dos cabeleireiros. Arrogante ou graçolas, é perigoso porque é cobarde e acha que tem sempre razão. No trânsito tem sempre prioridade porque «tem pressa», se atropelar um peão foge. Só pensa no próprio umbigo: é aquela pessoa que, tendo filhos, estaciona de modo a que as outras pessoas com filhos não passem no passeio. Não faz mal, desde que o chico-esperto passe. Desde que ele se despache e sente o cu no sofá rapidamente, tudo ok. O sacana híbrido é ainda o mais perigoso, porque reúne todos estes numa só pessoa. É arrogante umas vezes, falinhas-mansas noutras vezes, esquiva-se aos perigos, manipula, dá estocadas por detrás e pela frente, nunca é punido nem castigado, copia os outros e dá as ideias dos outros como suas. São as piores pessoas que se podem atravessar no nosso caminho, porque nada podemos contra elas, exceptuando afastarmo-nos ao máximo.
Ontem pus-me a pensar nisto e a pensar que a minha amiga Estela, que é uma pessoa inteligente mas tem o azar de trabalhar nos correios quase só com gente estúpida, tem toda a razão. Afastamo-nos, esgueiramo-nos, não respondemos e ficamos irritados…em nome de quê? Na realidade, muitas das vezes temos de jogar com a arma do silêncio. Mas outras vezes, e ela tem toda a razão, devemos pensar que os seres humanos são todos iguais: se me respondem mal, porque não hei-de eu responder mal, também?
Eis o que eu aprendi para lidar com sacanas, seja na vida profissional, pessoal ou mesmo familiar:
Um sacana é uma pessoa excessivamente egocêntrica. Acha a sua própria existência um luxo. Acha que se não existisse, o mundo também não existia, porque é uma pessoa historicamente importante. Normalmente um sacana procura pessoas frágeis que lhe corroborem esta opinião. Corresponderá ao namorado que humilha a namorada ou à namorada que humilha o namorado, convencendo-o que faz isso porque o ama. Corresponderá ao patrão que adora lambe-botas que o tratem por «sr.dr» para cá e para lá e lhe vão buscar cafés. Portanto, a resposta está dada. Atinja a auto-estima do sacana. Cuidado, porque normalmente estas pessoas são perigosas e vão ripostar. Por isso, atingir a auto-estima pela calada é o melhor possível. Nada de descer de nível, tem de ser uma chapada com luva de prata e anel de diamante. Mais uma vez, descubra a cabra secreta que existe dentro de si e use-a. Faça algo que ele/ela não está à espera e depois finja-se de desentendido, «quem, eu?», utilize por diversas vezes esta frase, «não sei de nada…».
Não se deixe intimidar. Este foi sempre um dos meus maiores erros. É humano errar, mas não podemos viver amedrontados pelos outros e pela sua existência. Do pó viemos ao pó voltamos. Somos todos iguais. Como dizia a Ophra «imagina alguém a fazer cocó e já vês que ele é humano, igual a ti». Agora força…
Não se deixe também intimidar pela força magnânime das palavras dos sacanas. São só palavras. A maior parte deles não tem qualquer poder directo sobre si, mas cuidado com as excepções. Os sacanas mais perigosos são como os komodos, nem sequer prometem dar cabo de uma pessoa: dão mesmo. Quanto àqueles cujo poder sobre si é zero, mesmo que trabalhem na secretária ao lado, esqueça-os. Acham-se lindos, belos, maravilhosos, desejados, fantásticos e…muito modestos. Bocas não resultam. São simplesmente pessoas estúpidas com muita lata e falta de auto-estima. Conseguem sempre fazer tudo ao mesmo tempo e bem. Esqueça. Nunca são eles que fazem. É sempre outra pessoa, muito mais competente, que está por detrás: é muito chato se for você, mas nesse caso comece a fazer as coisas mal e a não assumir responsabilidades. Na escola, fiz isso uma vez num trabalho de grupo em que ninguém fez nada. Tivemos todos negativa. Foi a minha primeira negativa, mas pensei: «não é trabalho de grupo? Eu? Fazer pelos outros? Esqueçam». Foi das coisas mais inteligentes que fiz. Nunca mais ninguém se aproveitou.
Se puder, sirva a vingança num prato frio, mesmo que demore anos e anos. Se o sacana for mesmo a sério, não há-de ser só você a queixar-se. Una-se (com cuidado, porque há sempre sacanas infiltrados e bufos) a pessoas que pensem como você e a quem o sacana tenha lixado a vida. Vai ver que resulta. Um dia ele tem a paga, nem que seja de ficar sozinho e ninguém gostar dele e das suas atitudes incorrectas. A menos que não tenha consciência nenhuma (e normalmente não têm, infelizmente) hão-de perceber que custa um bocado ficar sozinho a trabalhar e a viver.
Seja feliz. Esta foi uma lição que eu aprendi com muita muita dureza. Eu diria que estou a aprender. Mas, independentemente da gravidade da sacanice, um sacana é um mau carácter sem personalidade, que procura prejudicar o próximo a seu bel-prazer. Um sacana não é feliz, esqueça essa ideia-mito. As pessoas não podem ser felizes a prejudicar e a roubar o próximo, a menos que sejam doentes mentais (também os há em grande escala). Por isto mesmo, um sacana não pode ser feliz se vocês estiver feliz e realizado, na sua vida pessoal, familiar, profissional. Pelo menos num dos campos, mostre-lhe a sua superioridade. Mostre que casou por amor, que dá o que pode à família, que trabalha sem magoar ninguém à sua volta. Com valores impecáveis é que se destronam sacanas.


Os sofás da vida

Eu digo sempre e nunca me arrependo: uma vez sentados, ficamos a engordar e nunca mais nos levantamos. Os sofás da vida são vários: o da nossa casa, o da casa dos outros, o da nossa profissão, o do sistema social, o da nossa condição física e psíquica. Sentamo-nos, acomodamo-nos, borrifamo-nos e está a andar.
Vamos por partes. Do sofá particular para o sofá geral. O da nossa casa. Acomodamo-nos à situação que temos facilmente. Se nunca puxaram por nós, se nós não puxamos por nós e se nunca ninguém o fizer, um dia chegamos a velhos e não sabemos que roupa vestimos, onde guardamos as coisas e o que é ferver água. Nem sequer nos apercebemos que o leite vir por fora não é «o que deve acontecer». O sofá da casa dos outros é bem mais complexo e infindável. Nem todos o temos, nem todos nos sentamos nele, mas a verdade é que a maior parte das pessoas o faz. Se pudermos ficar entretidos com os favores alheios, até ficamos. Se pudermos pedir boleia ao vizinho todos os dias, até deixamos o carro à porta estacionado e poupamos algum dinheiro (a gasolina está cara, gastamos a do vizinho). Na profissão vai dar ao mesmo. Se pudermos sobrecarregar algum paspalho com trabalho fazê-mo-lo, melhor ainda se nós ficarmos com os louros e ele nunca lucrar com isso. Que mania esta de sermos competentes…
O sofá do sistema social tem a ver com este, mas é mais generalizável. Habituamo-nos, acomodamo-nos até mesmo à injustiça. Se nunca nos tocar, ainda bem, não temos de nos chatear muito, só toca aos outros. Se nos tocar vemos em breve que reagir é um desatino, um stress e muitas vezes não a leva a nada. Infelizmente. Fartamo-nos de pagar impostos, pagamos, pagamos, pagamos, mas tudo nos custa uma fortuna – para que servem os impostos então, se nem à saúde grátis e rápida temos direito? A saúde devia ter sapo ADSL, sobretudo para quem mais precisa. Então um bebé pode ficar horas numa sala de espera? Então um velhote doente, com reforma miserável, muitas vezes a viver sozinho e sem ajudas, pode ficar o dia inteiro no centro de saúde? Eu pago fortunas por tudo o que faço: dentista, oftalmologista, ginecologista. Mas eu posso pagar. No entanto, nem sempre foi assim. Lembro-me de um dia ter ficado a tarde toda à espera de uma vacina para o tétano que durou 5 segundos, dada num gabinete cheio de velhos a tossir. Neste país morre-se de infecções hospitalares por falta de gestão: ninguém arranja os ares condicionados, sem os quais é impossível estar num hospital. Eu sei que isto é o estado das coisas, este não é um sofá confortável. É um sofá roto, miserável e atrasado no espaço e no tempo. No entanto, muitos de nós estamos acomodados a ele, por falta de tempo, de energia, de dinheiro para combater as salas de espera e as urgências, onde eu praticamente já passei um fim-de-semana à espera de ver o meu pai.
E se se tiver dinheiro? Gasta-se. Gasta-se tudo. Em consultas, internamentos, seguros de saúde, e em coisas estúpidas, que se pagam sabe-se lá porquê, só porque é «política da empresa», como refeições a doentes terminais e psicólogos que nunca aparecem.
A minha filosofia é que quem se acomoda num sofá acomoda-se em todos. E quem não se acomoda num, não se acomoda nos outros. Uma pessoa que se acomode num casamento por dinheiro também se acomoda numa profissão por dinheiro. Um pessoa acomodada num sistema de saúde miserável deve ter uma vida miserável, que não lhe permite fazer mais nada senão acomodar-se. E neste caso, não vejo como possa ter culpa da sua acomodação, visto que é uma questão de sobrevivência. Já o casamento por dinheiro…
Uma pessoa trapaceira é sempre uma pessoa trapaceira. Quem é mau em casa é mau no trabalho, e vice-versa. Isso topa-se bem na cara das pessoas. Não posso acreditar que quem se case sem amor possa ser bom profissional. Desculpem a analogia, devem pensar que nada tem a ver. Mas tem. A ética e a moral percorrem a vida. Quem se acomoda a um sofá, acomoda-se a todos com facilidade. Quem é interesseiro, arranja amigos interesseiros que lhe corroborem as opções de vida, assim como eu arranjo amigos de acordo com os meus valores morais (embora nem todos corroborem as minhas opções, e ainda bem). Uma pessoa desonesta não vai arranjar amigos honestos que lhe recriminem as atitudes. É natural que um ladrão tenha amigos ladrões, assim em vez de roubar uma casa, juntam-se e roubam um banco. Ou seja, quanto mais parecidos os nossos amigos forem connosco (e mais de acordo estiverem com os nossos valores) mais fácil se torna fazermos as coisas em conjunto. A grande falha da humanidade é que às vezes o mal vence, ou seja, o ladrão convence o honesto – e mais fraco – a ser rei. E lá vão os dois, certamente com motivações diferentes, roubar o banco. O ex-honesto corroborou as opções do ladrão tomando as mesmas. Temos corrupção ao mais alto nível.
O exemplo é estúpido e quase hollywoodesco, eu sei disso. Mas escutem. Acontece todos os dias. Há pessoas manipulativas que nos fazem tomar as opções mais estranhas, na nossa vida. Até a sermos corruptos. Até a sermos ladrões. Até a nos sentarmos em sofás que outrora negaríamos veementemente sentarmo-nos. Porque é que eu acredito tanto que pessoas corruptas dão cabo das outras e que as «outras» nunca dão cabo das corruptas? Porque sou uma pessimista. Raramente, ao longo da minha vida vi um corrupto a ser punido como deve ser e a pagar pelo que fez. É o sistema. E estamos sentados nele.


O agridoce mundo feminino

Tendo em conta a luta secular que temos levado a cabo, cheguei à conclusão agridoce, tal como ficou dito nos primeiros textos, que as mulheres vivem num mundo à parte, na verdade também graças aos homens e à estupidez masculina. É a isso que se assiste no programa «O Sexo e a Cidade»: Carrie, Samantha, Miranda e Charlotte são todas diferentes, mas todas lutam pelo mesmo: a atenção masculina. A primeira luta em forma de busca afectiva incessante, a segunda luta como a melhor arma que tem, o sexo, a terceira procura lutar com a inteligência mas acaba sempre como as outras duas, e finalmente Charlotte é a romântica que se quer casar, que espera tudo cor-de-rosa e nunca está à espera da desilusão. Todas nós temos um bocadinho de cada uma destas mulheres. Procuramos os homens que nos transmitam segurança e sensatez, mas que também complementem isso com uma parte sexual desenvolvida, lutamos muitas vezes com inteligência e, se formos românticas, estamos quase sempre à espera de nos casar, ou de uma variante qualquer do casamento, que passa sempre pelo mesmo.
Normalmente, uma mulher é muito lúcida. Mesmo quando é enganada, sabe que está a ser enganada. Mesmo quando olhamos para uma amiga nossa que namora um burgesso, sabemos que ela sabe que ele é um burgesso, mas que terá outras qualidades que a atrai (mesmo que nunca venhamos a descobrir quais são). Temos ainda o trunfo de ao contrário a coisa não ser bem assim. Uma perfeita atrasada mental, burra e feia, pode deslumbrar um homem inteligente. Mas uma mulher verdadeiramente inteligente nunca namora um homem burro, a menos que queira exclusivamente sexo e ele seja um ás na cama, acrobático e dedicado às suas tarefas sexuais. Já um homem parece habitar um mundo naif, bem à parte, deixando-se deslumbrar com as maiores mentiras do universo, estabelecendo-as como verdades absolutas. Os homens ainda acreditam em verdades absolutas…(juro!). Os homens são como as pessoas do campo: acreditam em coisas incríveis. Se uma mulher lhes disser que só quer perder a virgindade depois do casamento e andar a encorná-lo, eles acreditam. Se uma mulher lhes disser que quer passar de uma amizade fraterna para o namoro e a seguir se aproveitar da boa vontade deles, eles acreditam que isso é amor. Se uma mulher lhes disser que precisa só de uma boleia, o homem dá. Se uma mulher lhes disser que quem a traz a casa nos outros dias é só um amigo, eles acreditam. Se uma mulher lhes disser que no final vai compensar o esforço, eles acreditam. Se uma mulher lhes disser que um filho é que vai resolver as desavenças do casal, eles acreditam. É fácil enganar um homem, seja por manipulação de sentimentos ou de cartão de crédito. Um homem acredita sempre no melhor dos mundos.
É verdade que muitos homens são sacanas, ao longo dos tempos sempre soube de uma miríade de casos de sacanice masculina pura e dura. Mas nada supera a capacidade manipulativa das mulheres. Engano, extravio, falsa doçura, mentira, infidelidade, tudo faz parte deste mundo pérfido. Desde que ando na faculdade que tenho visto as coisas no pior cenário possível. É como eu digo: não há grandes amores nem grandes amantes, não há histórias trágicas. Há historietas, contecos, croniquetas, post-its, mails, sms…o amor ficou para trás das costas, para mal das mulheres e do mundo em geral, porque dantes eram elas as maiores lutadoras pela autenticidade das relações. Deve ser a crise económica mundial que faz isto, ou a crise de valores morais…


Os idiotas

Costumo dizer que sou uma perfeita idiota. Contida, na verdade uma idiota profissional, pois divirto-me com conta, peso e medida, sem extravasar fora das medidas estipuladas e subentendidas na sociedade. Costumo dizer: " Ainda bem que sou uma idiota! ". E na verdade, isso tem-me salvo largamente de muitos mais desgostos que eu poderia vir a ter na vida. A idiotice fica-me bem. Invento anedotas e piadas secas enquanto vou no metro e observo as pessoas, sonolentas, tristonhas, acabrunhadas, desentendidas com a vida, com vidas falsas, enfiadas em escritórios medonhos com pessoas medonhas todo o dia. E penso muito que, apesar de todo o esforço que me exigiu estar a fazer investigação entre quatro paredes de uma biblioteca rígida e espartilhada em valores católicos (que não são os meus), isto é que é vida. Na verdade, adorava dar aulas, mas nestes últimos anos dava só explicações, e estava cansada e triste com a minha vida.
Lutei sempre pela minha liberdade: de visão, de decisão, de vida. Dar aulas começou a corresponder a frustração e pouco dinheiro, e eu caí na amargura das pessoas que via no metro, algumas mais pobres do que eu e com filhos (como, meu Deus?). Portanto, procuro tomar conta da minha vida o melhor possível, tentando lucrar com o que tenho de positivo, tentando aceitar aquilo que me aconteceu de pior e, acima de tudo, tentando que os pensamentos negativos do estilo «ai que qualquer dia volta tudo a ser com era dantes!» não me deitem abaixo. Sou muito negativa e as pessoas no metro contaminam-me. E não volta nada a ser como era dantes, o pior que pode acontecer é piorar.
Sempre vivi no meio de pessoas muito absorventes, qual papel higiénico da Renova ou penso higiénico. Uma pessoa absorvente é aquela que nos diz o que comer, quando ter fome, o que fazer, onde ir, para onde ir, o que pensar a toda a hora, todos os dias, até apetecer pegar numa Smith and Wesson e desfazer os miolos. Por muito que me falem em «distância», viver com pessoas assim é não ter distância de coisa nenhuma, porque estas pessoas quando não sabem perguntam até à exaustão, senão vigiam e sabem de outros modos. Portanto, sempre desejei sair de casa, em nome da minha liberdade, do meu livre-arbítrio e da minha felicidade. Acredito que esta espécie de controlo absoluto sobre tudo não seja por mal, e até se lucra muito com isso porque, em momentos de aflição, as pessoas estarão sempre lá, mas os dividendos, as tristezas, a revelação tácita que, na boca dos outros, somos sempre uns incapazes, deixa de rastos qualquer um que passe por isto.
Admito que, para algumas pessoas, viver em casa é uma espécie de bênção. Poupa-se imenso dinheiro e está-se sempre protegido, sobretudo se nos dermos bem com os nossos pais. Mas uma pessoa que queira isso, tem, acima de tudo, medo de arriscar, não tanto por motivos económicos (raramente os pais negam ajuda económica, sobretudo se o filho for trabalhador), mas por motivos emocionais, afectivos, «e agora? Que faço eu sozinho?». Também por preguiça. São raras as pessoas que gostam de chegar a casa com trabalho para fazer. E quem mora fora da casa dos pais (sozinho ou não) tem sempre trabalho para fazer, a menos que arranje criados. Por isso, algumas pessoas mais espertas só saem de casa se tiverem um criado ou criada ao seu dispor, alguém que lave, passe, arrume, cozinhe para elas. Afinal, ninguém vai deixar o quentinho da casa dos pais para o trabalho de estiva. Normalmente, quem faz trabalho de estiva já o fazia antes de sair de casa. Quem nunca fez também não vai fazer.
A vida trouxe-me algumas surpresas e revelações. E uma delas é que a idiotice dá muitas vantagens. A mim fez-me superar a tristeza de ter uma cabeça madura numa vida de criança. Mas para muitas pessoas a idiotice é basicamente a razão da sua existência. Atrapalhar-se-iam se não fossem umas idiotas declaradas. Na realidade, a sociedade raramente premeia a inteligência ou a sensatez. A sociedade dá sempre mais importância ao jogo de cintura, à cunha, à capacidade de transformarmos dificuldades em vantagens neste duro jogo que é a vida. Uma pessoa inteligente tem de ter jogo de cintura. Mas uma pessoa com jogo de cintura não precisa da inteligência para nada. E inúmeras pessoas são bem sucedidas por causa disso. Porque dormem com as pessoas certas. Costumo dizer que há pessoas que devem ser muito boas na cama para ocuparem certos cargos de luxo. Ou fazerem mestrados e doutoramentos. Porque há muitas pessoas completamente burras a conseguir fazê-los e até a conseguir empregos com eles. Mas há muitas pessoas inteligentes que não têm sequer essa possibilidade de progressão. Este factor social causa-me imensa amargura.
O Pedro diz que é um problema educacional. Não concordo. Há belíssimos pais que acabam com os filhos/filhas na cama com alguém por dinheiro, todavia não os educaram desse modo. Se fosse taxativamente a educação a predominar eu vivia para as aparências, que foi sempre assim que os meus avós viveram e os meus pais pouco saíram disso. Tudo bem que tenho um curso superior, mas e depois? Há muitos cursos tirados à pala de outros colegas. Há muitos cursos mauzinhos tirados em privadas, nos quais se pagaram notas acima de 17 valores. E há muitas pessoas com curso superior que não evoluíram um milímetro. E também há muitas pessoas que tiram cursos para a aparência (nunca percebi porquê, a maior parte dos licenciados está predestinada ao desemprego).
Ao longo da vida tenho aprendido a odiar (quase sem controlo da minha parte) uma corja de gente muito específica: os empata-vidas, verdadeiros idiotas em todos os sentidos. São aquelas pessoas que, por muito budista que se seja, não se entende bem o que andam por aqui a fazer sem ser empatar a vida ao comum mortal. É mais ou menos a espécie de gente que atrapalha no emprego, criticando e estipulando regras para os outros que elas próprias não utilizam, ou as pessoas moralistas que põem os cornos aos namorados. Portanto, é alguém que inventa regras que não utiliza para si próprio, muitas vezes sem dar conta disso (dada a burrice), outras vezes percebendo que o faz, mas sem perder o sono ou a consciência «limpa». Não sei bem em que animal deveriam reencarnar, mas talvez nas moscas, naquelas verdinhas que poisam nos cagalhões fedorentos (quem não trabalhou já com pessoas que mereciam reencarnar em moscas destas mande a primeira pedra). Há pessoas que são merda no sapato de qualquer pessoa. Muitas destas pessoas também se auto-consideram excepcionais: boas pessoas, solidárias, perfeccionistas, inteligentes, boas amigas e…muito modestas. São as pessoas ultra-idiotas. Porque a maior parte dos idiotas tem consciência de que está sozinho, só tem do seu lado pessoas igualmente idiotas.
Por muito que leia livros acerca das relações humana e da gestão do stress inerente às mesmas, há muitas atitudes que nunca vou compreender. Sabemos sempre que os outros são diferentes de nós e que devemos tentar aceitar isso cedo e o melhor que nos é possível. Mas aceitar os idiotas tem sido muito duro, e conviver com eles, nem que seja dentro da minha cabeça, ainda mais…


Os mitos da verdade absoluta

Eu sou a prova viva de que existe o mito da verdade absoluta. Sei que não a detenho, mas afirmo demasiado as coisas, talvez na tentativa de deter o meu leitor e o conquistar (ou quem sabe para eu própria me convencer do que digo). Na realidade, aquilo que afirmamos a nós próprios desde há longos anos torna-se a «nossa» verdade por excelência. Por isso é importante termos uma boa educação. Porque em crianças somos muito mais maleáveis, e se tivermos pessoas que façam constantes afirmações negativas, o ego fica muito reduzido, gerando apego a essas informações, dificilmente desprogramáveis deste computador que é o cérebro. Naturalmente o registo das emoções depende de cada pessoa.
O meu registo é muito poderoso. Quase nunca me esqueço das palavras. Talvez por isso escreva. É esse o meu dom. Sublinho tudo o que me dizem. Muitas das vezes só à posteriori venho a perceber que aquilo que magoou e marcou muito, que de facto ficou registado e até assimilado. As minhas ideias são construídas com base nas emoções que registei e nas coisas que aprendi, tal como todas as pessoas. Mas muito provavelmente o peso de cada um dos vectores é diferente de pessoa para pessoa. Para mim, o vector emoção terá predominado na minha personalidade. Sou marcada pelo que sinto. Avalio pelo que sinto. Suponho e raciocino pelo que sinto. Talvez por isso procure cada vez mais objectividade no que estudo, porque senão há demasiado lugar para a minha opinião, subjectiva por natureza.
Não sou uma pessoa objectiva. Mas tento ser, na medida em que falsos julgamentos podem levar uma vida feliz à ruína. Sou inteligente para perceber isso. Também não consigo contrariar a minha costela de sibila: adivinho muitas coisas pela superintuição. Outras vezes é a minha costela Woody Allen a falar alto, a minha confusão, o meu caos mental, a desordem de mil ideias negativas que aparecem sem eu dar conta.
Julgamos sempre com base nos nossos valores. Quem não julga, não pode ter valores. Uma pessoa amoral não julga. Estar nesse estado plácido, sem julgar ninguém, é quase impossível. Era o exercício mais difícil quando eu estava na psicanálise: não me julgar, não julgar a minha vida, não julgar os outros, as atitudes, as consequências. Este é um blogue judicativo. Eu nunca disse o contrário, seria uma grande hipocrisia da minha parte.
Quando dou por mim a julgar, procuro organizar os meus pensamentos. Porque julgo eu? Quais as razões para julgar assim? Com que base faço as minhas auto-afirmações? Não encontro fundamento para muitas delas. Quando digo a mim própria «Não vales nada», estou a dizer isso comparativamente a pessoas muito melhores, com melhores e mais bem pagas profissões, mais correctas e menos judicativas que eu, mais completas, mais humanas, mais felizes, mais vencedoras. Sob o meu ponto de vista. Mas e o contrário? As pessoas a quem toca muito mais o infortúnio do que a mim? Que ganham menos, que fazem a vida inteira o que não gostam, que casam e são maltratadas por maridos/mulheres, que têm depressões, esgotamentos e achaques mais graves do que os meus, e vivem sozinhos, isoladas como ilhas, sem amigos? E as pessoas que fingem, que são boas actrizes, que fingem o que não são, que dizem o que não são, que fazem o que não são nem sentem? Que elaboram a profissão perfeita de um trabalho de merda, que elaboram um discurso panegírico de si mesmas, que namoram quem dá jeito sem amor? Que valores orientam essas pessoas? A superficialidade mascarada de uma profundidade e de uma inteligência completamente inexistentes. Às vezes mentimos tão bem que nos convencemos de que é uma verdade absoluta. Só que nem sempre o público é estúpido. E também nem sempre os mentirosos são bons actores.
O mundo não tem verdades absolutas. Podemos construir umas verdades, destruí-las, criar outras que melhor nos sirvam. Mas a realidade é que, mesmo nos tempos das cavernas, o mundo humano estava organizado por valores. Se os homens iam à caça e as mulheres cuidavam das crias, isso significava a inteligência de perceber quem tinha mais força, quem estava mais apto a enfrentar os animais selvagens, e quem por natureza se destinava à amamentação. A organização social foi, desde sempre, estratificada, portanto chefes e comandos sempre existiram. Para que isso acontecesse, não seria necessário haver valores de base? Por isso, a moral e o aspecto judicativo dos comportamentos não é recente.
O que acontece é que estamos numa época dúbia, de liberdade vs. prisão, onde se assistem a extremos que ferem qualquer ser humano em dignidade. É a liberdade de uns fazerem tudo o que querem, roubando, matando, mentindo, sem punição, e de outros não se poderem mexer, espartilhados por um país repressor, ou pela pobreza extrema. Pensar nunca foi fácil e sempre teve consequências, ao longo da vida, ao longo da história do mundo. O raciocínio é uma arma ideológica poderosa. Por isso hoje recorre-se demasiado ao raciocínio…mas também à falta dele, à supressão prévia de raciocínio, e consequentemente de valores morais de base, que estruturem a vida. Porque também são armas, não de arremesso, mas protectoras da corrupção, que mina as vidas que levamos.
Julgar pode ser errado, se feito com bases erradas e superficiais, mas revela-se extremamente útil e até inteligente se o julgamento servir para nos protegermos e nos mantermos coesos. A coesão nem sempre é pintar o mundo inteiro da mesma cor. Pode existir muita liberdade dentro da coesão. Mas ser coeso é ser estruturado, é ter esqueleto e base sustentável. Só que hoje em dia assistimos ao corpo da vida, esbelto e bem parecido, e por baixo um esqueleto frágil, com osteoperose. A metáfora ideal seria dizer que precisamos de valores morais como os ossos precisam de cálcio. Sem parte interna, seríamos um corpo mole e indefinido.
Será sensato julgar fora dos estereótipos. Não temos de ser iguais uns aos outros, nem fazer o mesmo. Mas a verdade é que é terrível vermos pessoas sem escrúpulos a tomarem de assalto a vida das outras pessoas. É terrível vivermos misturados uns com os outros, às vezes sem percebermos quem é quem, respirando o mesmo oxigénio diariamente. Isso asfixia-me. Gostaria que a vida fosse estruturada ao ponto de se preparar um castigo divino a essas pessoas. Como diz o Livro dos Reis: " No lugar onde os cães lamberam o sangue de Nabot, hão-de lamber também o teu. " Algumas pessoas são completamente vampirescas: alimentam-se das fraquezas dos outros, aproveitam-se delas, deitam por terra tudo aquilo em que acreditamos e damos como «certo». Por exemplo, durante quase toda a vida dei como certo que todos desejássemos amar e ser amados. Mas não é verdade. Há quem goste de ser amado, adulado, ajudado, mas não saiba o que é o amor, a dedicação, o respeito. Muitas pessoas vivem tanto em função de um egocentrismo desregrado, que não sabem o que é estar fora delas mesmas, não têm sequer essa experiência nem estão abertas a essa espiritualização. Ver de fora implica mesmo julgar-nos a nós próprios. Não implica só julgar se trabalhamos bem, ou horas suficientes, se conseguimos ou não fazer tudo aquilo a que nos propomos. Implica percebermos até que ponto estamos ou não envolvidos com as pessoas, com o trabalho que realizamos, no fundo, com o nosso papel no mundo. Mesmo que achemos que somos muito bons, e que até desempenhamos funções neste mundo correctamente, temos de sair de nós próprios para nos darmos conta do que realmente somos e fazemos no mundo. Há pessoas cuja batuta da vida são elas próprias, o seu benefício, o que têm, e pouco mais. Sabem que há fome no mundo, mas nem suspeitam o porquê.
Nem sempre as conclusões a que chegamos quando saímos de nós próprios são as melhores. Por exemplo, depois de muito exercitar a minha «saída» do ego, descobri que não ajudo nas situações que me metem medo e nas quais eu acho que um dia posso vir a cair. Dou um exemplo. Considero-me uma pessoa solidária, mas nunca ajudo cegos. Tenho pavor da desorientação geográfica e de ficar cega. É um exemplo. Do mesmo modo, muitos de nós relacionamo-nos só para ter prazer, não ficarmos sozinhos ou simplesmente beneficiarmos com isso, sem pensarmos na desvantagem do lado de lá.
Antes de a minha mãe morrer não me lembro sequer de perceber o que significavam as palavras dela quando se queixava do excesso de trabalho doméstico que lhe caía nos ombros. Mais tarde entendi quando foi a minha vez. Não é nada fácil compreender a perspectiva das outras pessoas, por isso acho uma responsabilidade enorme ser psicólogo, psiquiatra, médico. Muitas das experiências contadas a estes profissionais nunca foram vividas pelos próprios (ainda bem). No fundo, são profissionais que têm de ter todas as perspectivas abertas e disponíveis. E quando também eles não têm maturidade? Gera-se o problema de batermos num colete de aço sem sentimentos, frio e amargo.
Na vida, não temos necessariamente de ter muitas experiências. Temos de ter algumas que nos permitam dar um passo atrás e olhar novamente para as coisas. Não nascemos ensinados. Se alguns de nós são descontraídos por natureza, outros stressam só de pensar em alguma coisa menos boa (como eu). É preciso aprender a gerir as coisas com alguma mestria, algum jogo de cintura.
Gostaria muito de dizer que aprendi a gerir a minha opinião acerca das pessoas, que ganhei distância e faço romances com os comportamentos que observo nos outros. Mas infelizmente, há sempre pessoas cujas qualidades não encontro por muito que vasculhe. Despojada da minha sensação de segurança, não consigo estar ao pé delas, nem interagir. Há características, normalmente antitéticas às minhas, que me irritam e transtornam. No entanto, há que lembrar que a verdade é, também ela, um mito gigantesco….

Sunday, July 16, 2006


As lições

No outro dia encontrei as minhas agendas da Mafalda, bem antigas, que tinham escrito o meu ideário aos nove, dez anos, os meus ideais de vida. Passavam todos por ser boa pessoa, boa filha, boa neta, boa irmã, ser católica e rezar a Deus, ter amigos. Também passavam por estereótipos engraçados, como ser magra (embora nessa idade eu fosse esquelética). Ao ler as minhas capacidades melhores e piores nas notas da escola guardadas religiosamente pela minha avó, revejo-me inteiramente nelas. Uma nódoa a música e a trabalhos manuais. Muito boa a matemática e inglês, sempre dispersa a português. Razoável nas outras todas.
Lembro-me que nesse tempo tudo era mágico, um fim-de-semana, ir às compras com o meu pai (muito melhor do que ir com a minha mãe, porque ele sempre foi muito mais flexível comigo), ir à praia, ir de férias, ter amigos lá em casa. Nesse tempo eu era ansiosa e nervosa, mas o resto compensava a minha maneira de estar. Depois com o tempo fui perdendo essa estratégia de coping. Na adolescência foi tudo mau e complicado. Nada compensava. Tudo era solidão e angústia, e a morte chegou a tornar-se uma saída possível. Nesse tempo eu julgava estar presa ao mundo de uma única maneira: escrevendo. Mas eu tinha corpo e tinha alma, as coisas eram bem mais complicadas do que isso.
Ao longo da vida eu maltratei muitas vezes o corpo, como inúmeras pessoas: falta de sono, má alimentação, más posturas. Fiquei transformada na típica intelectual, míope e torta de costas. Tratei o corpo como o invólucro daquilo que tinha de mais valioso: o espírito. Alimentei o espírito até à exaustão, tentando estudar e conhecer o mais possível. O ponto de viragem deu-se na faculdade, quando me comecei verdadeiramente a interessar pelas pessoas e pelo dom da amizade, o que para mim veio a ser uma revelação para toda a vida, que me iluminou caminhos e mostrou percursos.
Um dia cheguei a um ponto da minha vida em que entendi na perfeição que o binómio corpo-alma é essencial. Se maltratamos o corpo estamos a desrespeitar o que temos, e a parte psicológica tem de estar equilibrada. Já tive ataques de pânico, de ansiedade, de nervosismo, de cansaço extremo, de tudo o que se possa imaginar, e em todos eu concluí a mesma coisa: levo tudo a peito. Tudo para mim é uma luta de vida ou morte, uma guerra sem tréguas. Não tenho calma para servir a vingança num prato frio, quero-me vingar logo das pessoas e dos acontecimentos funestos, e como não posso enfureço-me e esperneio. Isso tem consequências na minha saúde que são terríveis: fico cansada de lutar antes de começar a luta. Fico derreada, e como tal perco muitas batalhas assim. Porque não tenho calma. Durante anos a minha vida familiar, caótica e confusa, perturbou tudo isso. Se eu chegava zangada a casa, mais zangada ficava, mais triste, mais deprimida. Mesmo com um emprego que gosto e com um namorado que gosto, estou sempre em esforço, em luta desregrada.
Há pouco tempo descobri a consequência óbvia de tudo isso de uma causa não óbvia. Assimilei os comportamentos da minha mãe. Terei assimilado a sua doença? O meu medo terrível do sofrimento pavoroso do cancro da mama não é disfarçável. Tremo da cabeça aos pés quando tenho de ir a exames, quando algum médico suspeita de alguma coisa. Não se trata do «que fiz eu para merecer isto?» (todos sabemos que coisas más também acontecem a boas pessoas, isto julgando que sou boa pessoa), trata-se do «que ando eu a fazer à minha vida?». E o que eu tenho andado a fazer é a chatear-me demais, não estabelecendo fronteiras distintas entre o que eu sou e é correcto para mim, e o que os outros são e é correcto para eles. Costuma-se dizer que tem problemas no peito quem leva tudo a peito ou que o cancro da mama está associado a um grande desgosto. Esse padrão assusta-me. É o meu. Sou uma desgostosa que leva tudo a peito.
À beira de um desses exames chatos que as fêmeas em risco fazem, sinto-me a tremer que nem varas verdes, mas aprendi, até aqui, uma preciosa lição: os hipócritas podem ficar com bons empregos e ter sorte na vida, mas nunca vencem. Ser vencedor não passa por aí. Ser vencedor é não nos chatearmos com eles, é não ficarmos em dívida com ninguém, e não permitir que os outros nos digam o que devemos ser ou fazer. E tratar todos os dias da nossa saúde, sem deixar que pessoas arrogantes e malcriadas nos arruinem a vida. Talvez a vida seja uma roleta russa e me calhe a mim a triste sorte de ser escolhida para passar por uma doença tão incapacitante e que afecta tanto a auto-estima, porque mexe com muitas coisas, entre elas a aceitação prévia de que fomos feitos para a morte e o percurso de luta por vezes acaba aí, e não numa vitória sobre a doença. Quando o meu avô estava doente, uma enfermeira disse à minha avó: " Nunca vi nenhuma doença que seja boa ". A verdade é essa. Mas também como se diz muitas vezes, não há doenças há doentes. A verdade é que há doentes soberbos e destemidos, como a minha mãe, pessoa que honrava sempre as suas lutas. Se o mundo fizer sentido, a força com que somos desafiados é um reflexo do que somos. Por isso, é bom sermos moderados, para sermos moderadamente desafiados pela doença, com umas febres, umas gripes, umas dores de cabeça e nada mais. E morrermos, mais não seja, felizes e completos.


A rota dos sentimentos

Digo sempre que as minhas viagens são sentimentais, emocionais, mais do que geográficas. Em primeiro lugar, porque não percebo nada de mapas nem de geografia, perco-me em qualquer lugar e nunca sei onde ficam os locais. Com o tempo fui melhorando, porque investi muito nessa capacidade, dada a utilidade que é nunca estarmos perdidos (perdemos menos tempo, não nos cansamos tanto, não gastamos energia no desnecessário, etc.). Ao longo de muitos anos, deixei-me guiar por outras pessoas, é muito mais confortável. Mas a realidade é que, desse modo, nunca aprendemos caminhos novos, só sabemos os velhos, só dominamos as coisas antigas. Claro que existem pessoas estupendas que nos levam a passear e sabem os caminhos todos, mas devemos aprendê-los. Com um bocado de força de vontade, chegamos lá.
Eu não sabia onde ficava Logroño, lamento a minha ignorância, mas conheço pouco de Espanha. Também nunca tinha ido à região de La Rioja (tem uma estranha pronúncia, esta palavra). E nunca fui a Saragoça. As viagens que tinha feito a Espanha foram aquelas que todos os portugueses, sem excepção, fazem: Badajoz e Ayamonte (comprar caramelos e pôr gasolina no carro mais barata). Recentemente conheci Barcelona, de que muito gostei.
O que me marca mais nos locais não são os jardins, os edifícios, os museus. Por defeito de profissão, talvez, é a língua e as pessoas o que mais me marca. A viagem a S.Tomé marcou-me porque se falava português. A nossa presença estava lá. Como S.Tomé não viveu uma guerra colonial, as pessoas eram muito simpáticas e tratavam-nos por «brancos» sem qualquer conotação racista. Claro que cheguei a ouvir «Branco, volta para a tua terra», mas foi da boca de pessoas que viviam na grande cidade. As pessoas que viviam no campo eram genuínas, simpáticas, cordiais, e pareciam gostar de nos tocar, de falar connosco. Viviam numa grande pobreza, da qual não me consegui abster assim tanto, como me fora recomendado, porque é triste vermos tanta riqueza de um lado do mundo e do outro lado aquele espectáculo de crianças cheias de malária. Por isso mesmo, há olhares e palavras dos quais me lembro muito bem.
Se é verdade que nunca devemos generalizar as pessoas, e por uma julgarmos um povo, eu nunca fui muito de ir a Espanha porque, há anos atrás, me desentendi com uma espanhola (castelhana) para quem trabalhava. Essa experiência fez de mim uma pessoa bastante desconfiada, com os espanhóis e com as pessoas em geral. A espanhola (cujo nome vou omitir, obviamente) estava casada com um português. Eram duas pessoas pouco inteligentes, mas ele tinha bastante dinheiro. Os filhos falavam uma mistura de castelhano e português, o mais velho era meu aluno, tinha imensos problemas de aprendizagem. Apesar de eu não ser psicóloga, alguns dos meus conhecimentos pareciam encaixar naquele estranho caso de dislexia: a falta de auto-estima do miúdo tinha muito a ver com a atitude da mãe, que infelizmente interrompia as minhas explicações (dadas lá em casa) para lhe dar chapadas, normalmente pela má caligrafia do miúdo (uma coisa absolutamente normal para um disléxico). Metido na confusão daquela casa caótica, de uma mãe desadaptada a Portugal e aos portugueses (com os quais fazia questão de não se misturar), de um pai ausente, de um irmão mal comportado, mas bom aluno na escola (ao qual era sistematicamente comparado) o miúdo passou a gostar muito de mim, das minhas histórias (tristes e alegres). Hoje sei que dei muita confiança, coisa que não faria novamente, por isso as fronteiras professora-amiga foram-se diluindo e a confiança a aumentar. Naturalmente, a história acaba mal. A mãe do miúdo achou que me podia dar aulas a mim, de como ensiná-lo, as coisas foram-se tornando insuportáveis, e cheguei a ouvir todo o tipo de insultos. Fiquei a saber que, segundo a mãe do miúdo, eu era orgulhosa, não queria aprender com os outros, não era humilde e nunca iria ser ninguém na vida. Como nunca achei isto de mim própria (só o orgulho é verdade, poucas vezes peço ajuda a outras pessoas), e sempre me achei humilde em todas as coisas que fiz na vida, aquela injustiça, absolutamente exemplar para mim, mostrou-me o quão traiçoeiras podem ser as pessoas, o quão mal intencionadas e até mentirosas conseguem ser. Hoje em dia eu sei que me teria despedido daquela casa a tempo de isto ser evitado, mas nessa altura a falta de experiência e também a minha própria falta de auto-estima, bem como a amizade ao miúdo, fizeram com que se gerasse esta situação de impasse. Curiosamente, há bem pouco tempo uma italiana teve uma atitude semelhante comigo, com arrogância acrescida porque trabalha num meio universitário (supostamente deveria ser mais bem educada). Por vezes penso que a culpa é minha, há algo que me faz chocar, ao longo da vida, com este tipo de pessoas, altivo e arrogante, que despreza o próximo, que mente por sistema, que vive metido no seu próprio umbigo, com frustração e vontade de humilhar quem se esforça (e por vezes é melhor e mais simpático).
Com a experiência, e passado o choque inicial de perceber que o mundo não é a preto e branco, entendi que estas pessoas não são exemplos de nada. Em Itália, Espanha, Portugal, existem boas pessoas, más pessoas, pessoas assim-assim, pessoas excepcionais. Descobri que o amor, o ódio, a fraternidade, a amizade, bem como a inteligência e a estupidez são completamente universais. Com esta descoberta, que parecendo simples não o é, abri o meu coração a experiências enriquecedoras e práticas, como juntar diferentes línguas até ser entendida pelo meu interlocutor, criando um pidgin estranho e absurdo, aprender asneiras em mexicano (o que me servirá de muito, certamente), aprender que em Espanha há quem defenda a «União Ibérica» que, embora eu seja ideologicamente contra, me surpreende muito (que interesse poderá Portugal ter para Espanha??), aprender que há quem goste de fado e do Cristiano Ronaldo em Espanha, e, acima de tudo, aprender que a palavra «saudade», belíssima em português, mesmo sendo diferente noutras línguas, é a mesma no coração das pessoas. Há uns anos atrás eu nunca viria a supor que Espanha e os espanhóis que conheci me deixassem saudades tão fraternas e quentes…como eu disse à minha (nova) amiga Sylvia, «Never say never».



Realidade vs. (des)ilusão no amor

Muitas vezes quem dera que o mundo fosse todo ilusão…talvez seja. Talvez seja tudo aparência, e na realidade não tenhamos de nos preocupar muito nem levar tudo tão a peito. Adoro aqueles filmes que confundem realidade com ficção, que desmascaram os nossos conceitos pré-concebidos de realidade concreta, que misturam tudo aquilo em que acreditamos.
Muitas das vezes penso que as pessoas mais frias ficam a ganhar. São mais distantes, tomam melhor as suas decisões (e até melhores decisões). Não serão as pessoas mais simpáticas do mundo, nem as mais cordiais, mas são as que melhor gerem as coisas. Pelo menos na aparência. Evidentemente que eu, como o próprio blogue indica, simpatizo muito mais com a sensibilidade. Não com as coisas sentimentalóides, com os choradinhos e merdas do género. Mas gosto muito de ver sentimentos envolvidos, de discutir sentimentos, de ficar suspensa nelas, e não vejo toda a minha vida senão assim: através das emoções. O que significa que, se não fizesse um esforço, seria uma pessoa muito pouco racional. Só que, sendo mulher, o meu lado pragmático fala alto, por isso tomo decisões que creio racionais mais ou menos a toda a hora. Se a gestão da minha vida fosse feita em função de sentimentos e de emoções, de caprichos e de vontades, eu iria todos os dias passear no jardim com o meu namorado e estava os dias todos a ver filmes no cinema e de vídeo, ou passava tempos infinitos com os meus amigos, ou ia viajar se tivesse dinheiro, ou escrevia o tempo todo. Todavia, chama-me o dever e eu espero nunca bater com a parte do cérebro que o comanda e cujo nome desconheço por falta de estudo da minha parte, porque as minhas ambições ficariam pelo caminho.
É por isto que respeito muito o cérebro, mas respeito também o coração e a falta de calculismo dos sentimentos, que por vezes nos faz escolher pessoas muito diferentes de nós para nos acompanharem na jornada da vida. Isto não significa que o coração seja estúpido. Não é mesmo. Ontem o Herman José entrevistava um rapazinho (não percebi quem era, mas cantava), e dizia-lhe «um desgosto de amor só te fazia bem». Parece estúpido, mas na verdade um desgosto de amor faz crescer imenso (a quem queira aprender com ele, naturalmente). É sempre chato falarmos de rupturas amorosas, cortes, separações, rompimentos, divórcios, mas a realidade é que nunca nos cansamos de amar, a menos que a racionalidade nos domine, e também alguma frieza. Este é para mim o busílis da questão: que acontece ao coração das pessoas que só se relacionam por interesse? Empederniu? Por vezes parecem existir pessoas que acham que quanto menos sentimentos envolvidos melhor. Na realidade pensa-se com muito mais clareza, mas perde-se a doçura, o tacto. E há coisas que perdidas são difíceis de voltar a achar, exige esforço e dedicação.
A realidade é que tudo isto pode ser ilusão e eu posso não estar certa. Talvez as pessoas que contam os tostões e fazem um esquema de vantagens antes de se casarem tenham mais razão do que eu: a vida não é uma brincadeira, devemos assegurar o futuro, a nossa própria sobrevivência, o conforto. Mas se isso tudo não tiver uma larga margem para a criatividade e o amor, quem somos nós? Antes de amar, não andámos a fazer esquemas prévios do que queríamos realmente. Amámos e pronto. Porque é que essa realidade mudou tanto, e hoje em dia não é assim? Não há faísca no olhar das pessoas, excepto para notas e a para a conta no banco?
É verdade que sempre houve casamentos por dinheiro e mulheres a enganarem homens, e homens a enganarem mulheres. Mas hoje em dia vulgarizou. Parece uma partida de mau gosto, a vida. Quem se casa por amor parece ter muito mais problemas, emocionais e económicos. E quem se casa por dinheiro não tem, simplesmente, problemas, desde que se case com alguém com bom feitio, o que geralmente acontece (são as pessoas mais parvas). Há uma enorme falta de consciência. E isso impressiona-me.
As mulheres da minha família são exemplos a seguir. Quer a minha mãe quer a minha avó casaram-se por amor contra a vontade das famílias. E casaram-se para vida toda, com homens machistas e pouco dados às lides de casa, espécie que vai caindo em desuso, mas que ainda há por aí. Escasseiam exemplos disto. É evidente que hoje em dia os tempos mudaram, e é raro as famílias fazerem oposição às pessoas escolhidas pelos filhos ou filhas, é raro existirem amores contrariados e coisas dessas. Mas também é raro vermos relações genuínas, de puro amor. Como dizia um e-mail que recebi no outro dia, para se viver em conjunto não é necessário um amor fatal, desregrado, às vezes nem é preciso gostar tanto assim…basta gostar. E para viver em conjunto é necessário muito mais do que gostar: é preciso paciência, flexibilidade, jogo de cintura, saber ouvir e respeitar, mas também saber fingir que não se ouve. Por isso eu vejo relações de amor falharem. E muitas.
Com o decorrer das nossas vidas, talvez levemos as coisas menos a peito. Talvez levemos menos a sério as palavras acres das outras pessoas. Talvez deixemos de engolir sapos, ou simplesmente nos habituemos a eles. Talvez crescer seja apenas uma ilusão e nada disto aconteça, na realidade ficamos, tal como a nossa barriga, mais flácidos, mais velhos, mais sábios, e aprendemos a gerir isso com alguma mestria. Dizem os especialistas que, com a idade, o cérebro deixa de se preocupar tanto, deixam de existir tantas crises existenciais, tantas tragédias que nos afectem. A isso talvez se chame maturidade, conquista da idade e da experiência. Quem dera eu…

Sunday, July 02, 2006


Como carrinhos de choque

Existe uma frase portuguesa, e muito católica, que deve ser retirada de algum provérbio traduzido: Deus escreve direito por linhas tortas. Trocado por miúdos significa simplesmente que as coisas nos acontecem por um motivo, e não ao acaso. E nesse caso, coisas boas e coisas más acontecem-nos com um significado que devemos retirar delas. Esse significado é semelhante ao Santo Graal, procuramos mas nunca encontramos. Se tivermos a sorte inestimável de perceber porque é que alguma coisa nos aconteceu, somos uns sortudos.
Existem muitas vertentes de interpretação daquilo que somos e da forma como experienciamos a vida. Creio que a experiência não é só fruto do que nos acontece, mas da forma como vivemos o que nos acontece. Podemos ficar perdidos e aprender o porquê de termos ficado perdidos, podemos achar que nunca nos perdemos (ou se calhar nunca nos perdemos mesmo), podemos ficar perdidos e procurar o caminho. Todos nós vivemos situações destas, mas há sempre a predominância de uma delas. Conheço pessoas que por muito que lhes aconteça nunca mudam o registo, e conheço pessoas que, com muito pouco, mudam de registo e de abordagem diversas vezes. É o meu caso. Acho. Certezas não tenho nunca.
Há anos atrás nem sequer havia espaço para evoluir. Todos pensavam do mesmo modo, eram enformados do mesmo modo. A religião enformava a mentalidade. Hoje em dia, permite-se a diversidade, embora com obstáculos óbvios: a opinião do senso comum. Se a maior parte das pessoas come carne, não significa que a carne seja o melhor para a saúde. Lá porque as pessoas se casam e têm filhos, não significa que todos tenham de fazer isso ou que essa seja a opção mais correcta. Cada pessoa tem um mundo individual. Há opções para umas pessoas que não se adequam à vida de outras. Há vias que uns podemos seguir mas outros não. Há capacidades de gestão diferentes. Nem todos seguimos a via espiritual. Alguns de nós estamos simplesmente à espera de ganhar o Totoloto e nada mais.
Acredito na sorte e no azar. Acredito que possamos sempre trabalhar no sentido de melhorarmos o que somos, a relação com o mundo e com os outros, mas também acredito que muitas vezes esse trabalho se revela infrutífero. Nunca vamos compreender certas correntes de ar na cabeça de outras pessoas, que por sua vez nunca vão perceber a nossa cabeça. É mesmo assim. O mundo gere-se nesta incompreensão, mas também na aceitação do outro, coisa que se revela difícil quando o outro nos parece hipócrita e mentiroso, e quando se vem a confirmar que é mesmo isso.
Falando de carrinhos de choque…porque raio chocamos com pessoas destas, quando achamos que a nossa natureza é inversa e portanto só deveríamos «chocar» com pessoas honestas? Talvez seja a tal lição de sabedoria: só aprendendo o inverso de nós podemos conhecer-nos a fundo e saber que não somos assim. Só batendo no fundo nos testamos a sério e damos valor aos momentos bons. Além disso, se Deus realmente escrever direito por linhas tortas, saberá o que está a fazer (embora muitas vezes não pareça), será sábio na escolha das pessoas que cruzam connosco e na aprendizagem que fazemos através daquilo que nos acontece. Todavia, eu nunca vou deixar de achar que coisas más acontecem a pessoas boas só por acaso, e que coisas boas acontecem a pessoas más…parece-me muitas vezes que o mundo não encaixa e que chocamos em obstáculos duros por mero acaso. Outras vezes os obstáculos parecem-me lógicos: se somos parvos é óbvio que as pessoas se aproveitam de nós. A re-aprendizagem («hoje vou deixar de ser parvo») é muito difícil. Por vezes tornamo-nos amargos, tão amargos como a amargura de quem nos rodeia e pouco estima.
Ao longo da vida choquei com imensas pessoas, às vezes suavemente, mas normalmente de uma forma brusca, incoerente e avassaladora. Isso endureceu-me e modificou a minha perspectiva, quer de aceitação da diferença, quer de rejeição. Porque não tenho medo de dizer que rejeito muitas diferenças de personalidade (mudei, porque dantes eu levava tudo a brincar, não era assim), que não aceito pessoas mentirosas, sacanas, trapaceiras, desonestas e presunçosas. Não aceito mesmo, se calhar pela quantidade de vezes que gente desta chocou frontalmente comigo. Não tenho compaixão por todos. Na verdade só se pode ter compaixão conhecendo as razões das pessoas, o que normalmente suaviza o nosso olhar. Se não houver razões, que desculpa existe para a cobardia?
Ao longo da vida, houve encontros mais duros que me abalaram e deixaram de rastos. Alguns entendo o seu contexto, mas outros não. Nem todos têm um contexto, um álibi, uma atenuante do comportamento que tomam. Houve e haverá sempre, segundo suponho, muitas coisas inexplicáveis nas palavras e nas atitudes das pessoas.
Há uma grande falta de transparência na forma como lidamos com os outros. E normalmente é assim que é comummente aceite nas relações sociais: que sejamos hipócritas, que não digamos nada, que escondamos o nosso jogo do próximo. Isso dá o seu lucro a seu tempo, e nalguns casos perdura mesmo. Enriquece-se de forma desonesta e cobarde. Casa-se de forma desonesta e cobarde. Vive-se de forma desonesta e cobarde, à procura do que dá mais jeito, do que encaixa melhor, mesmo que seja errado. Se a cobardia pagasse imposto, andávamos todos carimbados.
Tenho a teoria (ou a convicção) de que só aprendemos as lições que a vida nos transmite se formos espertos e estivermos interessados. Se na realidade não quisermos aprender coisa nenhuma e acharmos que tudo é fácil e somos os melhores do mundo, a aprendizagem é nula e falaciosa. Não é o simples orgulho que impede de aprender, mas uma outra coisa bem mais impeditiva: a estupidez, que consiste, muitas vezes, na presunção de que somos os melhores. Nunca somos. Há sempre alguém que sabe mais seja sobre que assunto for, há sempre alguém que faz melhor, e há sempre alguém que é mais honesto. Todos falhamos, afinal.
Toda a vida achei que as pessoas que mais detesto são as que mexem na minha auto-estima. Afinal, é o que temos de mais precioso. Porque que é que há pessoas que tiram o dia para nos chamarem incompetentes, ou tiram a vida para competir connosco? Não terão mais que fazer? A competição tem sempre de ser feita no mesmo patamar. Duas pessoas honestas a competirem tudo bem. Duas desonestas melhor ainda, porque usam e abusam das mesmas armas (certamente vendo qual delas será a mais cruel para ser usada a seguir). O pior é quando uma pessoa honesta resolve competir com uma desonesta ou vice-versa. É impossível. Mesmo que cheguem as duas ao pódio, os critérios não foram os mesmos…
Eu nunca vou perceber porque é que há dejectos que nunca são devolvidos ao seu dono, mas essa é a grande razão para o mundo ser como é. Injusto.


Ilhas

Há dias em que a relação com as outras pessoas perde um bocado de sentido. É verdade que sozinhos não fazemos nada, que nenhum homem é uma ilha, mas há dias em que, sinceramente, eu preferia que fosse assim. Há dias em que as pessoas que mais precisávamos não ajudam, não compreendem, não percebem, e ou acabamos por ceder ou tornamo-nos ilhas. Na verdade, somos todos diferentes, em feitios, personalidades, carácteres, mas se isso é assim ao ponto de nos isolar, ou o feitio é péssimo ou as pessoas que nos rodeiam são péssimas, o que também é plausível.
Por vezes damo-nos conta de que julgamos demais – é o meu caso – e também somos demasiado (mal) julgados, até por pessoas que andam em nosso redor e conhecem a nossa vida há séculos, até por pessoas da nossa própria família. Por isso, a felicidade tem dias mais obscuros e tristes, quando as pessoas tentam julgar e moralizar a nossa vida de uma forma incoerente.
Há sempre consequências no que dizemos e no que fazemos, excepto para os idiotas. Os idiotas dizem, fazem e simplesmente acham que têm razão. São amorais. Para qualquer outra pessoa, as consequências têm pelo menos uma causa, senão não se chamariam consequências.
Tenho uma natureza bastante teimosa por causa de tudo o que tenho ouvido. Porque devias ser assim, porque devias ser assado, e fazer isto ou aquilo. Tudo somado dá outra pessoa que não eu.
Para viver feliz, há duas posturas possíveis: ou ser estúpido, e não querermos saber de nada, só dos nossos próprios interesses, ou ter força interior, e lutar por aquilo em que acreditamos. Se formos pessoas inteligentes e sensatas, teremos sempre quem nos critique, ouviremos as críticas, mas isso nunca será impeditivo de acreditarmos nas coisas ao nosso modo.


O comércio do casamento

A TVI tem um programa que, embora num formato comercializável, é muito estúpido no seu conteúdo. Isto, só por si, definiria o produto mais comum da TVI, como o Big Brother, as novelas apalermadas e outros tantos programas que muito deixam a desejar. Falo do meu «Odioso noivo» ou algo parecido. Por aquilo que entendo, uma rapariga de boas famílias (ou algo lá perto), tem de fingir que se casa com um rapaz que não conhece. Durante os dias que passa com ele, fechada num hotel, terá de aprender a gerir a relação e a mentira que os envolve, e que mais tarde contará à família.
É uma história absurda, é verdade. Mas mais absurda se torna porque o rapaz e respectiva família são todos actores, alguns profissionais, dispostos a tudo para sabotar a vida à rapariga. Portanto, este «odioso» noivo desde o início que se comporta como um atrasado mental, comendo como um porco, arrotando e dizendo à rapariga que a família dele é igual.
Não se sabe até que ponto tudo isto é gerido nos bastidores, ou seja, se a rapariga é ou não uma actriz e estará também a representar o seu papel, sob falso nome. Mas a ser verdade, tem a sua graça vê-la completamente em pânico perante o tal «Bruno», um rapaz gordo, borbulhento, porco e desinteressante, que ao pequeno-almoço esmaga cubos de açúcar nas mesas e se engasga brutalmente com croissantes. A dita «Joana» morre de horror, e reclama perante as câmaras «ele podia ser gordinho, mas uma pessoa normal» ou diz ao rapaz «se não existisses, tinhas de ser inventado».
Quando aparece a dita família dele, está o caldo entornado (ainda mais). A mãe fala de sexo com a «Joana», o pai arrota e descalça-se, a irmã é gótica e anda com facas pela casa. Tudo neste estilo. Emotivos, divertidos e muito pouco inteligentes, não se inibem de dar chapadas na «Joana» e beijinhos no «Bruno». Depois aparece a família dela, muito compenetrada e avessa às câmaras, família composta pelo pai, mãe e irmão, que pensam que a «Joana» está só num programa de TV, mas que afinal a vêem a casar com um estranho com maus modos, e uma família ainda pior.
A questão que coloco é: a ser verdade que a dita «Joana» não é actriz, como teve ela coragem para confrontar a família com uma mentira deste calibre funesto só por dinheiro? Organizar um casamento exige estaleca, e casar exige força interior, vontade, e isso transparece. É estúpido ganhar dinheiro a fazer exactamente o contrário do que se deve: a mentir. Por vezes temos tanto trabalho a convencer os pais de que somos crescidos, temos cabeça, sabemos decidir e até tomamos decisões certas. Eu levei a minha vida toda a tentar provar que a minha cabeça é soberana. E afinal a «Joana» tem trabalho a armazenar informações sobre o «Bruno» para mentir aos pais acerca de uma das decisões mais importantes da nossa vida: casar. É uma escolha séria, cuja base são sentimentos, partilha de vida, partilha de preocupações. E é nisso tudo que ela se mete a fingir. Na verdade é um jogo. Mas será que uma pessoa que tem ou que aparenta ter as ligações familiares da «Joana» deverá entrar nele deste modo egoísta? Como ficarão os pais depois de uma mentira destas? Voltarão a confirmar e a dar apoio à filha, quando esta disser um dia que se quer casar de verdade?
À semelhança da «Joana» e do «Bruno», muitas pessoas fingem que sabem tomar decisões, fingem que se sabem casar. Procuram o «partido» com mais dinheiro e dizem aos pais que é paixão ou amor. São decisões estúpidas, de perda de tempo para ambas as partes. A relação constrói-se, e também são as dificuldades que a animam. As pessoas confundem dificuldades com oportunidades em aberto. Acham que há homens e mulheres em saldos, mas o que se compra barato sai muitas vezes caro.
Estamos no século XXI. Cada vez mais as raparigas querem ser cinderelas quando não passam de gatas borralheiras, e os rapazes querem ser príncipes quando não passam de «Brunos». Que se passa connosco? Será por isso que andamos sempre tão acabrunhados nos metros e nos comboios? Porque não casamos por amor? Ou porque somos infelizes no amor? Ou porque queremos só dinheiro?


Eu&os Outros

Já falei inúmeras vezes nos meus blogues de expectativas. E, de facto, são elas que gerem as nossas vidas. Por vezes as nossas expectativas são irreais, desfasadas da realidade, ou erramos as nossas escolhas, o que também estiola expectativas. Mas há pessoas que, com o tempo, a maturidade, a vivência, percebem que as expectativas devem diminuir, e que a vida deve correr por trilhos mais leves, sem esperar tanto do futuro. É assim que tenho aprendido a gerir a minha vida, nestes últimos anos, tão complicados e difíceis para mim. Tudo tem sido contra as minhas expectativas. Em vez de lutar por utopias, luto por uma realidade melhor. Não pensem que é o mesmo.
Há anos atrás eu não sabia nada. Agora sei pouco, mas o pouco que sei eu sei com alguma certeza. Há anos atrás eu pensava que as pessoas que eu amava eram eternas, que a vida era imutável e que tudo aquilo pelo qual lutava eu ia conseguir. E a vida não é mesmo nada assim. Nem as pessoas são eternas, nem as coisas vêm ter rapidamente às nossas mãos – às vezes nunca vêm. Também achava que o amor era de um deslumbramento tão grande e de uma luminosidade tão poética, que jamais seria contrariado ou molestado por outrem. Jamais achei que tomar decisões, fazer opções na vida, por mais simples que nos pareçam, fosse tão complicado e magoasse tanta gente. Não tinha noção do quão incómodos podemos ser quando pensamos pela própria cabeça e somos nós próprios. Por isso, acho que sempre fui confundida com uma impostora, uma sacana, uma filha da mãe, uma ingrata, e, no meio disso tudo, fiz asneiras em todos os campos, como filha, como irmã, como neta, como amiga, como namorada. Muitas das vezes fiz asneira porque cedi a pressões, mas outras vezes fiz asneira porque não dei o braço a torcer. Fui teimosa até conseguir. Fui insistente para me defender. Fui determinada ao ponto de permanecer como sou, sem grandes desvios àquilo que considero ser a minha personalidade, aquilo que me distingue.
Não vou dizer que o mau feitio é o dos outros. Não estaria a ser modesta, nem verdadeira comigo própria. Sei bem que posso ser uma pessoa muito difícil. Mas também sei o quão fácil posso ser. Infelizmente, por mais simples que sejam as minhas opções, todos parecem reprová-las, todos parecem ter a opinião que está mal ou que «assim está mal, deveria ser de outra maneira». Quando eu ia à psicóloga, ela reduzia tudo ao mais simples «deixe os outros falarem», mas a verdade é que afecta, e muito, estar constantemente a ser reprovado em tudo. É como o aluno que tem sempre más notas: sente-se inferior e deixa de estudar. Às vezes não respondo porque deixo de lutar contra opiniões alheias. Estou, muitas vezes, chumbada à partida. Quantas vezes…
Às vezes é bom ser pateta: não perceber bem, fingir que não se percebe, ignorar consequências, ser parvinho, fingir, mentir. Compensa tanto. A parvoíce é tão lucrativa. Mas nem todos somos assim. Nem todos desculpamos o mau feitio uns dos outros, e sobretudo nem todos julgamos os outros como «bonzinhos» o resto da vida.
A Paula diz que hoje, com a minha experiência, haveria situações (e pessoas) às quais eu saberia responder. Mas eu considero-me muito parva (sem fingimentos parvos), acho que ainda hoje há pessoas e situações para as quais não tenho resposta, as quais me torturam indefinidamente. Isso faz sempre de mim uma pessoa sem grandes expectativas de felicidades cor-de-rosa, porque sei que tenho sempre de lutar.
Classifico as pessoas em três grupos (gosto muito de taxonomia): as que se resignam e aceitam as circunstâncias da vida, as que lutam o mais possível para mudar as circunstâncias e finalmente as que manipulam as circunstâncias a seu favor. Porque são as do último grupo as mais bem sucedidas? Porque é raro sermos felizes resignados, normalmente levamos uma vida discreta e fechada em raiva e ódio. Também é raro sermos felizes a lutar contra os outros: ou nos estamos a borrifar para as opiniões alheias (e isso tem de ser feito com alguma insistência e também alguma resignação espiritual), ou estamos sempre mal, porque ouvimos, ripostamos, ouvimos, ripostamos. A vida é um palco de batalhas permanentes. Finalmente o grupo dos manipuladores. São os jogadores da vida. Os estrategas. Prevêem, vêem os passos a dar, estudam o terreno, estudam as pessoas. São os psicólogos naturalmente instruídos. Egoístas e insensíveis. Se tiverem de passar por cima de alguém, paciência, desde que atinjam o seu objectivo está tudo bem. Por vezes são pessoas dissimuladas, outras vezes são pessoas simplesmente vaidosas (se forem maus jogadores até abrem o jogo). O que é certo é que ganham porque há sempre quem acredite neles e os credibilize. Na vida, são as pessoas com mais expectativas. Podem sempre tê-las, porque a seguir a um idiota que as credibilize vem sempre outro idiota. Chantagistas e manipuladores são o pão nosso de cada dia. Odeio-os sobejamente e tenho muitos problemas por causa deles. A uns topo o jogo, a outros não.
Sempre fui má jogadora. Sempre tive a sensação de estar a ser enganada por uma miríade de pessoas. Hoje em dia menos do que antes, tornei-me mais desconfiada, mais astuta e procuro ser mais sensata quando abro a boca para falar. Há sempre jogadores que ouvem e tentam copiar os nossos gestos (corremos sempre esse risco), há jogadores que antecipam as jogadas, há jogadores que a seguir sabem jogar melhor. Como no póquer, a vida junto dos outros é um jogo de emoções, trejeitos, gestos, palavras. Excepto para os amigos e familiares em quem confiemos, nunca devemos abrir o jogo. Isto foi o que aprendi com os outros.